domingo, junho 17, 2007

Reencontros

O intenso calor que emana da lareira contrasta visivelmente com o vento gelado que sopra lá fora. Os grossos troncos de freixo, tratados com uma resina aromática especial, produzem uma chama viva e crepitante que espalha por toda a casa um aroma suave e agradável. Diversas vassouras, espanadores e panos do pó levitam descontraidamente pelo ar limpando calmamente o chão e a mobília assegurando-se de que tudo fica impecavelmente asseado. Na cozinha os sons de um jantar a ser preparado fazem-se ouvir, as facas, movidas por forças invisíveis, cortam a golpes de mestre os legumes e a carne; as panelas e os tachos flutuam na direcção do fogão que se acende automaticamente; e as diversas especiarias e condimentos agrupam-se alegremente para dar um toque final no preparado. Não tardará muito para que um cheirinho agradável a comida acabada de fazer se una ao aroma inebriante que emana da lareira. Num dos locais mais sagrados e restritivos da casa, a biblioteca, encontra-se a dona da casa, uma mulher de vinte sete anos, possuidora de uns longos e encaracolados cabelos dourados e de uns belos e expressivos olhos verde esmeralda. A sua atenção está totalmente centrada num pesado e grosso livro intitulado Magia Manual Avançada: Truques e Dicas, de um famoso feiticeiro, Kunn Diel. Uma chávena de chá de baunilha jaz na mesinha ao seu lado para a ajudar a descontrair enquanto se concentra nos complicados e minuciosos movimentos das mãos, necessários para produzir as magias indicadas no livro. Para Diana tudo é perfeito e não há nada no Mundo que lhe poderá estragar o momento.
- Já estou farta de estar à espera!! - rosna a demónio em alto e bom som entrando de rompante pela biblioteca adentro e cortando abruptamente a concentração da feiticeira. - Já passaram duas semanas e continuamos sem notícias dele. Mas onde raio é que aquele humano se terá metido? - continua a demónio sem reparar no ar desconcertado e irritado de Diana.
- Lara, caso não tenhas reparado eu estava concentrada a estudar um livro muito interessante. - diz a feiticeira tentando manter um tom de voz calmo.
- Como podes estar aí tão calmamente a ler quando o Cav anda desaparecido? - os olhos dourados de Lara fixam-se nos de Diana tentando colocar no espírito desta um sentimento de culpa.
- O Cavaleiro já é crescido e sabe o que faz, Lara, tenho a certeza que ele está bem. Tenho plena confiança nas suas capacidades e acho que tu também deverias ter. - responde a feiticeira enfrentando o olhar da demónio. - E além do mais, tu não deverias estar no templo do Sol a assistir ao festival?
- Cansei-me. - responde Lara sentando-se numa chaise longue em frente de Diana. - Estava curiosa para assistir a essas festas do Dies Natalis Solis Invicti, pois de acordo com os boatos pareciam ser boas, mas afinal não são nada de especial. Imagina que nem uma pequena orgia fazem. - diz a demónio recostando-se e olhando para o tecto. - Nós os demónios preferimos adorar a Lua e as trevas, não o renascimento da luz e do Sol Vitorioso... Eu pensava que todos os humanos celebravam essas festividades, porque é que tu não celebras?
- Eu tenho outras crenças e além do mais sou uma feiticeira, o meu poder não vem dos Deuses, mas sim de um outro local.
- Mesmo assim podias...
- Não, não podia. Eu prefiro ficar aqui em casa a ler e a estudar do que assistir a rituais que não me dizem nada. E afinal de contas desde as Guerras dos Feiticeiros que os sacerdotes nos olham com desdém.
- Parece que somos ambas párias nesta sociedade humana. - diz a demónio sorrindo.
- Sim... Queres um chá?
- Não, mas aceito o que quer que seja que estejas a cozinhar. Pelo cheiro parece ser bom.
- Claro que é, ainda duvidas da minha capacidade como cozinheira?
- Não, de momento só me questiono acerca de uma capacidade tua, Diana.
- Qual?
- Do que tu... - um alarme sonoro corta a frase à demónio e deixa a feiticeira em estado de alerta. - Que som é este, o que se passa?
- Vem das muralhas. Será que a cidade está a ser atacada? Mas isso não pode ser, a guerra terminou. É melhor ir vermos o que se passa.

Apesar da chuva e do vento gélido as pessoas acorrem aos portões para ver o que se passa. Uma coluna de soldados hoplitas encontra-se no local preservando a ordem e a autoridade. As suas pesadas lanças e armaduras e os seus elmos enfeitados com garridos penachos inspiram o medo e admiração a todos os que os vêem. No meio da coluna encontra-se uma mulher acorrentada, os seus longos cabelos ruivos escondem o seu rosto e o seu olhar e pelo aspecto da sua roupa, muitos concordam que deve ter dado uma boa luta antes da sua captura. Uma mulher morena e extremamente bela, vestindo peles de arminho aproxima-se da cativa acompanhada por dois servos que transportam um enorme guarda-chuva.
- Então és tu a fugitiva que o novo Imperador anda à procura. - diz a mulher com um sorriso. - Terei o maior prazer em enviar-te como um presente da leal cidade de Briseida. Assim que o fizer o teu destino estará traçado e a tua morte garantida. Mas serei gentil, se me beijares os pés e me jurares fidelidade manter-te-ei aqui como minha serva. O que me dizes? Um guerreira como tu faz-me jeito. - a guerreira mantém-se em silêncio fitando desafiadoramente os olhos da mulher. - Eu fiz-te uma pergunta, responde. - a resposta da guerreira é tão desafiadora como o seu olhar, sem mais nem menos cospe na cara da mulher que está à sua frente. - Insolente! - diz esta esbofeteando-a. - Levem-na para os calabouços, vai juntar-se à outra que capturámos há dias atrás.
Dois guardas do palácio obedecem às ordens daquela estranha e poderosa mulher e levam a cativa para fora da vista da multidão.
- Aquela mulher é-me familiar. - diz Lara observando atentamente a cativa. - Já a vi algures, mas não me lembro onde.
- Acho que só a viste uma vez, pelo que o Cavaleiro me contou, seja como for, temos de a salvar. - diz Diana impaciente.
- Conhece-la?
- Sim. Aquela mulher é a Eleanora.

6 comentários:

Ana disse...

Iupi finalmente novidades por aqui!
Enquanto o Cav anda sumido, aparece uma desconhecida para agitar tudo. Nota-se que tem força mas o que pretende?
Beijos

Lia disse...

Há mulheres que mesmo reféns mantêm a sua postura e orgulho...

Gostei da tua reviravolta, como dizias a Ela ia voltar...

Um beijo doce e terno

Avid disse...

Cav querido
Bela volta e reviravolta. Um regresso em grande estilo. Ja tinha saudades de andar pela terra da magia. Bem vindo!
Bjs meus

Anónimo disse...

Aguardo desenvolvimentos... fiquei curiosa com este volte face.

Beijo doce

Lia disse...

Até já...

Um beijo doce e terno

Sara Martins disse...

Vejo que a imaginação continua a fazer das suas...
E tu continuas a prender com as tuas histórias cheias de emoção e sentimentos arrebatadores à mistura...

Que prazer cá voltar!!!

Brilhante, como sempre...

Beijinho!