As trevas envolvem-me como um manto pesado e frio, mas já não tenho medo ou receio, sei que este é o meu destino e devo enfrentá-lo de cabeça erguida como sempre fiz. Espero serenamente pela figura misteriosa portadora daquela voz tão doce e melodiosa, "Quem será?", pergunto-me, "Será algum Deus ou Deusa que me irá guiar até ao meu repouso final?", "Como será estar morta, será o fim ou apenas o início de algo?". Perguntas e mais perguntas assolam a minha mente sem que no entanto surja uma resposta concreta, deixo-me navegar em pensamentos sem nexo ou absolutamente fantásticos que simplesmente não têm qualquer lógica possível. Subitamente ouço de novo a tal voz, mais forte e mais distinta, é uma voz feminina mas não consigo determinar de onde vem, apenas sei que a devo escutar pois sei que tem algo para me dizer, para me pedir.
Um ponto, um ponto de luz branca aparece de repente no véu escuro e indica-me o caminho como um farol guia um barco através da noite, sou uma vez mais arremessada na sua direcção por uma brisa suave e no entanto forte. As trevas dissipam-se e em breve tudo à minha volta vibra de luz e cor, desço suavemente sobre um manto de erva fofa e ouço o som característico de uma floresta. "Por aqui!", ouço. É a voz, está mais firme e finalmente percebo o que diz. Um caminho abre-se por entre as arvores e um enorme tapete de flores estende-se à minha frente exalando perfumes deliciosos, exóticos e simplesmente irresistíveis. Dou-me conta de que estou descalça e que consigo sentir o doce beijo da terra e o vibrante abraço das pétalas macias e sedosas, os meus passos receosos e lentos transformam-se rapidamente numa corrda confiante e rápida e sigo sorrindo, apreciando cada momento mágico, o tapete que se estende a meus pés.
Vou dar a um enorme lago cristalino, que bonito que é, cheio de cor e de vida. Ouço os peixes brincando e as rãs e os sapos conversando alegremente. "Não páres, continua!", diz a voz de novo. Ajoelho-me diante do lago e observo o meu reflexo, nele está estampado um rosto que não conheço, parecido com a rapariga morta que vi antes de vir para aqui. "Seria eu?", penso assustada. Levo a mão à água na tentativa de tentar desfazer aquele rosto, não compreendo porquê, mas sinto uma enorme tristeza quando o vejo. "Continua!", diz de novo a voz, desta vez um pouco mais impaciente. Levanto-me e sigo em frente, caminho sobre o lago e sinto-o lambendo os meus pés, refrescando-os e massajando-os.
A minha viagem termina diante de uma árvore enorme, tão grande que até as nuvens se rasgam ao passarem pelos seus ramos.
- Chegaste finalmente. - Diz a voz.
- Quem és? - Pergunto tentando descobrir de onde vem. - Onde estás?
- Aqui, mesmo à tua frente.
Movo o meu olhar na direcção da voz e apenas vejo a gigantesca árvore.
- Apenas vejo uma árvore, por favor diz-me, onde estás e quem és.
- Tu estás a olhar para mim, eu sou esta "árvore" que se encontra à tua frente. - Diz a voz alegremente.
- Então eu morri para vir descansar eternamente ao lado de uma árvore?
- Quem disse que morreste?
- Digo eu, afinal de contas eu vi-me estendida no chão com uma enorme mancha vermelha no peito. - Findas estas palavras sinto uma enorme dor no peito e flashes de imagens percorrem a minha mente.
- Então lamento desapontar-te mas não estás morta, estás aqui porque eu pedi que viesses e sendo tu quem és não poderias recusar.
- E quem sou eu? - Pergunto confusa.
- Procura dentro de ti e logo o saberás.
- Um Serafim? - Pergunto e volto a sentir uma nova dor no peito, desta vez mais forte.
- Sim. - Diz a voz calmamente. - Mas voltando ao que interessa, eu chamei-te aqui, nobre Serafim, para que me ajudes a sair desta casca em que me encontro.
Olho para a árvore confusa.
- Eu já não sou um Serafim, sou uma feiticeira, uma humana.
- Podes mudar a tua forma, mas a tua essência permanece constante. Agora queres fazer o favor de me ajudar? - Diz a voz ligeiramente impaciente.
- Como te posso ajudar?
- É fácil, basta estenderes a tua mão e puxar.
Faço o que a voz me pede sem nunca hesitar, não sei porquê mas confio nela.
A madeira estala e abre-se diante de mim, um líquido amarelo jorra do seu interior e uma mulher em posição fetal é expelida cá para fora.
- Por Lorosthar, estou livre finalmente. - Diz ela enquanto se levanta apoiada em mim.
- Quem és e como é que foste parar dentro de uma árvore? - Pergunto.
- É um antigo costume do meu povo, mas dá-me só um segundo, preciso de um banho. - E dizendo estas palavras salta para dentro do lago.
Observo-a nadando, seus olhos verdes explodem de felicidade e seu cabelo cor de fogo parece arder de contentamento. Depois de nadar livremente fita-me com os seus olhos e volta a sair da água mostrando o seu corpo sem pudor algum.
- Agradeço-te uma vez mais. - Diz ela.
- Por favor tens de me explicar, como foi que foste parar dentro de uma árvore?
- Sou um elfo. - Responde ela pacientemente. - Depois da morte rejuvenescemos desta forma, dando continuídade ao ciclo da vida, mas algo não correu bem, embora eu estivesse morta não consegui rejuvenescer e fiquei presa durante estes dois anos nesta árvore.
- Um elfo... Eu enterrei um, uma vez, com a ajuda do meu amor. O seu nome era Meg e era tão bonita.
- Disseste Meg?
- Sim, conhece-la?
- Tenho uma irmão com esse nome mas... Estás bem?
Uma nova dor faz-se sentir no meu peito, desta vez tão forte que me falta o ar. Deixo-me cair de joelhos tentando respirar, mas não consigo, a dor é demasiado forte. Algo me puxa de volta, consigo sentir, consigo ouvir um cântico estranho de uma voz familiar... Melissa...
- Ai, algo me puxa de volta. - Digo a muito custo. - Por favor, diz-me quem és.
- Eleanora. - Responde ela sorrindo para mim.
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