quinta-feira, agosto 31, 2006

Minutos Antes

Lara abandonou o quarto furiosa batendo violentamente com a porta, a sua fúria não era dirigida a Lilian, mas sim a si mesma. Durante toda a sua vida sempre fez o que quis, nunca se importando com o prazer ou a felicidade dos outros excepto a sua, todos os seus amantes, tanto machos como fêmeas, eram apenas objectos temporários de prazer em que por escassas horas, ou dias, se entregava totalmente a prazeres indescritíveis. Mas agora, sem saber como ou porquê, começava a sentir, a ter sentimentos pelos seus parceiros, a vê-los como realmente são e não apenas como objectos. E tudo começou com o Cavaleiro, um humano que a libertou das garras do seu antigo mestre e a tomou para si, desde esse dia que algo dentro do seu peito mudou e agora a velha Lara é apenas uma memória distante.
- Ai, deves estar a ficar velha, Lara, onde já se viu uma demónio de puro sangue a preocupar-se com reles humanos!? - murmura a ela encostando-se à parede e baixando a cabeça de tal forma que os seus cabelos negros lhe cobriam o rosto - Humanos, reles humanos, deixam-se influenciar por sentimentos inúteis e ainda se gabam disso. Incrível, os seus machos que passam o tempo todo a pensar com a cabeça que têm entre as pernas dominam a arte da guerra e as suas fêmeas, muitas vezes mais inteligentes que eles, entregam-se a intrigas sem fim. Que raça estúpida! - A demónio levanta a cabeça e fita o vazio - Mas se é assim tão estúpida então porque é que eu estou a sentir isto por este grupo de falhados? Especialmente pelo Cav... Ai, Lara, Lara, talvez esteja na altura de partires, de o esqueceres e voltar a colocar essa raça parva onde ela merece, debaixo da tua bota, como escravos. - Um ligeiro sorriso desenha-se em seus lábios e um brilho intenso ilumina os seus olhos dourados.

Sorrindo aliviada por ter chegado a uma decisão, a demónio desce as escadas e dirige-se para o salão com o intuito de tomar um bom pequeno almoço e iniciar os preparativos para a sua partida. Escolhe uma mesa grande e bem iluminada e nela abre um mapa da região onde se entretem a traçar rotas e caminhos enquanto bebe um café e devora vagarosamente o seu prato de carnes frias. Lara, que se encontra totalmente concentrada nesta tarefa, excitada por iniciar uma vez mais uma viagem a solo, nem se dá conta de que por detrás dela se aproxima uma figura envolta num manto negro.
- Parece que vais viajar. - diz a figura com uma voz doce colocando as mãos sobre os ombros da demónio - É pena que não vivas o tempo suficiente para a fazer.
Um arrepio gelado percorre a espinha de Lara ao reconhecer a voz.
- Satine!? - Diz ela semi-espantada virando-se na direcção da vampira.
- Sim! Tenho um presente do teu querido Cavaleiro, espero que gostes.
Os olhos cinzentos da vampira cintilam com um brilho estranho prendendo a sua vítima num transe momentâneo. A lâmina de um pequeno punhal revela-se sob o pesado manto negro e prepara-se para desferir um golpe mortal no coração da demónio. Lara, resistindo à influência mental da sua oponente, apercebe-se a tempo do vil presente que está prestes a receber e desvia bruscamente o alvo. A lâmina enterra-se no ombro esquerdo obrigando a demónio a soltar um grito de dor pavoroso, Satine, admirada por ter falhado um alvo tão fácil, deixa-se ficar por uns segundos sem reacção, dando tempo a Lara a oportunidade necessária para se afastar dela.
- É impossível!!! Nunca ninguém escapou ao meu olhar!! - Rosna a vampira bem alto.
- Agora percebo porque é que nunca conseguiste ser algo mais que prostituta, Satine, és estúpida demais!!!! - grita Lara arrancando o punhal do seu ombro e atirando-o ao chão - Não sabes que os demónios são imunes ao charme mental?
Satine fica vermelha de cólera por ignorar tal coisa.
- Não interessa, vou acabar contigo à maneira antiga, e depois vou deleitar-me com o teu sangue!! - A vampira desfaz-se do seu pesado manto e coloca-se em posição de combate soltando as suas garras letais e aumentando os seus caninos aguçados e mortíferos.
- Minha querida, não sabes há quanto tempo espero por este momento, - diz Lara sorrindo - vou mostrar-te aquilo que um demónio é capaz!!
Lara e Satine atiram-se uma à outra iniciando uma luta intensa corpo a corpo. Embora o seu braço esteja ferido, a agilidade e destreza de Lara são muito superiores às de Satine, que é perita na luta de emboscada e não numa luta aberta. Rapidamente o salão se torna num campo de batalha entre estas duas mulheres, ninguém se mete, todos ficam a ver, alguns até apostando na possível vencedora, observando atentamente cada golpe e cada movimento. Embora a demónio leve a melhor nos primeiros minutos, a verdade é que a perda de sangue começa a fazer os seus efeitos e os seus movimentos tornam-se mais lentos e menos eficazes, a vampira vai-se apercebendo deste facto e usa-o a seu favor, aparando os golpes e esperando pacientemente pelo final.
Subitamente, e no preciso momento em que Lara cai no chão e em que Satine se prepara para lhe dar um golpe final, um anjo sobrevoa o salão e desfere um golpe no rosto da vampira, pousando imediatamente sobre uma mesa e apontando-lhe a sua espada preparando-se para um novo ataque. Satine grita de dor e vira-se na direcção do seu novo inimigo. No alto da escada uma voz forte entoa uns encantamentos e a vampira percebe que é melhor retirar e lutar num outro dia. Assim, e quando Lilian se prepara desferir um novo golpe, Satine desaparece misteriosamente, como fez da última vez.

segunda-feira, agosto 28, 2006

Relatos

Melissa mal podia acreditar em seus olhos, durante tantos anos ouvira, nos templos, histórias sobre guerreiros alados que em nome da justiça e do bem lutavam, arriscando as próprias vidas, contra as forças das trevas, mas nunca chegou a ver um com os seus próprios olhos. O simples facto de Lilian pertencer a essa classe tão restrita fazia crescer no seu peito um sentimento de orgulho e ao mesmo tempo uma pontinha de inveja. Orfeu, sentindo esta dicotomia de sentimentos na sua amada, dá-lhe a mão e aperta-a carinhosamente levando Melissa a afastar aquele ciúme parvo que sentia pela sua amiga.
- E então minha amiga, o que achas do meu novo "look"? - Pergunta Lilian sorrindo como uma criança.
- Lilian, eu estou sem palavras, tu estás simplesmente fantástica. - a sacerdotisa lança-se nos braços da sua amiga apertando-a cheia de saudades - Ai, tu não sabes como me deixaste preocupada. Eu odeio admitir, mas a Lara tem razão, a voar sobre uma cidade de demónios, ai, Lil, onde estavas tu com a cabeça?
- Mel, tu não compreendes, foi superior a mim, senti-me completa uma vez mais e tinha que voar, saborear o vento fresco na minha pele, sentir o leve bater das minhas asas... - Lilian cala-se por uns momentos comovida - Foi fantástico, minha amiga, simplesmente fantástico!
- Para onde foste? Porque demoraste tanto? Aconteceu alguma coisa?
Lilian sorri e olha para a chuva que começava a cair.
- Sim, eu conheci-a.
- Quem? Conheceste quem?
- A Eleanora, aquela que eu vi quando estive morta.
Melissa olha para Orfeu sem querer acreditar.
- Mas como é isso possível, conta-me tudo, tintim por tintim.
- Esta bem. - Lilian senta-se na cama e fita as negras nuvens e a chuva que cai com cada vez mais intensidade - Enquanto voava algo me chamou a atenção, uma mulher muito bonita estava sentada numa nuvem observando-me. Achei aquilo muito estranho e aproximei-me dela. Com a sua voz doce disse-me que se chamava Tela e que era amiga do Cav, ficámos a conversar durante algum tempo, até que ela me disse que a mulher que eu salvara da árvore queria falar comigo, mas eu teria que confiar nela para me levar até ela. Eu disse que sim, não sei porquê mas aquela mulher transmitia-me confiança e, colocando apenas a sua mão sobre a minha, transportou-me até um belo bosque e aí, perto de uma grande árvore, eu encontrei a Eleanora. - Lilian pára por uns momentos e volta a sorrir docemente - Ai, Mel, mas que mulher fenomenal, tão confiante e cheia de vida... Falámos durante horas, sobre tantos assuntos e em especial sobre ele, claro. Por fim, a Tela disse-me que estava na altura de regressar e assim o fiz, despedi-me da Ela e voltei.
- Hm, que interessante... - Diz a sacerdotisa pensativa.
- Antes de me abandonar a Tela perguntou-me, "Amas assim tanto as tuas asas? Mais do que o amor que sentes por ele?", eu olhei para ela sem compreender o significado daquelas perguntas, mas ela simplesmente sorriu e desapareceu. O que achas que ela queria dizer com isto?
- Será que terás que escolher entre elas e o Cav? - Responde Orfeu dando voz ao pensamento das duas mulheres.
Um grito feminino arranca os três amigos das suas reflexões, é um grito de dor e de fúria que provoca arrepios por ser tão familiar. Logo a seguir o som de um aceso combate faz-se ouvir e sentir por toda a estalagem.
- Mas, não é a Lara que está a gritar? - Pergunta Melissa.
- É... - Diz Lilian correndo para a porta.

sábado, agosto 26, 2006

O Regresso

O dia amanhece cinzento e sombrio com pesadas e negras nuvens vagueando lentamente pelo céu trazendo consigo um prenúncio de uma violenta tempestade. Um vento húmido oriundo do Oeste sopra moderadamente fazendo com que os cortinados escarlates do pequeno quarto de Lilian se agitem levemente e provocando um ligeiro tiritar de frio em Melissa e Orfeu que haviam adormecido sobre a cama após uma longa noite de vigília. Lara, envolta nas sombras, mantém-se desperta, seus olhos dourados fitam atentamente a janela aberta e a sua cauda agita-se levemente numa tentativa de fazer escoar a irritação crescente que lhe vai no peito.
Um som, um som que deixa a demónio com os sentidos alerta, aproxima-se da janela. Um leve bater de asas de uma criatura alada, mas tão característico que uma sensação de inquietude invade o espírito de Lara. É um anjo que se aproxima, o inimigo natural de um demónio e, mesmo agora em tempo de paz, ela não consegue deixar de sentir um profundo ódio e desprezo por tal criatura, mas ao mesmo tempo, um certo receio.
Um vulto penetra suavemente no quarto, suas asas brancas encolhem-se de forma a permitir a sua entrada através da janela, seus longos cabelos castanhos encaracolados completamente desalinhados, caiem pelas suas costas como uma cascata e seus olhos verdes esmeralda, muito intensos e vivos, perscrutam o quarto detendo-se sobre a cama e observando com visível deleite os dois amantes adormecidos.
- Tu deves ser é louca! - sussurra Lara atrás dela -, onde é que já se viu, um anjo a sobrevoar calma e livremente uma cidade de demónios. Tu queres morrer!?
Lilian vira-se soltando um grito surdo de espanto ao ver dois olhos dourados fitando-a das trevas.
- Lara!? Eu...
- Sim, já deu para ver que viraste anjinha de novo, mas parece que ao receber umas asas perdeste parte dos teus miolos!! Como podes ser tão estúpida!?
Lilian abre a boca para responder, mas a demónio continua o seu discurso.
- Desapareces assim, sem mais nem menos, deixando-nos preocupados. Melissa passou a noite de pé, imaginando o que te poderia ter acontecido, estava tão nervosa quem nem o Orfeu a conseguiu acalmar. Para onde foste? O que é que se passou pela tua cabeça?
- "Deixando-nos preocupados"? - repete a feiticeira com um sorriso nos lábios - Acaso, cara Lara, estavas preocupada comigo? Eu sempre pensei que vocês demónios não se preocupassem com ninguém, excepto com vocês mesmos, é claro.
Lara morde o lábio ante esta resposta, sua cauda enervada bate violentamente contra uma mesinha quebrando um pote com água fresca e despertando a sacerdotisa e o bardo.
- Deves estar a imaginar coisas!! - grita Lara irritada - Eu não disse isso, ou pelo menos não quis dizer isso, eu... AH, mas porque é que estou a dar conversa a uma rapariga parva e tonta como tu!?
E dizendo isto, vira-lhe as costas e sai do quarto batendo a porta com violência.
- Vocês viram isto? A Lara estava mesmo preocupada comigo. - Diz Lilian sorrindo.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Recompensa

Satine deixa-se ficar nas sombras mordiscando o lábio inferior enquanto assiste à fusão entre o seu amante e a armadura. Seus olhos vivos observam atentamente aquela mancha negra que percorre o braço dele e se aloja no peito formando uma tatuagem invulgar. Seu coração palpita ao vê-lo cambalear, ao ouvi-lo soltar um gemido fraco e senti-lo quase a perder os sentidos. Num acto inconsciente ela salta das trevas e abraça-o sentindo o calor do seu peito e o doce perfume da sua pele. Como uma mãe que protege a sua cria e como uma amante que anseia pelo seu amor, ela deixa-se cair para trás, suavemente, sentando-se num tapete fofo e agradável, levando-o consigo e colocando a sua cabeça sobre o seu ventre quente e acolhedor. Seus dedos brincam com os cabelos do seu amado, entrelaçando-se neles e acariciando-os gentil e ternamente dando-lhe uma sensação de segurança. Por longos minutos deixa-se ficar assim, em silêncio, trocando com ele sorrisos e olhares sedutores e pequenas carícias no rosto e no pescoço.
- Como te sentes? - Pergunta ela com uma voz doce e suave como o mel.
Ele sorri e fecha os olhos, apreciando as carícias da sua amante.
- Parece que morri e fui para o Hades.
- Folgo em ouvir isso, meu guerreiro - diz ela beijando os seus lábios -, mas diz-me, o que achas do meu presente?
Ele abre os olhos e fita intensamente os dela.
- Adorei-o! Sinto uma força, uma energia dentro de mim, que não consigo explicar, é simplesmente maravilhoso.
Ela sorri e passa os seus dedos sobre a nova tatuagem do seu amante.
- Eu sabia que irias conseguir, eu sabia...
- Obrigado, Satine, obrigado por ficares do meu lado e me ajudares. - Diz ele segurando a mão dela e levando-a aos seus lábios beijando-a.
- Não precisas de agradecer, apenas fiz o que o meu coração me disse para fazer. Eu... eu amo-te, Cav, amo-te desde o momento em que te vi, desde o momento em que me escolheste, de entre todas as outras prostitutas, para ser tua.
Ela beija-o intensamente, despejando tudo o que sente naquele toque, naquela dança ardente de duas línguas.
- Mas eu não te amo, Satine, nunca te amei. Adoro-te, és uma mulher extraordinária, uma louca na cama, mas nunca senti algo mais por ti do que desejo carnal.
- Eu sei... Eu faria qualquer coisa por ti, Cav, daria a minha vida se fosse preciso, só para ter um sorriso ou um beijo teu. É engraçado, só nos apaixonamos por pessoas que não nos querem...
Ele levanta-se levando-a consigo e abraça-a sentidamente, beijando em seguida os seus lábios e afagando o seu cabelo.
- Eu nunca te disse que não te queria, Sat, apenas te disse que não te amo. Tu és das poucas fêmeas que me deixam louco. - Diz ele beijando e mordiscando o seu pescoço e desapertando o fino robe de seda transparente. - E eu quero-te, quero-te muito.
Ele volta a beijá-la, desta vez com uma intensidade e desejo crescentes, suas mãos percorrem o corpo da vampira com uma volúpia e luxúria indescritíveis ansiando ardentemente o toque suave da sua pele na dele. O robe cai no chão sem barulho e ambos soltam um gemido de vitória sem no entanto descolarem a boca uma da outra. As suas mãos voltam a percorrer o corpo de Satine como se tivessem vida própria, detendo-se nos seus seios e no seu sexo já húmido e preparado para o receber. Ela sorri ao sentir os dedos dele brincando com o seu clitóris e forçando a entrada e geme ao sentir o seu falo duro roçando em sua pele ansioso por a penetrar. Sem controlar o desejo ele leva-a para uma zona da sala onde várias peles de urso estão dispostas e, sem o mínimo de cerimónia, atira-a para o chão com violência. Ela deixa-se cair sem resistência, esboçando um sorriso sedutor na sua direcção e fitando com prazer aquele falo erecto que avança sobre ela. Ele ajoelha-se diante dela retribuindo o sorriso e beija e lambe o seu sexo provocando em Satine gemidos incontroláveis de pura luxúria. Vendo que está preparada para o receber ele abandona o seu sexo e percorre com a língua um tortuoso caminho até aos seios e por fim ao até aos lábios sensuais da vampira, deixando para trás um rasto quente de saliva. Beijando os seus lábios, ele penetra-a forçando-a a soltar um gemido de puro deleite, um gemido que ecoa por entre os corredores das sombrias catacumbas e que até ao raiar do Sol na superfície seria apenas o primeiros de muitos outros...

segunda-feira, agosto 21, 2006

Aragoth

O seu sono é agitado e por diversas vezes ela o ouve gritar coisas sem nexo. Com extremo cuidado ela afaga o seu cabelo coberto de suor e tenta esfriar com um pouco de água a sua pele quente e escaldante. Ela não entende o que se está a passar, desde que o viu a manejar aquela força invisível, a libertar aquele poder extraordinário, que ela está confusa e indecisa, apenas segue o seu instinto e os seus sentimentos e reza aos seus Deuses para que tudo termine bem. De alguma forma a sua presença e o seu cuidado trazem-lhe a paz de que ele precisa e, a pouco e pouco, ele acalma-se até voltar a dormir delicadamente como se nada tivesse acontecido. Ela sorri, de seus lábios sai um agradecimento timido, dirigido não se sabe a quem ou ao quê, ternamente acaricia-lhe o rosto e pousa gentilmente a sua cabeça sobre o seu peito sentindo o leve bater do seu coração. Ao compasso desta música ela adormece esperando que ao acordar o veja bem e revigorado.

Um arrepio de frio percorre o seu corpo e Satine procura em vão o corpo quente do seu amante, seus dedos tacteantes perscrutam instintivamente a cama mas tudo o que encontram é uma almofada já fria. Intrigada ela desperta e confirma com os seus olhos aquilo que os seus dedos já lhe haviam dito. Ela levanta-se vestindo um leve robe de seda transparente e procura-o curiosa.
- Estás à minha procura?
Ela vira-se e encontra-o atrás de si, nú e molhado.
- Fui tomar um banho, o treino de ontem deixou-me exausto e com um cheiro pouco agradável.
- Nós vampiras gostamos do cheiro a suor de um macho, é simplesmente irresistível. - Diz ela aproximando-se dele sorrindo.
- Hm, não sabia, nesse caso é melhor ter cuidado, não vás tu chupar-me o sangue enquanto estiver a dormir.
- E logo o teu que é tão delicioso e suave, hm, seria um banquete divinal. - Ela beija-lhe o pescoço mordiscando-o ao de leve.
- Talvez mais logo o faças, agora tenho que voltar aos treinos. - Diz ele afastando-a.
- Eu vi o que fizeste ontem, não sabia que eras capaz de fazer aquilo.
- Há muita coisa sobre mim que não sabes, cara Satine.
- Mas conheço o principal, sei o que te excita e sei o que te dá prazer.
Ela volta a aproximar-se dele e beija-o no canto da boca. Ele sorri dando-lhe razão.
- Talvez os treinos possam esperar. - Diz ele agarrando-a violentamente e beijando-lhe o pescoço.
- Podem sim e isto também. - ela empurra-o para trás e sorri-lhe - tenho algo para te mostrar, algo que vais gostar muito. Segue-me.
Ele faz uma careta como se fosse uma criança a quem tiram um brinquedo, mas a curiosidade fala mais alto e encolhendo os ombros segue-a. Ela leva-o até um beco sem saída.
- É aqui, segue-me.
- Aqui!? Mas isto não tem saída.
Ela sorri.
- Ai, meu querido, tens de aprender que nesta vida nem tudo é o que parece. - Ela pisca-lhe o olho e atravessa como por magia a parede de tijolos. - Vês, é uma ilusão, agora vem, há muito que te quero mostrar isto.
Ele segue-a e atravessa com facilidade aquela parede ilusória. O que está escondido por detrás daquela parede deixa-o sem palavras, pilhas enormes de ouro, baús cheios de pedras preciosas, finas armas espalhadas pelo chão e diversas peças de protecção corporal espalhadas igualmente pela sala.
- Pelos Deuses, mas para onde me trouxeste, para a casa de um dragão? - Diz ele atónito.
- Mais ou menos, mas eu trouxe-te aqui para te oferecer isto. - Ela aponta para um dos cantos da sala.
- Mas isto é...
- Uma armadura completa feita de escamas de dragão, é uma armadura mágica, ela funde-se à tua própria pele criando uma marca, uma tatuagem e quando tu a invocares ou quando ela sentir que estás em perigo activa-se e cobre-te totalmente, desde a cabeça aos pés.
- Eu não sei o que dizer...
- Existe outra coisa, se por acaso durante um combate ficares privado da tua arma, a armadura resolve o teu problema, basta fechares e comprimires os teus punhos um contra o outro e um par de garras de vinte centímetros aparece como por magia.
- É maravilhosa. Mas se é assim tão boa, porque é que tu ou outro demónio não a reclamaram?
- Houve muitos que tentaram, mas a armadura escolhe o seu dono. Queres experimentar?
- O que aconteceu aos que tentaram?
- Ninguém sabe, simplesmente desapareceram.
- Hm, então se lhe tocar corro o risco de desaparecer também... - Ele hesita. - Bom, ninguém vive para sempre.
Ele aproxima-se da fabulosa armadura e estica o braço na sua direcção. O seu dedo toca no metal quente e imediatamente um arrepio estranho percorre o seu braço. A sala parece andar à roda e o seu corpo parece-lhe estar em chamas, imagens de eras passadas percorrem a sua mente como se algo se estivesse a fundir com ele. Subitamente tudo o pára e regressa ao normal, a armadura desapareceu e no seu local encontra-se agora uma frase marcada a fogo vivo.

Aragoth serve-te

Asas

Deixo-me levar pela brisa quente da manhã, como é bom poder saborear uma vez mais esta sensação maravilhosa, esta liberdade magnífica que tão poucos podem experimentar. Sempre me convenci que nunca mais voltaria a senti-las, que ficaria para todo o sempre presa ao chão, incompleta e infeliz, mas, após acordar de novo para a vida, eu senti algo, algo que me foi retirado naquele dia fatídico, ao princípio pensei que se tratava da minha imaginação, apenas uma memória de um passado orgulhoso, mas depois, depois de me ver diante daquele espelho vi que não estava a sonhar, vi que a sensação era real e que uma vez mais estava completa. As minhas asas, as minhas belas, brancas e orgulhosas asas, voltaram.
Deixo que o vento de Leste me abrace e me envolva com o seu toque fresco e delicado, deixo que ele me guie e me leve para onde ele quiser, hoje não me pertenço, hoje não quero ser de ninguém, quero apenas apreciar o momento e... voar.

- Como assim, ela desapareceu!? - Pergunta Melissa entrando de rompante no quarto. - Ainda há pouco aqui estava, ia só demorar uns minutos para se vestir.
- Pode ser que aqui tenha estado ainda há pouco, mas agora já não está e, pela maneira como o quarto estava, deve ter saído à pressa. - Responde Lara calmamente.
- Saído? Cara Lara, pela porta da rua é que não foi, senão nós tê-la-iamos visto. Ela deve estar algures ainda na estalagem, vamos procurá-la.
- Vais perder o teu tempo, já procurei, ela desapareceu.
- Como? Evaporou-se, ou será que ganhou asas e voou pela janela? - Ironiza a sacerdotisa.
- É isso mesmo que eu acho. - Responde a demónio fitando intensamente Melissa com os seus olhos dourados. - Encontrei esta pena no quarto de banho e detectei um cheiro que já não sentia há muito tempo, um cheiro de anjo, cara Melissa, um cheiro de anjo misturado com o cheiro dela.
- Terá ela sido raptada?
- Ai, Deuses, ajudem-me, será que os humanos são assim tão idiotas? Melissa, tu lançaste um feitiço poderoso, será que tu não conheces as lendas antigas? As histórias dos antigos e poderosos feiticeiros que caminharam este mundo séculos antes de nós?
Melissa cora ante a sua ignorância.
- Não, não sei...
- Segundo a lenda, - interrompe Orfeu, indo em auxílio da sua amada - existia sempre um senão cada vez que poderosas magias eram libertadas. Por exemplo, segundo a lenda de Kilian, um sacerdote de Juba muito poderoso, quando ele tentou trazer de volta a sua mulher e os seus filhos, algo correu mal, ao princípio o feitiço funcionara, Kilian vencera a Morte e deu vida aos seus entes queridos, mas nos dias seguintes aconteceu algo que ele não estava à espera, as suas formas mudaram e eles voltaram a ser o que eram numa vida anterior. É como se a Morte tivesse sempre a última palavra, eles regressavam, é certo, mas não da forma como nós queríamos.
- Então, a Lilian vai transformar-se de novo em Serafim? - Pergunta Melissa deixando-se cair na cama.
- Não sei. Se bem te lembras, a Lilian não morreu quando era um anjo, os Deuses tiveram pena dela, do seu sofrimento e dor e tornaram-na humana. Eu não faço ideia do que poderá acontecer. - Responde Lara olhando para a janela aberta.
- Pobre Lilian, espero que nada de mal lhe aconteça ou eu nunca me perdoarei.
Orfeu senta-se ao lado de Melissa e abraça-a ternamente tentando confortá-la.
- Uma coisa é certa, - diz Lara debruçando-se sobre o parapeito - aquela rapariga é muito estúpida, imaginem, a voar como um anjo sobre uma cidade de demónios... Ou é muito corajosa ou é muito parva ao tentar a Morte desta maneira.

quarta-feira, agosto 16, 2006

O Treino

Enquanto Lara se interroga sobre a estranha pena que acabara de encontrar no quarto de Lilian, um homem treina intensamente vários metros abaixo dela, num local em que nem mesmo o mais corajoso dos heróis se aventuraria a entrar, as catacumbas de Herfin. As feridas sararam por completo graças aos cuidados da sua amante e agora, a pouco e pouco, ele tenta recuperar a sua forma treinando durante horas a fio até que a exaustão lhe leve a melhor. Ela vigia-o de perto, cada golpe, cada movimento e cada suspiro, nada lhe escapa. Sentada no escuro apenas o observa, contemplando o seu corpo nú, a sua forma graciosa e as suas múltiplas cicatrizes honrosamente merecidas em diversas e numerosas batalhas e confrontos. Finalmente, ele pára, a sua respiração é pesada e a sua pele coberta de suor reluz ante a estranha luz dos candelabros, por longos minutos ele deixa-se apenas ficar de pé fitando algo que a vampira não consegue discernir. De repente e sem que ela o espere, ele solta um grito enorme, quase animalesco, e dos seus olhos farpas de energia branca são expelidas em todas as direcções, Satine nem consegue acreditar no que vê, já o conhece há algum tempo e nunca imaginou que ele tivesse este tipo de poder e, tal como um espectador que assiste a um espectáculo de circo em que o artista faz uma manobra perigosa, ela observa quieta e em silêncio. A sala treme um pouco e impelidos por uma força invisível os objectos que não estão fixos começam a rodopiar à volta dele, espadas, armaduras, copos e jarros, todos parecem ter ganho vida própria e giram em torno de um eixo oculto. Subitamente ele geme e vencido pelo cansaço perde os sentidos levando a que todos os objectos que até então voavam pela sala alegremente caiam no chão causando uma barulheira enorme.
Satine corre na sua direcção, preocupada que este esforço sobrenatural tenha de alguma forma afectado o seu processo de cura. Vendo-o não só como um amante, mas também como uma cria, ela leva-o para o quarto onde o deita delicadamente sobre a cama e deita-se ao seu lado brincando com os seus pêlos do peito esperando pacientemente que ele volte a acordar.

O Amor Está No Ar

O cheirinho de pão acabado de fazer enche o enorme salão de convívio deixando todos os que nele se encontram de água na boca, bom, todos excepto uma demónio que se encontra imersa nos seus pensamentos e apenas desperta de vez em quando para esvaziar o seu copo de vinho. Ocupa a mesa mais recôndita de toda a sala aproveitando a fraca luminosidade aí existente para se fundir com as sombras, seus olhos dourados parecem brilhar como lanternas, fitando somente o vazio, sua pele pálida e prateada toma um tom fantasmagórico ante aquela parca luz e o seu rosnar de cada vez que um demónio macho tenta a sua sorte é tão intimidante que muitos deles preferem ignorá-la do que enfrentar o que quer que se encontre ali escondido. Desde que Lilian acordara que Lara ali se encontra, sozinha, meditando e bebendo sem se dar conta que lá fora amanhece.
- Ora, ora, o que fazes aqui sentada no escuro? Anda para uma mesa com mais claridade. - Convida Orfeu que acabara de se sentar mesmo em frente de Lara.
- Desaparece... - Responde a demónio com maus modos esvaziando mais um copo de vinho.
- Olha lá. - Continua Orfeu ignorando a sua resposta. - Quem é a tal Eleanora?
Lara pousa o copo e fita-o com uns olhos de poucos amigos e rosna ameaçadoramente.
- Ouve lá, humano, qual foi a parte do "desaparece" que não percebeste?
- Pronto, pronto eu calo-me. - Diz o bardo baixando os olhos e pegando num copo e no jarro para se servir também de um pouco de vinho.
O som de uma lâmina cortando o ar faz-se sentir e o jarro sai disparado das mãos de Orfeu indo cair no chão partindo-se em mil pedaços e derramando o vinho pelo soalho de madeira. Todos os olhos se viram para o bardo que se encontra pálido e trémulo com a reacção da demónio.
- Quando eu digo "desaparece", tu desapareces, não te calas, percebes-te? - Rosna Lara. - Quero estar só, por isso vai procurar uma outra mesa ou a próxima lâmina vai direitinha ao teu coração, rapazinho!
Vendo que a demónio não brinca o bardo levanta-se e vai sentar-se na mesa mais afastada que consegue encontrar.
- Eleanora... Espero que tenha sido um sonho, pois se essa mulher voltar a feiticeira irá perdê-lo... e eu também... - Comenta Lara enchendo de novo o copo.

Momentos depois desce Melissa, que vendo Orfeu tomando o pequeno almoço sozinho decide imediatamente juntar-se-lhe para continuar a conversa interrompida.
- O que tens? - Pergunta ela. - Estás pálido.
- Não foi nada, tive uma pequena desavença com a Lara.
- E estás bem?
- Sim, não foi nada. Como está a Lilian?
- Tendo em conta que esteve morta e sofreu uma experiência extra-corporal, eu diria que até está muito bem. - Diz Melissa sorrindo. - Está apenas a vestir-se e já vem ter connosco.
- Espero que se demore. - Diz Orfeu segurando-lhe a mão.
A sacerdotisa fica sem palavras ante este gesto inesperado e apenas sorri nervosamente.
- És muito bonita, sabias?
Muda, Melissa cora visivelmente.
- Conheço tantas histórias de amor, romance e aventura. Histórias que contam feitos extraordinários realizados a pedido ou para salvar mulheres de rara beleza e carácter, mas, estando aqui à tua frente, olhando para esses olhos tão belos e sentindo o toque quente da tua mão, só consigo pensar que nenhuma delas te chega aos calcanhares e, se porventura, os heróis das minhas histórias tivessem que realizar os feitos heróicos em teu nome, de certeza que o fariam com muito mais vigor e coragem.
- E-eu não sei o que dizer... O que acabaste de me dizer foi tão bonito que me deixaste sem palavras.
- Não precisas de dizer nada, o teu olhar diz tudo.
Orfeu sorri para Melissa e afaga o seu cabelo.
- Eu amo-te. - Diz ele por fim. - Desde o momento em que te vi, que te amo.
Melissa suspira e sorri de contentamento.
- Eu também te amo. - Diz ela aproximando os seus lábios dos dele.
Os seus rostos aproximam-se e conseguem sentir as respirações ofegantes um do outro, o bater dos seus corações dispara de tal forma que parece que lhes vai sair pela boca. Ambos fecham os olhos e preparam-se para saborear o gosto um do outro, preparam-se para o primeiro toque e para o primeiro choque carregado de magia que é um primeiro beijo.
- Lamento interromper. - Diz Lara aproximando-se e quebrando a magia. - Mas preciso de falar com a feiticeira.
Agora é a vez de Orfeu fitar Lara com cara de poucos amigos.
- Não podias ter escolhido altura melhor? - Diz ele irritado.
- A Lilian está no quarto, é só subires. - Diz Melissa secamente.
- Ui, voltem lá à vossa vidinha, mas pelo jeito que estão as coisa o melhor é arranjarem um quarto.
A demónio afasta-se deixando para trás o casal que a observa sem palavras e sem saber o que lhe responder.
O quarto de Lilian continua na mesma, à excepção da coluna de vapor de água que se escapa pelas frinchas da porta do quarto de banho, Lara sorri pensando na noite de loucura em que os três passaram juntos durante festa dos Deuses. Esperando surpreender a feiticeira, a demónio abre a porta de rompante e entra sem cerimónia, mas para seu desgosto encontra a banheira vazia e com a torneira ainda aberta, no chão encontra também uma toalha e a poucos centímetros desta um objecto estranho.
- O que é isto? - Pergunta a si mesma enquanto apanha aquele estranho objecto. - Uma pena!?

segunda-feira, agosto 14, 2006

Mudanças

A luz fresca da manhã penetra no quarto despertando Melissa do seu sono agitado. O seu primeiro olhar é direccionado para a cama onde Lilian se encontra deitada, pela cor do seu rosto e pelos movimentos sonolentos do seu peito tudo indica que o feitiço resultou. A sacerdotisa deixa-se afundar na cadeira libertando um sonoro suspiro e soltando um sorriso de felicidade, ao seu lado consegue sentir outra presença, a do jovem bardo que adormecera ao seu lado e que lhe segura ternamente a mão como que para lhe dar confiança. Ela sorri e beija a sua fronte passando a sua mão livre pelos cabelos dele. Por largos minutos deixa-se ficar a olhar para ele esquecendo-se por completo tudo o que a rodeia, desde a fuga da Atlântida que Orfeu tem estado ao seu lado, tendo sempre um sorriso e uma palavra amiga, talvez seja por isso que algo cresceu dentro do seu coração, um carinho especial por ele.
Orfeu desperta suavemente ao sabor das carícias de Melissa, um sorriso desenha-se em seus lábios ao sentir a pele suave e fresca dos dedos da sua companheira, seus olhos ainda sonolentos fitam-na com uma doçura indescritível retribuindo totalmente o carinho que a sacerdotisa nutre pelo jovem bardo.
- Despertaste finalmente. - Diz Orfeu sorrindo e acariciando gentilmente a mão dela. - Estava preocupado contigo, o feitiço deixou-te inconsciente.
- Sim... - O rosto da sacerdotisa ruboriza-se. - É uma magia muito poderosa, e já esquecida, felizmente encontrei-a enquanto pesquisava um livro que trouxemos da Atlântida.
- E funcionou, és de facto uma grande sacerdotisa e uma mulher fantástica! - Exclama Orfeu ruborizando-se também.
Um silêncio agradável instala-se entre os dois como se uma conversa sem palavras estivesse a ser conduzida, apenas certos gestos e olhares cúmplices revelam o que realmente se passa.
- Uau, parece que tenho que "morrer" mais vezes... - Diz Lilian quebrando o silêncio.
- Lilian!! - Exclamam surpresos os dois ao mesmo tempo.
A feiticeira sorri.
- Estou a brincar, não se incomodem por minha causa.
- Não digas essas coisas, Lilian. - Diz Orfeu envergonhado e levanta-se pensando numa desculpa para sair. - Vou lá abaixo comer qualquer coisa e deixo-vos a sós.
O bardo retira-se lançando um último olhar a Melissa antes de fechar a porta.
- Minha amiga. - Diz Melissa lançando-se nos braços dela. - Estava tão preocupada contigo, felizmente aquele feitiço atlante funcionou e eis-te aqui junto de nós.
- Funcionou sim e tu nem vais acreditar no que me aconteceu.
Pegando nas mãos da sacerdotisa a jovem feiticeira relata a experiência extra-corporal que teve sem omitir facto algum.
- E tu achas que essa mulher é aquela que o Cavaleiro ainda ama?
- Tenho a certeza. - Diz Lilian baixando o olhar. - Ai, Mel, ela é tão bonita, tão serena e confiante, senti-me como uma criança ao seu lado. Entendo agora como é que ele se apaixonou perdidamente por ela.
- Parece ser de facto uma mulher notável... - Diz Melissa pensativa.
- Diz-me, minha amiga, tens tido notícias dele?
- Não, uma mulher levou-o, segundo a Lara é uma vampira e conhece muito bem esta cidade... Mas ainda pensas nele mesmo depois do que te fez?
- Não foi ele, foi... o outro... - Lilian leva a mão ao peito como se ainda sentisse a dor causada pelo punhal.
- Lilian, mesmo que o consigas salvar, mesmo que consigas trazer o Cavaleiro que conhecemos de volta, o que irás fazer quanto à Eleanora? Ele ama-a e muito certamente que a vai escolher de entre vocês as duas.
- Eu não sei, sinceramente eu não sei, mas tenho medo que isso aconteça, eu amo-o muito. - Lilian desvia o olhar e contempla o dia maravilhoso que penetra pela janela semi-aberta. O seu rosto suaviza-se e com os olhos muito brilhantes e vivos volta a encarar a sacerdotisa. - Mas diz-me, Mel, que olhares foram aqueles que lançavas ao Orfeu?
Melissa fica muito vermelha e sorri envergonhadamente para Lilian.
- Eu... gosto dele...
- E ele gosta de ti, e muito. - Diz Lilian sorrindo. - Ai, minha amiga, que pelo menos uma das duas seja feliz.
- Não digas essas coisas, tu também vais ser feliz. - Responde Melissa abraçando uma vez mais a sua amiga. - Vou ter com o Orfeu para tomar o pequeno almoço, queres vir ou preferes que te traga alguma coisa?
- Não, eu vou, dá-me só uns minutos para me vestir.

Quando a sacerdotisa abandona finalmente o quarto Lilian salta da cama e dirige-se para o quarto de banho. Detém-se em frente do espelho e despe o seu vestido ainda manchado de vermelho negro. Seus olhos prendem-se na cicatriz que agora enfeita o seu peito, seus dedos trémulos percorrem-na dando-lhe a conhecer a nova textura da sua pele.
A água quente beija a sua pele cansada e dorida, há muito que não tomava um bom banho, o último fora na Atlântida, naquela banheira enorme em que juntamente com o Cavaleiro e a Lara se deixaram levar pelas loucuras e desejos que Vénus lançara sobre todos os convidados. A feiticeira sorri e fecha os olhos saboreando as recordações. O tempo passa sem que ela se dê conta e o vapor de água invade por completo todo o quarto de banho. Uma sensação há muito esquecida desperta-a, algo que ela não sentia desde... desde aquele dia tão triste naquele circo ambulante... Lilian levanta-se rapidamente e tenta ver-se ao espelho, mas tudo o que vê é uma neblina espessa que mascara a sua silhueta, pegando numa toalha limpa freneticamente a superficie do espelho e volta a tentar observar-se. A toalha cai no chão e um pequeno grito de espanto é abafado pela água que corre da banheira...

sexta-feira, agosto 11, 2006

Ressurreição

O pequeno quarto situado no segundo andar da famosa estalagem Rosa Negra explode subitamente de uma luz branca muito intensa que assusta os transeuntes que passam na rua. No seu interior uma sacerdotisa exausta deixa-se cair sobre uma cadeira lançando um último olhar, antes de desfalecer, para a rapariga que se encontra deitada sobre a cama. Esta rapariga parece dormir docemente sobre os lençóis de linho branco, seu rosto sereno e muito belo consegue enternecer até o coração mais gélido que possa existir, infelizmente para ela o homem que a colocou neste sono tão profundo não possui coração, ao invés, possui um enorme vazio no seu local. No quarto, além da sacerdotisa e desta bela adormecida, encontram-se mais quatro personagens que observam impacientemente o ritual, o primeiro é um jovem rapaz de cabelo curto e uns olhos castanhos quentes que segura uma pequena lira de ouro e se encontra encostado à parede exactamente atrás da sacerdotisa; a segunda é uma demónio, esta está encostada na ombreira da porta observando toda aquela cena com os seus olhos dourados muito perspicazes, embora esteja fisicamente presente o seu espírito encontra-se a milhas de distância, indagando-se onde possa estar o causador de tudo isto; as duas últimas personagens são nada mais nada menos que os donos da estalagem, Kashmir e Verónica, que se encontram sentados perto da cama segurando a mão da doce jovem.
A noite vai alta e uma estrela cadente rasga o céu negro originando algures neste mundo um desejo há muito esperado. As velas ardem lentamente exalando o seu odor curioso de baunilha e iluminando debilmente o rosto da rapariga. Um gemido sobrenatural invade o quarto e a mão da jovem feiticeira agita-se freneticamente, o seu ferimento no peito fecha-se imediatamente e logo de seguida levanta-se como se uma força oculta a puxasse. Todos na sala recuam ante esta reacção, não se trata de medo mas sim de um susto inesperado.
- O que aconteceu? Onde estou? - Pergunta Lilian confusa e pálida levando uma mão à cabeça e a outra ao peito.
- Estás na estalagem Rosa Negra. - Responde Orfeu regressando ao seu lugar ao lado de Melissa. - Tu morreste, mas a Melissa trouxe-te de volta.
- Eu? Morta? N-não pode ser... Não, eu estava viva, apenas estive fora do meu corpo, fui... chamada...
- Chamada por quem? - Pergunta Lara saindo das sombras e tentando ler os pensamentos da feiticeira.
- Um lago... uma árvore que falava... uma mulher... uma mulher muito bela...
- É melhor descansar, minha querida, ainda não está bem, deve ter sido apenas um sonho. - Diz Verónica.
A feiticeira olha para ela sorrindo, seu rosto estava branco e alagado de suor.
- Tem razão, preciso de descansar, mas não foi um sonho, foi bem real...
- E como se chamava essa mulher? - Pergunta Lara levando a sério as palavras de Lilian.
- Leo... Não... Ele... Elea... Ai... Eleanora!! - Exclama a feiticeira deixando-se cair profundamente sobre a almofada adormecendo instantaneamente.
O nome desta mulher tem um impacto tremendo na demónio que se desequilibra e por pouco não cai no chão.
- O que se passa? - Pergunta Orfeu fitando Lara sem entender coisa alguma. - Quem é essa Eleanora?
- Um fantasma... Um fantasma. - Responde Lara virando-lhe as costas e saindo do quarto.

quinta-feira, agosto 10, 2006

Ódios

A vela arde lentamente inundando o pequeno compartimento com o seu perfume agradável e despejando a sua fraca luz sobre o meu corpo cansado e dorido. Deixo que a água quente da banheira me relaxe e que a fragrância dos sais exóticos de Satine eleve o meu espírito e apazigue a minha alma. Inclino-me para trás encostando-me de encontro ao corpo sedoso e voluptuoso da vampira que se encontra sentada atrás de mim acariciando a minha nuca e beijando os meus ombros.
- Estás muito tenso, meu amor, o que se passa contigo?
Pego no cálice que se encontra numa mesinha de bronze ao lado da banheira e encho-o uma vez mais de vinho.
- A minha espada... A Elektra está desfeita... - Respondo-lhe tragando de uma só vez o delicioso e embriagante vinho de Bulon.
- Eu sei, eu sei, mas pressinto que há algo mais que te preocupa. - Diz Satine abraçando-me e beijando o meu pescoço de uma forma muito sensual.
- E o que haveria de me preocupar? - Pergunto irritado voltando a encher o cálice.
- Durante a noite ouço-te gritar pela tal feiticeira, como é que ela se chama...? Lilian?
- Pela Lilian!? Porque haveria de gritar por ela, está morta e é graças a ela que a Elektra não passa de uma recordação.
- Acalma-te, ainda não te podes enervar ou fazer movimentos bruscos, queres que as tuas feridas se abram novamente?
- As minhas feridas que se lixem!! - Respondo atirando com toda a força o cálice contra a parede mais próxima. - Eu apenas quero vingança, todos eles, desde o bardo até à traidora da Lara, irão pagar caro pela minha humilhação!!!
- Vão sim, mas agora relaxa, deixa-me tratar de ti, deixa-me ser a tua enfermeira. - A voz da vampira é tão doce que não tem resposta possível. - Vês, voltaste a abrir a cicatriz do teu ombro.
Sorrio compreendendo que Satine tem razão e fecho os meus olhos enquanto a sinto lamber e chupar o sangue quente que escorre da cicatriz aberta.
- Sou um sortudo por te ter encontrado, minha senhora das trevas. - Digo virando-me para ela beijando os seus seios.
- Vai com calma, meu guerreiro, olha as tuas feridas.
Olho para os seus olhos cinza de uma maneira intensa e sorrio.
- As minhas feridas que se lixem. - Respondo-lhe enquanto a tomo pela primeira vez naquela noite.

quarta-feira, agosto 09, 2006

A Viagem (2ª Parte)

As trevas envolvem-me como um manto pesado e frio, mas já não tenho medo ou receio, sei que este é o meu destino e devo enfrentá-lo de cabeça erguida como sempre fiz. Espero serenamente pela figura misteriosa portadora daquela voz tão doce e melodiosa, "Quem será?", pergunto-me, "Será algum Deus ou Deusa que me irá guiar até ao meu repouso final?", "Como será estar morta, será o fim ou apenas o início de algo?". Perguntas e mais perguntas assolam a minha mente sem que no entanto surja uma resposta concreta, deixo-me navegar em pensamentos sem nexo ou absolutamente fantásticos que simplesmente não têm qualquer lógica possível. Subitamente ouço de novo a tal voz, mais forte e mais distinta, é uma voz feminina mas não consigo determinar de onde vem, apenas sei que a devo escutar pois sei que tem algo para me dizer, para me pedir.
Um ponto, um ponto de luz branca aparece de repente no véu escuro e indica-me o caminho como um farol guia um barco através da noite, sou uma vez mais arremessada na sua direcção por uma brisa suave e no entanto forte. As trevas dissipam-se e em breve tudo à minha volta vibra de luz e cor, desço suavemente sobre um manto de erva fofa e ouço o som característico de uma floresta. "Por aqui!", ouço. É a voz, está mais firme e finalmente percebo o que diz. Um caminho abre-se por entre as arvores e um enorme tapete de flores estende-se à minha frente exalando perfumes deliciosos, exóticos e simplesmente irresistíveis. Dou-me conta de que estou descalça e que consigo sentir o doce beijo da terra e o vibrante abraço das pétalas macias e sedosas, os meus passos receosos e lentos transformam-se rapidamente numa corrda confiante e rápida e sigo sorrindo, apreciando cada momento mágico, o tapete que se estende a meus pés.
Vou dar a um enorme lago cristalino, que bonito que é, cheio de cor e de vida. Ouço os peixes brincando e as rãs e os sapos conversando alegremente. "Não páres, continua!", diz a voz de novo. Ajoelho-me diante do lago e observo o meu reflexo, nele está estampado um rosto que não conheço, parecido com a rapariga morta que vi antes de vir para aqui. "Seria eu?", penso assustada. Levo a mão à água na tentativa de tentar desfazer aquele rosto, não compreendo porquê, mas sinto uma enorme tristeza quando o vejo. "Continua!", diz de novo a voz, desta vez um pouco mais impaciente. Levanto-me e sigo em frente, caminho sobre o lago e sinto-o lambendo os meus pés, refrescando-os e massajando-os.
A minha viagem termina diante de uma árvore enorme, tão grande que até as nuvens se rasgam ao passarem pelos seus ramos.
- Chegaste finalmente. - Diz a voz.
- Quem és? - Pergunto tentando descobrir de onde vem. - Onde estás?
- Aqui, mesmo à tua frente.
Movo o meu olhar na direcção da voz e apenas vejo a gigantesca árvore.
- Apenas vejo uma árvore, por favor diz-me, onde estás e quem és.
- Tu estás a olhar para mim, eu sou esta "árvore" que se encontra à tua frente. - Diz a voz alegremente.
- Então eu morri para vir descansar eternamente ao lado de uma árvore?
- Quem disse que morreste?
- Digo eu, afinal de contas eu vi-me estendida no chão com uma enorme mancha vermelha no peito. - Findas estas palavras sinto uma enorme dor no peito e flashes de imagens percorrem a minha mente.
- Então lamento desapontar-te mas não estás morta, estás aqui porque eu pedi que viesses e sendo tu quem és não poderias recusar.
- E quem sou eu? - Pergunto confusa.
- Procura dentro de ti e logo o saberás.
- Um Serafim? - Pergunto e volto a sentir uma nova dor no peito, desta vez mais forte.
- Sim. - Diz a voz calmamente. - Mas voltando ao que interessa, eu chamei-te aqui, nobre Serafim, para que me ajudes a sair desta casca em que me encontro.
Olho para a árvore confusa.
- Eu já não sou um Serafim, sou uma feiticeira, uma humana.
- Podes mudar a tua forma, mas a tua essência permanece constante. Agora queres fazer o favor de me ajudar? - Diz a voz ligeiramente impaciente.
- Como te posso ajudar?
- É fácil, basta estenderes a tua mão e puxar.
Faço o que a voz me pede sem nunca hesitar, não sei porquê mas confio nela.
A madeira estala e abre-se diante de mim, um líquido amarelo jorra do seu interior e uma mulher em posição fetal é expelida cá para fora.
- Por Lorosthar, estou livre finalmente. - Diz ela enquanto se levanta apoiada em mim.
- Quem és e como é que foste parar dentro de uma árvore? - Pergunto.
- É um antigo costume do meu povo, mas dá-me só um segundo, preciso de um banho. - E dizendo estas palavras salta para dentro do lago.
Observo-a nadando, seus olhos verdes explodem de felicidade e seu cabelo cor de fogo parece arder de contentamento. Depois de nadar livremente fita-me com os seus olhos e volta a sair da água mostrando o seu corpo sem pudor algum.
- Agradeço-te uma vez mais. - Diz ela.
- Por favor tens de me explicar, como foi que foste parar dentro de uma árvore?
- Sou um elfo. - Responde ela pacientemente. - Depois da morte rejuvenescemos desta forma, dando continuídade ao ciclo da vida, mas algo não correu bem, embora eu estivesse morta não consegui rejuvenescer e fiquei presa durante estes dois anos nesta árvore.
- Um elfo... Eu enterrei um, uma vez, com a ajuda do meu amor. O seu nome era Meg e era tão bonita.
- Disseste Meg?
- Sim, conhece-la?
- Tenho uma irmão com esse nome mas... Estás bem?
Uma nova dor faz-se sentir no meu peito, desta vez tão forte que me falta o ar. Deixo-me cair de joelhos tentando respirar, mas não consigo, a dor é demasiado forte. Algo me puxa de volta, consigo sentir, consigo ouvir um cântico estranho de uma voz familiar... Melissa...
- Ai, algo me puxa de volta. - Digo a muito custo. - Por favor, diz-me quem és.
- Eleanora. - Responde ela sorrindo para mim.

terça-feira, agosto 08, 2006

A Viagem (1ª Parte)

Sinto uma dor lancinante no peito, uma lâmina fria penetrando a minha carne e desfazendo o fino tecido da ilusão que tem sido a minha vida. Ouço as palavras do meu amor, mas não as compreendo, soam-me difusas e estranhas como se fosse uma língua desconhecida. Deixo-me cair suavemente sobre a calçada quente, eu sei que devia sentir frio, muito frio, mas sinto precisamente o oposto, um calor delicioso que me abraça, que me afaga a pele e me faz sentir segura. Ouço, indiferente, o grito da Melissa e sinto os seus passos correndo na minha direcção, mas já não me interessa, já nada me interessa, apenas me deixo ficar deitada contemplando o céu vermelho do Submundo, como é belo, parece um quadro, cheio de luz e cor, tão vivo e tão... tão... Fecho os olhos e sinto o sangue escorrendo sobre o meu peito, sinto o calor desvanecendo-se do meu corpo, a minha força a esvair-se lentamente como a areia numa ampulheta.
Gritos acompanhados por espessas gotas de água que tocam no meu rosto forçam-me a abrir de novo os olhos. "Será chuva?", pergunto-me. Sou uma tola, uma parva, como disse o meu amor, é apenas Melissa que tenta desesperadamente salvar-me...
Uma dor lancinante atinge-me uma vez mais, é como se acabasse de ser apunhalada outra vez, mas agora com mais força e com mais violência. O céu vermelho vai escurecendo e os gritos da minha amiga vão-se desvanecendo, pela minha mente revejo toda a minha vida, a cabana, a minha avó, o meu jardim e o teu sorriso tão terno e tão doce, o perfume da tua pele e o doce sabor da tua boca. Sinto os meus olhos humedecerem-se de saudades, o meu coração apertando-se de tristeza, mas é tarde, os sons desapareceram e o tão belo céu vermelho é agora um manto preto, tão negro que me cega por completo. A minha respiração vai-se tornando cada vez mais difícil, mais pesada e o frio, ai, o frio gela os meus ossos e impede-me de pensar, de raciocinar, seria tudo mais fácil se eu simplesmente parasse de respirar, sim, é isso...

A escuridão desvanece-se e posso ver uma vez mais o céu vermelho, sinto-me leve, muito leve como uma pena que se agita ao sabor do vento. Abaixo de mim ouço o choro de alguém familiar, mas não me recordo de quem, por curiosidade viro o meu olhar na sua direcção e vejo uma mulher de cabelos ruivos chorando copiosamente enquanto segura nos braços uma outra que pela sua pele exangue e pela enorme mancha vermelha no peito acabara de falecer. Tenho pena, muita pena, gostava de a poder confortar, mas não sei quem seja e sinceramente não me interessa...
Afasto-me daquela cena triste e levito para longe, muito longe, o chão abaixo de mim move-se a uma velocidade estonteante, o Sol e a Lua aparecem várias vezes no céu como se os dias passassem por mim em apenas questões de segundos, finalmente páro, ou melhor, algo me faz parar, uma voz, um som melodioso, tão doce que me aquece a alma. Olho para todos os lados mas não consigo discernir donde ele vem, parece estar em todo o lado e ao mesmo tempo em lado nenhum. Finalmente vejo algo, uma silhueta lá longe no firmamento, não consigo saber quem é ou o que é, mas apenas sei que devo segui-la, que devo ouvi-la. Uma vez mais a noite transforma-se em dia e o dia transforma-se em noite, percorro milhares de quilómetros em escassos segundos e chego finalmente ao meu destino, meu coração bate apressadamente, sinto-me nervosa, receosa, não sei o que fazer, apenas sei que devo esperar...

segunda-feira, agosto 07, 2006

Lilian vs Cavaleiro

As duas personagens ficaram como que petrificadas olhando um para o outro sem saber o que dizerem ou fazerem. Lilian fitava o seu amado sem saber o que sentir, amor ou nojo, Melissa tinha razão, o Cavaleiro estava diferente e isso podia ver-se nos seus olhos, antes tão quentes e ternos e agora gélidos e calculistas. Por sua vez o Cavaleiro fitava igualmente a jovem feiticeira, lendo no seu olhar aquilo que ela estava a pensar, pela sua mente corriam as imagens de Lilian caindo sobre a areia escaldante, seus olhos vidrados fitavam o vazio e o seu seu sangue manchava rapidamente dos seus doces cabelos castanhos. O tempo parecia ter parado e as pessoas que se encontravam na rua, incluindo Melissa, Orfeu e Lara, não ousavam sequer mexer-se, como se temessem quebrar algo muito frágil e ténue. Por fim o Cavaleiro decide dar o primeiro passo, quebrando desta forma este silêncio ensurdecedor.
- Vejam só quem está viva e aqui à minha frente. - Diz ele embainhando a sua espada e poupando desta forma o pobre demónio. - É de facto uma grande surpresa, pois pensei que estivesses morta, meu amor.
A sua voz parecia sibilar como uma cobra, tal facto fez estremecer Lilian.
- Pensaste mal, "meu querido". - Responde Lilian não conseguindo conter o seu desprezo por tão vil criatura. - A Melissa tinha razão, tu estás diferente, não és o mesmo homem, aliás, eu nem sei se és um "homem", pelo menos não és aquele que eu amo.
O Cavaleiro ri-se.
- Pobre tola, apaixonaste-te pelo primeiro que te ligou, pelo primeiro que te deu atenção e um pouco de carinho. Como foi bom saborear esse teu corpo inexperiente, como foi delicioso provar cada gemido e gota de suor, como foi tão fácil abusar de ti de todas as formas e feitios.
Lilian torna-se pálida e num gesto involuntário cobre o seu corpo com os braços.
- Não passaste de um objecto para mim, meu "amor", um objecto descartável para usar e deitar fora quando o momento chegasse. Mas devo admitir que me surpreendeste, sim, não esperava ver-te amantizada com a desgraçada da Melissa, cujo próprio Júpiter se aproveitou, ou mesmo com a minha escrava Lara. Sim, devo dizer que me surpreendeste bastante.
- Eu... Eu não acredito numa só palavra do que tu dizes! - Grita Lilian vertendo lágrimas de vergonha e raiva. - Tu estás a MENTIR!!!
O Cavaleiro esboça um sorriso gélido ao ver a reacção da feiticeira.
- Não passas de uma rapariga traumatizada com a sua vida anterior e descontente com a sua actual vidinha patética. Acho que alguém devia fazer-te um favor e mandar-te para o outro mundo, talvez lá encontres a felicidade.
- Sacana!! - Rosna a feiticeira agarrando com força o seu bastão.
- Quem sabe eu possa fazer isso, já que fiz tudo o resto. - Diz ele soltando uma gargalhada gélida.
Foi a gota de água, Lilian explode de raiva fazendo tremer o chão e soltando de todos os poros do seu corpo uma energia até então nunca revelada. A sua voz transforma-se completamente tornando-se forte e vibrante entoando sons e palavras de feitiços desconhecidos.
Temendo pela sua vida o Cavaleiro desembainha a sua espada e lança-se na direcção de Lilian preparado para desferir um golpe mortal, mas este é aparado por uma energia mística e raios de luz branca são projectados para o ar com uma intensidade tal que mancham de negro os locais onde embatem. Pela primeira vez a Elektra falhara o seu golpe, pela primeira vez a sua lâmina fora detida e o cavaleiro recua sem saber o que fazer.
Com um grito enorme Lilian solta o seu poder e a sua magia e uma bola de luz verde é atirada a grande velocidade na direcção do seu inimigo. O Cavaleiro mal tem tempo para se desviar ou proteger, a sua única hipótese é colocar Elektra entre si e a enorme bola que se aproxima velozmente. Um estrondo violento e um grito ecoam por toda a cidade, o seu impacto é tão violento que os vidros de todas as janelas rebentam com a onda de choque.

Satine sai a correr da estalagem para ver pela primeira vez o que está a acontecer. Do outro lado da rua vê uma feiticeira exausta apoiada no seu bastão e enxugando com a manga o suor que lhe escorre abundantemente pelo rosto, a alguns metros à sua frente apenas consegue discernir uma coluna de fumo branco.
O fumo dissipa-se lentamente e em breve todos conseguem ver a silhueta de um homem deitado no meio do chão, presumivelmente inconsciente, segurando o que resta da sua espada.
- Lilian... - Diz o homem com uma voz muito débil. - Perdoa-me...
A feiticeira aproxima-se apoiada no seu bastão seguida de perto por Melissa, Orfeu, Lara e mais atrás Satine. O Cavaleiro fazia esforços para se levantar mas o impacto fora tão poderoso que de pouco ou nada lhe serviam. No seu rosto estava estampado a dor e a tristeza e os seus olhos eram uma vez mais quentes e ternos. Lilian ajoelha-se a seu lado acariciando a sua face enquanto lágrimas grossas lhe escorrem pelo rosto.
- Estou aqui, meu amor, estou aqui. - Diz ela beijando-lhe a fronte.
- A... minha espada? - Pergunta ele a muito custo.
- Está quebrada, eu nunca pensei que fosse possível mas ela salvou-te a vida.
- Sim... - Diz ele fazendo um esgar de dor e tentando sorrir. - Ouve, tudo o que eu te disse era mentira, eu... amo-te tanto...
A feiticeira sorri de contentamento.
- Eu sei, eu sei, meu amor.
Ele fecha os olhos e tenta dizer mais algumas palavras, mas simplesmente falta-lhe o ar. Lilian afaga o seu cabelo e contempla o seu rosto sereno e pacífico não se apercebendo das mudanças que voltam a dar-se. Subitamente o Cavaleiro volta a abrir os olhos sorrindo maliciosamente e fitando uma vez mais a mulher que se encontra à sua frente com um olhar gélido.
- És uma parva! - Diz ele cravando uma adaga no peito da feiticeira.
Lilian geme sem se aperceber do que acabara de acontecer e deixa-se cair no chão fitando o céu vermelho.
Melissa grita ao ver a sua amiga cair com uma adaga cravada no peito e vendo o sangue jorrando abundantemente manchando as suas vestes e corre na sua direcção. Lara e Orfeu ficam sem reacção assim como quase todas as pessoas que assistiam à cena, quase todas pois Satine reage rapidamente. Enquanto a sacerdotisa corre na direcção de Lilian, a vampira corre na direcção do Cavaleiro, os olhares destas duas mulheres cruzam-se, mas antes que Melissa possa fazer algo para a deter, Satine simplesmente desvanece-se no ar levando consigo o corpo do seu maléfico amante.

sexta-feira, agosto 04, 2006

Reencontro

Os trilhos deixados por Lara no deserto conduzem a uma estrada pavimentada em muito mau estado. A adega há muito que ficara para trás e o Sol impiedoso aperta as gargantas ressequidas dos três jovens companheiros incitando-os a gastarem as últimas reservas de água que ainda restam nos cantis.
- Uf, que calor! - Exclama Melissa passando a mão pela testa suada.
- Se fosse só o calor eu nem me importava, o problema são estas montadas que cheiram mal - Responde Orfeu torcendo o nariz.
- Bolas, vocês só se sabem queixar, vá, temos de procurar uma pista para saber que direcção tomaram eles. - Comenta Lilian desmontando.
Melissa aproxima-se de Orfeu e sussurra em voz baixa.
- A nossa Lilian está tão chata, ainda não parou de dar ordens e se contestamos alguma coisa nós é que ficamos mal vistos.
Orfeu solta um riso escondido mas assim que intercepta o olhar da feiticeira pára abruptamente.
- O que estão para aí a cochichar? - Pergunta Lilian irritada. - Ajudem-me a procurar um sinal qualquer porque no final do dia quero é estar metida numa banheira.
- De preferência entre a Lara e o Cavaleiro. - Comenta Melissa baixinho piscando o olho a Orfeu que uma vez mais não contém o seu riso.
- O que é que disseste?
- Nada, nada...
Após uns minutos de intensa procura lá encontram o sinal que esperavam, uma pequena seta gravada numa pedra indicando a direcção de Sudoeste.
- Finalmente! - Exclama Lilian. - Vamos!!

Herfin, a cidade estado demoníaca governada com punho de ferro pelo demónio alado Hrra. Encontrando-se a poucos quilómetros da entrada do Mundo Inferior, esta cidade depressa se tornou num bastião defensivo das forças das trevas, suas muralhas vermelhas são testemunha viva dos actos heróicos de tanto demónios como de anjos. Lilian estremece ao vê-las pois as suas recordações do tempo em que fora um orgulhoso Serafim percorrem sua mente. A cada metro que avançam, mais nervosa se torna a feiticeira, os flashbacks de uma era passada atingem-na sem piedade vendo nos campos circundantes, onde agora animais de quinta pastam tranquilamente, cenas de batalha entre os seus irmãos e os defensores da cidade maldita. Melissa olha para ela preocupada pois sabe pelo que a sua amiga passa, mas nada pode fazer senão tentar reconfortá-la. Os portões outrora permanentemente fechados encontram-se agora bem abertos, preparados para receber qualquer viajante, pelos sons que ecoam do interior a cidade inteira está em festa e pelos aromas e odores, parece ser dia de mercado.
- O que vêm fazerrr à cidade de Herfin? - Pergunta o guarda do portão rotineiramente.
- Somos viajantes e procuramos um bom local para dormir e comer. - Responde a sacerdotisa.
- Asssssim ssssendo aconssselho-vosss a essstalagem Rosssa Negra. - Diz o guarda lambendo os beiços e olhando para Orfeu. - Podem continuarrrr.
A cidade estava de facto em festa, segundo alguns transeuntes hoje o dia é dedicado a Njong, Deusa das Orgias, e por todo o lado se podiam ver pipas de vinho e prostitutas a cada canto mostrando a sua mercadoria para os potenciais clientes. Sendo os nossos três companheiros humanos, uma iguaria rara no Submundo e bastante apreciada, depressa se viram rodeados das mais diversas espécies de demónios que se possa encontrar, esperando muitos deles poder "provar" tão requintada raça. Pouco a pouco os nosso heróis foram furando a amálgama de gente que os rodeava e a muito custo chegaram perto da tão cobiçada estalagem. Subitamente uma das janelas desta quebra-se em mil pedaços e um demónio vermelho sai disparado para o meio da rua caindo no chão sangrando abundantemente, de seguida a porta de entrada abre-se violentamente e um homem de armadura atira-se sobre a criatura desembainhando a sua espada e preparando-se para lhe dar o golpe final. Seus olhos estavam cobertos por um brilho estranho e sua expressão parecia delirar com tudo aquilo.
- Pára. - Grita Lilian enojada com o que via.
O homem detém-se ao ouvir a voz da feiticeira e encara-a surpreendido.
- Lilian!? - Exclama.

quarta-feira, agosto 02, 2006

A Estalagem Rosa Negra (2ª Parte)

Os nossos corpos suados e quentes rebolavam pela cama amarrotando os lençóis e fazendo tremer o estrado que sustinha o colchão de penas de pato. Os beijos de Satine carregados de paixão, desejo e loucura percorriam cada centímetro do meu corpo deixando um rasto de saliva sobre a minha pele. Sua língua insaciável devorava os meus lábios e acariciava gentilmente as marcas de arranhadelas e mordidelas causadas pelos seus pequenos caninos e pelas suas unhas. Sua voz doce e sedutora sussurrava ao meu ouvido gemidos e gritos de pura satisfação. Por fim após várias horas de pura luxúria, loucura, êxtase e prazer deixamo-nos cair sobre o macio colchão, já muito maltratado, exaustos e ofegantes.
- Por Vénus, Satine, tu foste maravilhosa! Onde aprendeste estas coisas?
A vampira vira-se para mim sorridente e afaga o meu cabelo.
- Há uns meses passou por aqui uma sacerdotisa de um culto desconhecido dedicado à Deusa do Prazer. Ela emprestou-me uns livros que continham estas técnicas deliciosas.
- Hm, e só te emprestou os livros? Não aconteceu mais nada?
- Claro que aconteceu, tinha que pôr em prática os meus novos conhecimentos e, devo dizer-te que, ela foi maravilhosa.
- E o que aconteceu a essa sacerdotisa depois de "experimentares" as novas técnicas?
A vampira abandona a cama e vai sentar-se numa cadeira em frente de um enorme espelho, a luz vermelha do sol poente banha o seu corpo nu. Pegando numa pequena escova de marfim, Satine começa a arranjar o seu longo cabelo preto como se eu não estivesse ali, subitamente pára e através do espelho fita-me intensamente com os seus olhos cinzentos.
- Matei-a, ora essa...

Lara ainda continua no salão olhando impacientemente para a porta de entrada quando desço as escadas vindo do quarto de Satine.
- Mas que bem comportada que está a menina, eu a pensar que assim que eu virasse as costas tu desaparecerias. - Atiro-lhe enquanto peço um jarro de vinho.
- Mas como podes ver, "meu senhor", ainda aqui estou, afinal de contas sou uma serva obediente. - Responde-me ela em tom de desafio. - Como foi o teu "encontro" com a rameira da Satine?
- Não tens nada com isso! Diz-me, porque olhas tão fixamente para a porta, acaso esperas alguém? O meu outro eu, talvez? - Solto uma gargalhada ao ver os olhos dourados da demónio faíscarem de raiva. - Ui, estou a ver que acertei.
Com receio de os seus olhos a traírem ainda mais, Lara desvia o seu olhar e fixa-o na outra ponta do salão encarando um demónio vermelho podre de bêbado. Tomando o seu olhar como um convite o demónio aproxima-se dela tentando a sua sorte, o seu bafo é pavoroso e o seu cheiro é de fazer qualquer um cair para o lado.
- Muinha (hic) num queres vir cómigos (hic) para o mum cartos?
Lara rosna ao seu pretendente e vira-lhe a cara.
- Hey (hic) eu ben vi cumo olhavas para men (hic) - Diz o demónio bastante irritado. - Tum vens!! (hic)
A sua enorme mão prende o braço de Lara e tenta forçá-la a ir com ele.
- A demónio cujo braço seguras é minha escrava, seu monte de esterco, por isso aconselho-te a ires embora se prezas a tua vida. - Digo-lhe gelidamente.
- Tenta, reles humanum (hic).
Sorrio para ele e murmuro umas palavras, levanto o meu punho e o demónio leva subitamente as mãos ao pescoço tentando respirar enquanto uma força invisível o faz levitar. Lara olha para mim e solta um gritinho de espanto, meus olhos chispam de energia mágica. Atiro-o com toda a força contra a janela que se despedaça em mil pedaços e dirijo-me para o exterior da estalagem onde ele se encontra estendido no meio da rua sangrando. Desembainho a minha espada e preparo-me para lhe dar o golpe final.
- Pára!! - Grita uma voz vinda do outro lado da rua.
Detenho o meu golpe e olho na sua direcção.
- Lilian!? - Exclamo.

terça-feira, agosto 01, 2006

A Estalagem Rosa Negra

A estalagem Rosa Negra estava repleta de viajantes de todos os cantos do Submundo. Localizada no centro da artéria comercial da cidade de Herfin, esta enorme casa funcionava como ponto de paragem obrigatório para quem entra ou sai do Mundo Inferior. A sua reputação é conhecida por todos os viajantes aventureiros e mercadores, é sem sombra de dúvida o melhor local para dormir, comer, beber e até mesmo para ter prazer. Os seus dois donos, Kashmir e Verónica, dividiram-na habilmente, do lado direito da enorme mansão ficam os quartos dos viajantes, sempre arrumados e limpos com as camareiras sempre prontas a satisfazer os pedidos dos clientes, do lado esquerdo fica o bordel onde as mais belas mulheres e as mais sensuais fêmeas treinadas na arte do sexo e do prazer habitam, no centro fica a área comum, um enorme salão recheado de pesadas mesas de madeira onde a bebida, a comida e a orgia parecem durar eternamente.

Lara e eu estávamos sentados numa dessas mesas bebendo silenciosamente um vinho caseiro muito saboroso. Desde a batalha com Gorath que a demónio tem estado silenciosa, nem mesmo durante a noite quando a forço a cumprir com os seus deveres de escrava ela solta um gemido de prazer, apenas me vira a cara como se a minha mera presença lhe causasse nojo. A sua atitude mudou bastante desde que eu a tornei minha serva e eu não estou a gostar mesmo nada desta nova Lara que se encontra à minha frente.
- Sabes, escrava, não estou a gostar nada dessa tua atitude.
- Que atitude, meu senhor? Acaso falhei em alguma coisa?
- Tu sabes bem que sim, desde o combate com o Gorath que parece que me evitas, não me digas que preferias a companhia do meu falso eu?
A demónio olha para mim como se acabasse de lhe ler os pensamentos.
- Hm, é isso não é? - Digo sorrindo maliciosamente. - Com que então a Lara, a orgulhosa Lara, está perdida de amores por um reles humano. Que ridículo.
- Eu não sei do que falas, apenas não me tenho sentido bem ultimamente. - A demónio levanta-se e prepara-se para sair da mesa.
- Eu não te ordenei que te levantasses pois não?
- Estou cansada, apenas quero...
- Queres? Mas tu não tens quereres, escrava, tu fazes o que eu te mando e acabou, agora SENTA!!!
A minha ordem soa tão alto que abafa todas as vozes na sala e vira todas as atenções para nós. Lara vermelha de raiva senta-se e volta a beber o seu vinho silenciosamente sob o meu olhar de puro deleite.
- Ora, ora, vejam só quem voltou. - Diz uma voz feminina que se encontra atrás de mim. - Se não é o meu humano favorito.
Sorrio reconhecendo a voz e bebo mais um trago de vinho respondendo sem no entanto me virar.
- É natural que seja o teu humano favorito, sou o único que ficou vivo.
Uma mulher de estatura mediana senta-se ao meu lado sorrindo para mim. Sua beleza é indescritivel, seus longos cabelos pretos cobrem as suas costas rectas e bem delineadas, seus olhos cinza enfeitam o seu rosto inteligente e sedutor, sua pele bronzeada digna de veneração reluz sob o vestido transparente que realça as suas formas generosas e seus lábios vermelhos e apetitosos que mais se assemelham a duas suculentas romãs escondem os seus caninos curtos mas afiados de uma verdadeira vampira.
- Tive imensas saudades tuas, depois de partires o ambiente aqui tornou-se aborrecido.
- Podemos sempre matar essas saudades, cara Satine.
A vampira passa a sua mão pelo meu cabelo sorrindo e depois olha para a demónio.
- Tu sabes que eu iria adorar, mas, e a tua "amiga"?
- A minha escrava não se importa. - Respondo-lhe ignorando totalmente Lara e devorando aqueles lábios tão saborosos.
- Nesse caso vamos para o meu quarto, quero mostrar-te umas técnicas novas.
Por entre beijos e apalpões abandonamos Lara à sua sorte.
- Ai, Lilian, por onde andas rapariga? Espero que tenhas entendido as minhas pistas. - Murmura a demónio enquanto bebe o que resta do vinho.