sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Um Estranho Encontro (2ª Parte)

Entramos cautelosamente dentro da tenda, os nossos olhos demoram um pouco de tempo a adaptarem-se à escuridão na qual o interior está imerso, mas assim que nos habituamos apercebemo-nos de imediato que acabámos de entrar numa pequena e estranha loja. Em nosso redor e seguindo a circunferência da tenda encontram-se seis estantes de madeira, três de cada lado, cada uma contendo um inúmero repertório de livros, todos etiquetados e bem conservados; no centro, formando um enorme U, estão dispostas várias mesas e expositores recheados com os mais diversos objectos, desde armas, amuletos, anéis, varinhas e pequenas pedras de cores e formas estranhas que parecem brilhar e emitir vibrações quando passamos por elas; mesmo à nossa frente, colocada precisamente na ponta oposta à entrada, encontra-se uma bela secretária de mármore, em cima desta podemos ver vários papéis, um mapa já amarelado, uma lupa, dois livros e um pássaro verde que começa a cantarolar assim que nos vê. No entanto não encontramos rastro do velhote que entrou antes de nós.
- Pelos vistos tinha razão, o velhote só pode ser um feiticeiro, esta tenda parece respirar magia. - diz Diana maravilhada inspeccionando um por um os itens da loja.
- Sim, mas por onde andará ele, tenho a certeza que o vi entrar cá para dentro.
- Ora o que é que isso interessa, Cav, vamos é dar uma vista de olhos pela mercadoria e se alguma coisa nos interessar levamo-la connosco. - diz Lara piscando-me o olho.
- Deves estar a brincar.
- Eu concordo com ela, meu Cavaleiro, aquele velhote tem um poder estranho e usou-o para invadir e deturpar a personalidade da Lara, merece ser punido por isso. - responde a feiticeira calmamente.
- Eu não estou a acreditar nisto, esperava isso da Lara, mas agora de ti, Diana. Serei eu o único a acreditar que é errado roubar?
- Ai, Cav, por vezes és tão certinho que até irritas, não há mal nenhum em roubar, o único inconveniente é ser apanhado. - a demónio esboça um ligeiro sorriso e retira de uma das estantes um livro azul com letras estampadas a ouro. - Ora, ora, parece que o nosso velhote tem bons gostos, Kama Sutra & A Arte Da Sedução Com Uma Pitada de Magia.
- Mas esse livro é raríssimo, tanto quanto sei apenas as sacerdotisas de Ishtar, as prostitutas sagradas, é que têm o previlégio de o ler e estudar. - diz Diana espantada.
- Mas o que é que tem o livro de tão especial, parece-me ser apenas um manual de sexo.
- Apenas um manual de sexo? Pelos Deuses, meu Cavaleiro, este livro foi escrito pela mão da própria Deusa e entregue à primeira das suas sacerdotisas, nele está contido todo o conhecimento de um campo da magia muito particular, a arte da sedução e do prazer. - explica a feiticeira. - O sexo é um dos nossos instintos mais poderosos, ele afecta as nossas escolhas e decisões, por isso, aquele que controlar bem este campo da magia é bem capaz de nos manipular apenas com um sorriso, ou com um olhar, entendes?
- Sim...
- E além do mais este livro vale uma fortuna no mercado negro. - diz Lara sem levantar os olhos do livro.
- Valha o que valer não o vais levar, não seria correcto. - digo arrancando o livro das mãos da demónio e colocando-o no seu lugar.
- Hey, eu estava a ler isso.
- Eu sei, mas fica descansada que não precisas de saber mais, a tua arte já é perfeita. - digo piscando-lhe o olho.
Lara sorri ao ouvir as minhas palavras.
- Tu tens cá uma lábia, mas convenceste-me.
- Sim, esse rapaz é de facto muito especial. - diz uma voz vinda da secretária. Viramo-nos de imediato e lá está o velhote sentado com um ar descontraído observando cada gesto e movimento nosso.
- Mas como, não estava aí quando entrámos, pois não?
- Eu não o vi. - diz Diana.
- Nem eu. - diz Lara.
- Ah, mas por vezes os olhos pregam-nos partidas e apenas vemos aquilo que queremos ver. - diz o velhote com um sorriso. - Estive aqui o tempo todo e ouvi toda a vossa conversa. De facto até achei um pouco desagradável saber que me queriam roubar. - continua ele calmamente lançando um olhar rápido à feiticeira que cora instantaneamente.
- Estavamos apenas a brincar, claro. - diz ela.
- Bom, isso agora não importa, o que interessa é que aqui estão e que me vão ser muito úteis.
- Como assim, "muito úteis", e o que é queres de nós exactamente, velho?
- Calma, demónio, calma, tudo a seu tempo.
- Como sabe que ela é um demónio, quem é você? - pergunto.
- Quem eu sou não interessa e qualquer indivíduo experiente é capaz de reconhecer imediatamente um demónio, a personalidade deles é no minímo única. Mas tu meu rapaz, tu és um caso à parte, um caso muito intrigante.
- Como assim.
- Ora, possuis um encanto peculiar e és portador de uma aura enigmática, certamente que a tua amiga feiticeira também sente isso, afinal já tiveste uma relação muito forte com um elfo e com um anjo, partilhaste a tua alma com um demónio, foste vítima de possessão, tens uma ligação forte com um espírito draconiano, tens a protecção de duas Deusas e... Sim... Uma entidade parece ter-se ligado a ti recentemente... Absolutamente extraordinário!!
- Uma entidade? Que espécie de entidade.
- Não estás à espera que eu te conte tudo pois não? - diz o velhote com um sorriso. - Faz-me um favor e eu dou-te as informações de que precisas, inclusivé a localização da pessoa que procuras actualmente.
- Como sei que não me estás a mentir?
- Não sabes, terás que confiar em mim.
Olho para a Lara e Diana que acenam afirmativamente incitando-me a confiar.
- Muito bem, o que é que precisamos de fazer?
- É simples, perdi um objecto no mar a cerca de 15km do Porto das Nereidas, um pequeno cofre contendo algo de grande valor para mim, a tua missão é resgatar esse cofre e trazê-lo incólume. Aceitas?
- Pelo que parece é bastante poderoso, porque é que não o resgata você?
- É embaraçoso, mas não gosto muito de água.
- Muito bem, mas...
- Ah, óptimo, tens aqui o mapa da sua localização e estes dois livros que poderão ser bastante úteis: História da Marinha de Briseida: Lendas e Mitos e Mundo Aquático: Recifes de Coral. - e sem dizer mais nada conduz-nos para fora da sua tenda.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Um Estranho Encontro (1ª Parte)

Os pregões dos vendedores e os aromas das iguarias e especiarias exóticas enchem o ar da bela Praça do Sol, as tendas de pano de cores garridas, as bancadas repletas de objectos raros e misteriosos e sobretudo a aparência peculiar e insinuante dos comerciantes, atraiem os transeuntes que passeiam pelas estreitas, apinhadas e improvisadas "ruas" da praça. Lara, Diana e eu não somos excepção e como tantos outros deixamo-nos levar pelas palavras doces e os sorrisos sedutores dos logistas, as suas mercadorias extraordinárias e únicas levam-nos a soltar involuntarimamente exclamações simples de "Oh!" e "Ah!" que vão deixando os seus donos confiantemente deliciados na perspectiva de obterem um belo lucro.
- Oh, vá lá, meu Cavaleiro, não faças essa cara, até parece que não gostas de fazer compras connosco, até nos temos estado a divertir. - diz Diana com um sorriso sedutor.
- Não é que eu não me esteja a divertir, mas porque é que tenho que ser eu a carregar com isto tudo?
- Ora, porque tu és humano e macho, logo tens boas qualidades para servir de mula. - diz Lara piscando o olho à feiticeira.
- Tens imensa piada, Lara, se continuas com gracinhas dessas serei forçado a dar finalmente um bom uso a esses teus corninhos.
- Ui, adoro quando me ameaças, humano. - diz a demónio num tom doce. - Infelizmente sei que vais ficar apenas por aí, pela ameaça.
- Ai sim?
- Sim...
- Diana, importas-te de segurar os sacos por um momento?
- Mas... - antes de ter tempo de ripostar já os sacos estão na sua mão e eu e Lara saindo do alcance da sua vista correndo um atrás do outro. - Incrível, por vezes comportam-se como autênticos miúdos. - comenta ela abanando a cabeça e esboçando um pequeno sorriso.

Persigo a demónio por entre as improvisadas ruas apinhadas de gente, a sua agilidade superior permite-lhe desviar-se dos objectos e das pessoas, mas a sua imensa arrogância e confiança deturpam-lhe os sentidos e por ironia do Destino, ou talvez não, acaba por esbarrar contra um homem de baixa estatura que se encontrava sentado numa cadeira de baloiço saboreando o seu cachimbo de pau de cerejeira.
- O que...? - pergunta a demónio levantando-se e sacudindo o pó da sua capa olhando em volta para tentar perceber o que lhe aconteceu.
- Então, Lara, parece que estás a perder alguns atributos para nem te conseguires desviar do pobre homem. - digo com um sorriso de triunfo nos lábios ajudando o velhote a pôr-se de pé. - Será que estás a ficar velha?
- Velha, eu!? - exclama ela num grito quase inumano. - Como te atreves, seu humano imprestável!!! A culpa foi deste velho, desta coisinha pequenina que se meteu à frente!!
- Lamento, mas eu estava muito bem aqui sentado a fumar o meu cachimbo quando a menina chocou contra mim. - responde o velhote indignado limpando o pó ao seu casaco.
- Ouve lá, abortozinho, é bom que estejas calado ou isto ainda vai sobrar para ti. - diz a demónio num tom ríspido e intimidante.
- Lara, vê lá se te acalmas.
Ela olha para mim e os seus olhos dourados trespassam-me como uma flecha incandescente, mesmo com o seu rosto oculto pelo capuz consigo sentir a fúria e a intensidade do seu olhar.
- O jovem tem razão, é melhor acalmar-se e pedir-me desculpa, está a ser muito mal educada. - diz o velhote num tom calmo colocando a sua mão sobre o joelho da demónio. Esta vira-se para lhe responder.
- Eu... tem razão. Peço-lhe desculpa pelo incómodo que lhe causei, e a ti também, Cav. - diz ela num tom bastante sereno.
- O QUÊ!!! - exclamo surpreso. - O que é que disseste?
- Peço-te desculpa, Cav.
- Lara, estás bem?
Nesse preciso momento chega Diana com os sacos furando por entre a multidão que entretanto se foi aglomerando à nossa volta.
- Cavaleiro, Lara, o que é que se passa, estão bem?
- Pelos vistos não, acho que a Lara deve ter sofrido algum traumatismo craniano, ela acabou de pedir desculpa.
- A sério? Isso é de facto motivo para estarmos preocupados. - responde Diana não conseguindo esconder um sorriso.
- Hm, sabes rapaz, tu tens mesmo uma aptidão para escolher os teus companheiros, talvez sejas a pessoa que eu tenho andado à procura. - interrompe o velhote.
- Como assim?
- Se calhar é melhor conversarmos dentro da minha tenda, estamos mais à vontade e estaremos a salvo de todos estes olhares indiscretos. - sugere o velhote entrando de seguida.
- Que tipo estranho. - digo.
- E com um poder peculiar. - responde a feiticeira.
- Feiticeiro?
- Não sei, seja o que for consegue disfarça-lo bem.
- Entramos?
- Claro.
- Lara?
- Dói-me a cabeça.
- Considero isso um sim.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

O Jantar

Três pratos levitam levemente pelo ar, vindos da cozinha, deixando-se cair suavemente sobre uma mesa de madeira ricamente decorada; atrás deles aparecem, tal como um regimento de infantaria, uma série de talheres de prata que se colocam em perfeita formação junto dos primeiros; por último marcham três copos de cristal conduzidos pelos seus "capitães", dois belos, formosos e raríssimos jarros de diamantina, um com água e outro com uma bebida muito peculiar, preparada especialmente para a ocasião.
Momentos depois aparece Diana transportando uma fumegante e deliciosa travessa de arroz de pato cujo apetitoso aroma se espalha imediatamente por todas as divisões da casa funcionando como um aviso para jantar. Lara e eu não resistimos ao chamamento e guiados por aquele cheiro irresistível sentamo-nos à mesa.
- Vá, meu Cavaleiro, prova e diz-me se está como tu gostas. - diz a feiticeira servindo-me. - Eu sei que tu adoras os meus cozinhados, em especial o meu arrozinho de pato.
- Tenho a certeza que está divinal, Diana. - respondo metendo à boca a primeira garfada. - Hm... Delicioso!
- De facto, feiticeira, tu esmeraste-te, isto está uma maravilha. - diz Lara devorando com voracidade o seu prato. Diana nem lhe responde, observando espantada as maneiras, ou falta delas, com que a demónio consome a sua comida. - O que foi? - pergunta finalmente Lara, farta de sentir a feiticeira a olhar para ela.
- Nada, simplesmente não estava à espera de te ver comer como uma...
- ... Como uma quê?
- Como um autêntico demónio! - responde Diana. - As tuas maneiras à mesa podem ser comparadas a um javali selvagem. Até estou admirada como é que o Cavaleiro nunca te disse nada.
- Isso é porque o Cav está mais interessado em outras qualidades minhas do que propriamente nas minhas maneiras à mesa. - responde a demónio com um sorriso matreiro e piscando-me o olho.
- Imagino... - diz Diana servindo-se e ignorando o tom malicioso de Lara. - O que vamos fazer agora, a nossa busca pelo conhecimento perdido dos Ploensis foi um autêntico fracasso e ao que parece estivemos fora durante um mês.
- Já para não falar que o Deditos desapareceu misteriosamente assim que voltámos. Algo me diz que aquele tipo sabe mais do que nos conta, tenho esse pressentimento.
- A mim não me pareceu um mau rapaz, sim, pode ser inconveniente de vez em quando, mas pareceu-me honesto. Tenho a certeza que esse teu feeling está errado. - opina Diana bebendo um pouco da sua bebida caseira.
- Não sei, Diana, a Lara tem um sexto sentido muito apurado, se ela diz que há algo de errado é melhor acreditares.
- Já nos bastou a encrenca em Unyard, não foi Cav? - diz ela bebendo também um pouco da bebida caseira.
- Oh sim, pensei sinceramente que aquela seria a nossa última aventura, nunca agradeci tanto à Bona Dea o facto de meteres ao bolso aquilo que não te pertence. - respondo com um sorriso.
- E ainda os tenho, os brincos e a gargantilha são para ficar e nunca mais tirar!!! - remata Lara rindo.
- Mas e o que fazemos agora? - pergunta Diana.
- Estou a pensar abandonar Briseida, já não há nada para fazer aqui.
- Como podes dizer uma coisa dessas, ainda não descobrimos quem matou o nosso homem mistério.
- E eu estou mortinha para ajustar contas com essa pessoa, ninguém passa a perna a um demónio e sai vivo para contar!
- Mas no fundo esse é um problema interno, não há ninguém que nos tenha pedido ajuda, nós nem sabemos em que negócios estava aquele homem envolvido, podemos muito bem estar a perseguir gambuzinos. Além disso, não sei se vocês leram o jornal de hoje mas a guerra está a correr muito mal para os republicanos, o auto-proclamado Imperador está na posse do Olho de Osíris, lembram-se? Temos que destruir aquela gema de uma vez por todas!!
- Ora Cav, não inventes desculpas, estás mortinho para sair da cidade por causa da Elianne, não é verdade? Queres deixar para trás tudo o que te lembra dela, não é? - responde Lara exaltada. - Pois deixa-me que te diga, mas estás a ser egoísta, onde está aquele Cav bonzinho que até enjoava, aquele humano sempre preparado para lutar até ao fim por uma boa causa?
- Esse Cav está praticamente morto e enterrado, Lara. Esse humano tem o peito completamente dilacerado, primeiro foi a Ela, depois a Meg, a Lilian e agora a Elianne. Começo a ficar farto do destino que os Deuses criaram para mim, por mais forte que um homem seja há sempre um limite e acho q estou prestes a atingir o meu!!
- Não digas essas coisas, meu Cavaleiro. Eu sei que nestes últimos tempos tens passado por muito, mas por favor, não te deixes morrer, não deixes que o teu coração se encha de ódio ou de auto-piedade. Luta!! Eu estou e estarei sempre aqui ao teu lado. - diz Diana levantando-se e abraçando-me.
- E eu também, humano.
- Vês, tens aqui duas mulheres que nunca te irão abandonar, por isso se quiseres partir, diz e eu faço as minhas malas e parto contigo.
Esbocejo um ligeiro sorriso.
- Sou um sortudo por vos ter ao meu lado, mas vocês têm razão, o nosso trabalho aqui ainda não terminou, vamos encontrar a tal pessoa que parece controlar esta cidade e mostrar-lhe que se meteu com o grupo errado.
- Ora aí está algo que merece um brinde. - diz Diana enchendo os copos. - A uma nova aventura!!
- A UMA NOVA AVENTURA!!! - dizemos em uníssono.