domingo, julho 30, 2006

Uma Nova Missão

O cavaleiro e Lara afastam-se rapidamente tornando-se em poucos minutos dois pontos negros no horizonte, atrás deles uma enorme camada de poeira e areia ergue-se toldando a vista da sacerdotisa que os segue com o olhar enquanto murmura pequenas preces. Orfeu fitava-a enquanto acariciava gentilmente o cabelo de Lilian tentando estancar a sua ferida.
- E agora, o que fazemos?
A pergunta do jovem bardo desperta Melissa dos seus pensamentos.
- Agora, meu caro Orfeu, lambemos as nossas feridas e tratamos da Lilian. - Diz ela virando-se para ele. - Ajuda-me a levá-la para dentro e depois traz três daqueles cavalos.
O bardo aquiesce e juntos transportam o corpo inanimado da feiticeira para dentro da adega fresca. Melissa inicia imediatamente o processo de cura apelando à sua Deusa que lhe dê forças e extraindo do ar em redor as energias necessárias para pôr em prática os seus feitiços. A sala ilumina-se bruscamente de azul e o corpo de Lilian começa a levitar sendo trespassado continuamente por raios etéreos, um grito de dor proveniente do espírito da feiticeira ecoa pela sala, as suas feridas fecham-se e o sangue que escorre abundantemente da cabeça estanca. Tudo termina tão depressa como começou, Melissa deixa-se cair exausta numa pequena cadeira enquanto observa o rosto pacífico de Lilian que continua inconsciente.

- Melissa, Melissa, acorda.
- Hm? O que se passa?
- Isso pergunto-te eu a ti, o que aconteceu? O que faço aqui deitada? Onde estão o Cav, a Lara e o Orfeu?
A sacerdotisa abre os olhos e vê Lilian diante de si com uma cara preocupada.
- O Orfeu foi buscar três das montadas usadas pelos demónios e o Cavaleiro e a Lara partiram.
- Como assim, partiram? Mas partiram para onde? - Os olhos de Lilian pareciam devorar Melissa.
- Não sei...
- Ai, ai, ai, que eu não estou a gostar disto. Nós ganhámos o combate, certo?
- Sim.
- Gorath foi morto e já não corremos perigo, certo?
- Sim.
- Então eles seguiram o rasto dos demónios e em breve estarão de volta, certo?
- Creio que não.
Lilian fita incrédula a sua amiga.
- C-como assim, eles abandonaram-nos? - A pergunta foi feita num tom tão baixo que Melissa mal a pôde ouvir.
- Lilian, eu não sei como te dizer isto.
As palavras da sacerdotisa cairam como um balde de água fria sobre a feiticeira.
- Dizer o quê?
- O Cav já não é o mesmo.
- Como assim?
- Eu não sei o que aconteceu, mas depois de os demónios te acertarem, quando ficaste inconsciente, ele mudou, ele soltou um grito enorme que mais parecia um urro de dor, um clarão de luz foi expelido do seu corpo e a partir daí ele mudou. Foi horrível, Lilian, ele matou-os a todos a sangue frio e torturou de uma maneira indescritível o Gorath e eu creio até que pela sua expressão ele estava a gostar.
Lilian ouve o relato silenciosa e incrédula, mas o olhar de Melissa comprova a veracidade da história.
- E agora o que fazemos? - Pergunta a sacerdotisa.
- Vamos atrás deles. - Responde Lilian sem hesitar.
- Mas tu estás doida? Certamente que vamos morrer.
- Se for esse o nosso destino... Ele salvou-me uma vez, não o vou deixar agora, vamos encontrar uma forma de reverter o que quer que ele se tenha tornado.
A feiticeira levanta-se sem dar oportunidade de resposta a Melissa, os seus olhos chispavam de determinação.
- Vamos segui-los e vamos trazer de volta o nosso amigo, o meu amor. - Murmura ela baixinho a última parte.

quinta-feira, julho 27, 2006

O Despertar

A brisa escaldante do deserto saúda-me enquanto desperto lentamente do meu sono profundo, o cheiro a sangue e suor penetra violentamente nos meus pulmões dando-me a indicação de que me encontro no meio de um combate. Abro os olhos e deparo-me com cinco demónios que me olham confusos e sem saber o que fazer, ao meu lado encontra-se Lara, a minha escrava, que me fita igualmente confusa e um pouco nervosa.
- Calma, escrava, o teu mestre está de volta. - Digo-lhe sorrindo.
A demónio estremece ao ouvir as minhas palavras, a sua expressão toma um misto de tristeza e alegria.
Fito de novo os meu oponentes com um olhar gélido e impetuoso, sem aviso algum ergo a Elektra e lanço-me sobre eles desferindo-lhes golpes terríveis e mortíferos, em poucos segundos os cinco caiem no chão manchando a areia dourada de vermelho escuro. Esta minha atitude inesperada e o meu sorriso de contentamento após este massacre instiga o pânico nos oponentes da demónio que ainda se encontravam estáticos olhando para mim sem saber o que fazer. Lara aproveitando esta oportunidade lança-se sobre eles e dá-lhes o mesmo destino dos meus.
- Muito bem, escrava, estou a ver que as tuas capacidades de luta melhoraram bastante.
- Nem imaginas o quanto, mestre. - Diz Lara ainda meio indecisa sobre o que fazer a meu respeito.
- Muito bem, é assim que eu gosto. - Digo enquanto me aproximo dela e beijo vorazmente os seus lábios. - Como tinha saudades dessa tua boca e dessa tua língua, logo irei provar o resto. - Sorrio para ela e encaro os restantes demónios. - Mas agora vamos terminar este combate, se é que lhe podemos chamar isso.
Afasto-me de Lara e caminho calmamente na direcção do grupo que derrotou Lilian e os outros. Consigo sentir o seu medo, devorar o seu terror e saborear o seu pânico.
- Como é bom estar de volta!! - Grito enquanto danço pela areia trazendo a morte àquelas infelizes criaturas. - Depois de dois longos anos enclausurado sabe bem regressar desta forma!
Cravo a Elektra no peito do último demónio enquanto olho sorridente para Melissa e Orfeu e delicio-me com o último suspiro da minha vítima.
- Mas que espécie criatura és tu? - Pergunta a sacerdotisa enojada.
- Eu? Eu sou a verdadeira força da natureza humana, sou o deus da guerra que caminha no meio dos homens espalhando o medo e o terror, a morte e o desespero. Eu sou aquele que invade o teu leito de noite e te toma sem pedir permissão, sou aquele que te toca e te faz gemer de prazer e ao mesmo tempo te obriga a implorar para que pare. Eu, cara sacerdotisa, sou o teu pior receio e o teu melhor desejo. - Fito-a deliciado com a sua reacção e com a sua expressão de puro nojo.

- N-não é p-possível, isto simplesmente não pode ser possível, os meus demónios mortos tão facilmente? Devo estar a sonhar... - Grita Gorath incrédulo olhando à sua volta.
- Ora, ora, ora, vejam só quem é ele, é o gordo e odioso Gorath. - Digo enquanto arranco a lâmina da Elektra do peito do cadáver. - Vejo que fizeste exercício, estás bem mais magro, mas como deves saber nada disso te vai ajudar pois irás acabar como os outros. - Sorrio desdenhosamente.
O demónio fita-me furioso e corre para mim pronto para me atacar. Pela velocidade dos seus golpes e pela sua perícia com a espada deduzo que treinou bastante para este combate, mas infelizmente para ele não está à minha altura.
- É só isso que sabes fazer, monte de sebo? - Digo gozando com ele enquanto me desvio ou simplesmetne aparo os seus golpes.
- Treinei muito, desta vez vou vencer-te! - O demónio redobra as suas investidas mas por mais que tente é incapaz de me levar a melhor.
- Isto está a tornar-se aborrecido, obviamente és incapaz de rivalizar comigo, por isso, vou acabar já com esta fantochada.
Aparo o seu último golpe e contra-ataco com uma cotovelada no nariz, o demónio recua uns passos com o impacto enquanto tenta acariciar o seu nariz partido e estancar desesperadamente o sangue que dele escorre. Aproveito a sua distracção e sem piedade decepo-lhe a mão que segura a espada. Gorath grita de dor e institivamente leva a sua outra mão ao coto decepado numa tentativa vã de tentar proteger a sua ferida.
- Agora, seu monte de estrume, vou fazer aquilo que não fiz da última vez, vou acabar contigo. - Digo-lhe enquanto o agarro pelo pescoço.
O demónio tenta implorar por misericórdia mas depressa se apercebe que não vale a pena. Empurro-o violentamente e desfiro-lhe um golpe na barriga, um golpe profundo que revela as suas entranhas ao mundo. O estado de Gorath é lamentável, seus olhos pedem por piedade mas apenas encontram o gelo dos meus.
Agarro uma vez mais o seu pescoço e sussurro-lhe ao ouvido:
- Isto é por teres ousado meter-te no meu caminho. - Enfio a minha mão na sua barriga aberta e puxo para fora os seus intestinos.
O demónio solta um grito surdo enquanto cai por terra sofrendo dores inimagináveis, lágrimas jorram dos seus olhos tornando a sua cara atormentada num oceano de mágoa. Eu simplesmente me mantenho ao lado dele puxando devagarinho as suas entranhas deliciando-me com esta cena macabra.
- Pára!! - Grita Melissa chorando copiosamente. - Por favor pára...
- Porque haveria de parar? - Pergunto sem olhar para ela. - É este o destino dos que ousam meter-se no meu caminho.
- Mas isso é tortura, já conseguiste o que querias, já o derrotaste, não tens razão para o manter assim.
- Eu decido se o quero manter assim ou não, ele só vai morrer quando eu qui...
Uma das espadas curtas de Lara enterra-se no coração de Gorath matando-o instantaneamente. - Quem? - Pergunto zangado.
- Ele já estava quase morto, já não tinha piada. - Diz Lara escondendo a sua cara e arrancando a sua espada do coração do demónio.
- Não tinhas nada que ter feito isso, escrava. - Dou uma bofetada na cara da demónio enquanto grito de raiva.

Todos os trinta demónios estavam mortos, já não tinha nada que fazer ali, por isso monto num dos Dzarth e parto na direcção de onde vieram. Lara olha para mim e depois para Melissa e Orfeu, seu rosto estava desolado e seus olhos diziam tudo o que lhe ia no peito. Sem alternativa monta noutra montada demoníaca e parte na minha peugada.
- Pelos deuses, - Murmura Melissa. - mas que monstro acabámos de libertar?

terça-feira, julho 25, 2006

Humanidade Perdida

Os demónios obedecem ao seu mestre e um por um começam a desmontar retirando dos cintos as suas armas e soltando grunhidos incompreensíveis. Gorath mantém a sua posição criando a pequena abertura na barreira para que os seus esbirros possam passar. De facto Lara tinha razão, ele está diferente, outrora gordo e nojento a sua aparência é agora atlética, de músculos firmes e bem delineados e a sua expressão está mais severa e perversa.
Sob as ordens do seu comandante os demónios penetram no perímetro e lançam-se na nossa direcção, os seus machados e espadas tomavam um tom esquisito ante a luz sanguínea daquele Sol do submundo, Lara e eu corremos ao seu encontro protegidos pela música de Orfeu e pelas bençãos contínuas de Melissa, Lilian incapacita os três primeiros demónios e mata outros dois usando as suas habilidades mágicas.

O cheiro do suor e do sangue invade as minhas narinas e penetra em meus pulmões enquanto desfiro e aparo golpes a torto e a direito, Lara encontra-se a meu lado usando a sua dança mortífera e soltando os seus gritos de triunfo característicos, apoiados pelos nossos companheiros dez dos demónios são rapidamente eliminados deixando os outros dezassete sem saber o que fazer. Gorath grita umas ordens enquanto avança na nossa direcção, os seus esbirros aquiescem e retomam a luta, mas desta vez não se concentram só em nós os dois, alguns deles correm na direcção dos restantes membros. Concentrados nos que nos envolvem pouco podemos fazer para ajudar os nossos companheiros, apenas rezar para que se consigam desembaraçar de tais bestas infernais. Pelo canto do olho conseguimos ver a luta desesperada corpo a corpo de Lilian, Melissa e Orfeu, mas o resultado já era esperado e sem grandes baixas os demónios lá os derrotam. Vejo Lilian cair sem sentidos, o sangue jorrando da sua cabeça manchando os seus cabelos, o mundo parece terminar para mim, pois a sensação de dejà vu invade o meu espírito, as memórias de Ela caindo no campo de batalha dominam a minha mente e inconscientemente deixo escapar um enorme grito de dor e de fúria.

Consigo sentir o meu outro eu ganhando forças, consigo sentir as suas garras dilacerando o meu peito, a sua voz a ecoar no meu ouvido e o seu fogo consumindo as minhas entranhas. Tento resistir mas sei que é tarde demais, os meus membros já não me obedecem e a voz que se escapa dos meus lábios não é a minha. Um clarão de energia branca é expelido do meu corpo, faíscas escapam-se pelos meus olhos e todos à minha volta se detêm para observar incrédulos a criatura que subitamente apareceu no campo de batalha, uma criatura que guia e controla o meu corpo. Observo toda a cena como se estivesse fora do meu corpo, vejo Lilian desmaiada sobre a areia quente com o sangue escorrendo pelos seus cabelos, vejo Melissa olhando para mim estupefacta soltando uma prece, vejo Orfeu deixando cair a sua harpa tremendo ao olhar para o meu corpo e vejo Lara que se encontra a meu lado reconhecendo a entidade que acaba de aparecer, sua expressão reflecte júbilo e tristeza.

Gorath

A coluna de areia torna-se maior à medida que se aproxima de nós e pouco a pouco começamos a discernir os causadores daquela pequena "tempestade". O som dos cascos e o relinchar das montadas demoníacas ecoam pelo ar afugentando os animais que por ali se encontram. Ao todo parecem ser 30 demónios a cavalgarem na nossa direcção, pela sua atitude convencida não estão à espera de grande resistência, talvez a sua táctica seja passar simplesmente por cima de nós com as suas montadas.
- Melissa, lança um encantamento de barreira água à nossa volta num raio de 50 metros. - Digo rapidamente. - E fá-lo de forma a que eles não se apercebam.
A sacerdotisa olha para mim sem perceber o porquê do meu pedido mas ao ver a minha expressão obedece sem ripostar.
- Muito bem, desta forma ficamos em pé de igualdade visto que os Dzarth são vulneráveis à água. - Diz Lara sorrindo. - Estou mortinha para ver a reacção dos seus cavaleiros.
Os demónios instigavam as suas montadas a cavalgar cada vez mais rápido e como esperávamos três deles quebram a formação e lançam-se na nossa direcção brandindo as suas armas e soltando temíveis gritos de guerra. Confiantes de que seria um combate fácil e tentando ao máximo agradar o seu líder estas três criaturas caiem na nossa armadilha que nem patinhos, subitamente uma barreira de água ergue-se à sua frente atacando ferozmente os pobres demónios. Os seus gritos de guerra transformam-se em gritos de terror quando as suas montadas os atiram ao chão e rodopiam por cima deles espezinhando-os pondo um fim às sua vidas.
O bando que seguia logo atrás deles pára bruscamente sem saber o que fazer, por eles passam, cavalgando sem destino, as montadas sem dono, as suas expressões modificam-se, a confiança na vitória ficou abalada e a dúvida instala-se nas suas mentes.
- E vão três!!! - Grita Lara para os seus oponentes. - Qual de vós quer ser o próximo? - As gargalhadas da demónio propagam-se pelo ar.
- Eu!! - Uma voz sonora e cortante quebra as gargalhadas.
As fileiras dos demónios abrem-se e um cavaleiro coberto por uma armadura esverdeada e com o rosto protegido por um elmo completo igualmente esverdeado aproxima-se do local onde jazem os corpos dos cavaleiros vítimas das suas próprias montadas. Desmontando e agachando-se o desconhecido começa a apalpar o solo sentindo a força da barreira de água lutando contra ele.
- Mas que inteligentes que vocês foram. Parece que perdemos a vantagem da cavalaria, mas não importa, a força dos números continua a nosso favor. - Diz ele tirando o elmo, sorrindo e fitando-nos com o seu olhar amarelado.
- Gorath!! - Exclama Lara.
- Sim, minha escrava, e estou a ver que continuas ao lado desse humano desprezível, és uma vergonha para a tua raça. - O demónio cospe no chão demonstrando o seu nojo. - Os humanos só servem para saciar os nossos apetites sexuais e para obedecer às nossas ordens, estão abaixo de nós, mas vejo que isso te é indiferente. Não passas de uma rameira ordinária, muito certamente ainda te ajoelhas implorando que ele te toque.
Lara nada diz continuando a fitar o demónio.
- Mas não te preocupes, mesmo com esse gosto nojento tornar-te-ás minha uma vez mais e erradicarei da tua memória esse humano fraco. - Gorath levanta-se e olha-me de alto abaixo. - Desta vez, humano, o desfecho será diferente e asseguro-te que esta noite beberei o meu vinho do teu crâneo.
O demónio desembainha a sua espada e desfere um golpe na barreira criando uma pequena brecha.
- Desmontem, seus montes de esterco, e façam o vosso trabalho, o primeiro que me trouxer a cabeça daquele será largamente recompensado.

Às Armas

A luz quente do Sol da manhã entrava através das ombreiras da porta tentando conquistar a adega fria e sombria. Lá dentro, protegidos do calor do deserto, encontram-se os nossos cinco heróis ainda aturdidos pelo que acontecera durante a noite. Melissa, sentada num pequeno banco de madeira semi-apodrecido, penteava os seus longos cabelos ruivos enquanto descrevia o seu encontro com a Deusa Juno. Os seus gestos, a sua voz, o seu olhar e a sua maneira de ser estavam muito mudados, já não era aquela rapariga mimada e sabichona, mas sim uma mulher totalmente nova que emergira do seu interior após as vivências dos últimos dias.
O som do bater de asas dos abutres e o seu grasnar horroroso proveniente das suas gargantas secas e esfaimadas causavam arrepios, parecia que até os necrófagos tinham conhecimento da tempestade que se aproximava e estavam ansiosos por poder observá-la.
As horas passavam e o nosso nervosismo aumentava, Orfeu decorava músicas e histórias encantadas que nos dariam força, coragem e protecção durante a batalha; Lilian e Melissa ensaiavam magias retiradas dos poeirentos livros atlantes e soltavam gritos de triunfo cada vez que conseguiam lançá-las; Lara treinava as suas técnicas num canto da sala, as suas espadas curtas pareciam ter-se fundido com os seus antebraços tornando-se parte de si, os seus pontapés rotativos, os seus saltos e todos os seus movimentos eram admiráveis e tão belos que mais parecia uma dança; eu fiquei a um canto sentado, limpando a Elektra e concentrando-me para a batalha que se aproxima.
Subitamente o alarme mágico que Lilian lançara no perímetro em redor da adega dá o seu sinal despertando-nos da ilusória descontracção em que nos encontrávamos. Somos recebidos no exterior por um bafo de calor agonizante, o Sol vermelho arde por cima das nossas cabeças distorcendo a nossa visão.
- Ali! - Aponta Lara na direcção do Sul. - Ali vêm eles.
Orfeu toma a sua posição na última linha de defesa sentando-se numa pedra, seus dedos acariciam gentilmente as cordas da sua harpa e a sua língua humedece os seus lábios para que o som da sua voz possa ser ouvido por nós. Lilian e Melissa tomam a sua posição à frente de Orfeu, o ar enche-se de electricidade estática quando ambas começam a recitar as suas magias, seus cabelos parecem ondular ao sabor de um vento fantasmagórico e ao seu redor o tempo e o espaço parecem não fazer sentido. Lara e eu ocupamos a primeira linha da defesa, segurando firmemente as nossas armas esperamos calmamente pela chegada de Gorath.
- Preparado para enviar uns demónios para o Inferno? - Pergunta Lara sorrindo.
- Claro, afinal de contas começa a ser aborrecido levar uma certa demónio aos céus todas as noites. - Digo-lhe sorrindo maliciosamente.
- Estúpido. - Diz Lara soltando uma gargalhada. - Gosto muito de ti, humano, por isso vê lá se te cuidas.
- Preocupada? Hm, isso é novo em ti, minha adorada... - Olho para ela e consigo ver que está a falar a sério. - ... Faço minhas as tuas palavras, por isso não ataques sem pensar, este humano estúpido ficaria sem a única criatura que o chama tantas vezes à razão.
Lara olha para mim preparada para responder mas nada diz, soltando apenas um suspiro.

Uma Nova Oportunidade

Os restantes membros ficam silenciosos ao ouvir o que eu e Lara temos para lhes contar, consigo ver pelas suas expressões incrédulas que a última coisa que esperavam era um combate.
- Vamos ver se entendo. - Diz Lilian coçando a cabeça. - O antigo mestre da Lara, um demónio chamado Gorath, está neste preciso momento a dirigir-se para aqui com o intuito de nos matar a todos?
- Sim, ele tornou-se num demónio muito poderoso, por isso o melhor será tentarem encontrar uma saída e fugirem, eu enfrentá-lo-ei sozinha. - Responde a demónio virando-nos as costas e fitando uma vez mais os estandartes.
- Não digas parvoíces Lara, tu não o vais enfrentar sozinha, vamos enfrentá-lo juntos e juntos iremos vencê-lo. Digo colocando a minha mão sobre o seu ombro.
- Cav, és tu quem está a dizer parvoíces, que hipóteses temos de o vencer com um bardo sem experiência e com uma sacerdotisa sem poderes, admite, nós os três por melhores que sejamos não vamos conseguir vencer este combate.
- Ela tem razão. - Diz Melissa. - Eu renunciei a minha fé, já não possuo os meus antigos poderes e por isso sou apenas um empecilho, não sirvo para nada...
- ... E eu, tal como a Lara disse, nunca estive num combate antes, eu tentarei dar o meu melhor mas não sei se estarei à vossa altura. - Diz Orfeu envergonhado baixando a cabeça.
- Olhem para vocês!!! Gorath ainda nem chegou e já se deram por vencidos. Sim, podemos ser ainda inexperientes mas unidos venceremos, apenas precisamos de ter esperança e confiança uns nos outros. - Exclama Lilian exasperada.
A intervenção da feiticeira tem os seus efeitos, Orfeu e Melissa animam-se e sorriem confiantes. Passamos a as horas seguintes a delinear uma estratégia e a preparar o campo de batalha montando em redor do nosso abrigo várias armadilhas e usando os barris ainda cheios de vinho como protecção ou como surpresas explosivas.

A noite aproxima-se rapidamente e tendo em conta as célebres histórias que se contam sobre ela preferimos não arriscar e recolhemo-nos dentro da adega para dormir deixando um alarme pré-fabricado a uns metros da entrada. Enquanto dormimos uma luz ténue aparece na sala chamando pela antiga sacerdotisa.
- Melissa, acorda... acorda...
- Hm, quem está aí? - A sacerdotisa levanta-se ainda ensonada levando as mãos aos olhos e bocejando sem cerimónia.
- Eu sei o que aconteceu, Eu sei que não tiveste culpa, dedicaste-Lhe a tua vida e foi assim que Ele te recompensou, violando-te.
- Q-quê? Quem? Quem és? - Pergunta Melissa observando aquela luz flutuante e sem forma.
- Eu sou Aquela que te pode ajudar, Eu sou Aquela que te poderá dar um novo sentido à tua vida, para isso basta que Me aceites e Me sirvas.
- Mas eu apenas vejo uma luz, não sei quem tu és, como posso ter a certeza que isto não é um truque?
- Sacerdotisa, já te esqueceste do que aprendeste? Usa o teu coração, usa a tua fé e a Minha forma ser-te-á revelada.
Melissa fecha os olhos e concentra-se, pela sua mente passam imagens dos anos que passou no templo de Júpiter aprendendo a arte da magia e da cura, aprendendo a abrir a sua mente e o seu espírito. Um leve sorriso desenha-se em seus lábios e um calor envolve o seu coração, ao abrir de novo os olhos encontra à sua frente a poderosa Juno a rainha dos Deuses.
- E então, sacerdotisa, o que Me dizes, estás preparada para Me servir? Para usares a Minha marca e levar a Minha palavra até aos confins de Gaia?
- Nada me daria maior honra, majestade. - Diz Melissa ajoelhando-se.
A Deusa sorri e coloca a Sua mão sobre a cabeça da sacerdotisa.
- Então, Melissa Nale, outrora sacerdotisa do Meu marido Júpiter Optimus Maximus, ergue-te e recebe as Minhas insígnias e as Minhas bençãos.
Uma luz prateada cobre o corpo de Melissa despertando-nos tal era a sua intensidade. Juno desaparecera e diante de nós encontrava-se Melissa armada e coberta por um longo manto de pele de cabra com o símbolo de Juno Regina gravado no ombro.

Medos...

Deixo a demónio ajoelhada sobre a areia escaldante e volto a entrar na adega fresca e sombria. Sorrio ao ver Lilian e Melissa decorando e estudando os feitiços daqueles livros velhos e poeirentos, suas expressões reflectem um interesse extraordinário e um júbilo estonteante ao virar de cada página. Meus olhos também se detêm um pouco no jovem Orfeu, um rapaz surpreendente que faz tudo para nos tentar agradar e para se integrar mais e mais no grupo. Como estamos unidos, parece que somos companheiros há anos incontáveis, pode parecer incrível, mas o perigo revela o nosso verdadeiro eu.
Desembainho a minha espada e começo a limpar a sua lâmina sorrindo, o meu sorriso não aparece em vão, trata-se apenas de uma máscara para esconder o que realmente estou a sentir, medo, muito medo. A Lara tem razão, de todas as pessoas que aqui estão é ela a que me conhece melhor, eu não poderei não ser capaz de derrotar Gorath, falta-me aquela força louca que me guiou na última vez que estive neste local diabólico. Eu tenho tanto medo de voltar a soltá-la, tenho tanto medo de perder para sempre a minha humanidade e tornar-me pior do que um demónio. Eu não quero voltar a ser aquela coisa, tenho nojo de mim pelo que ela fez, pelo que me obrigou a fazer... Ai, o meu coração bate acelerado dentro do meu peito, pois eu sei que esse outro eu faz parte de mim, desde pequeno que o sinto cá dentro, dormindo e esperando pela oportunidade de se revelar. A morte da Ela deu-lhe o pretexto necessário para se libertar, para se apoderar do meu corpo e dominar a minha mente e os meus movimentos.
Deixo cair a cabeça e começo a chorar. Tudo o que ele fez, o que eu fiz, ainda está gravado na minha mente, os olhos daquelas pobres criaturas enquanto eu avançava sem piedade e sem misericórdia, os seus gritos aterrorizados e os seus pedidos de clemência, tudo gira ainda à minha volta como se tivesse acabado de acontecer. Cerro os meus punhos com tanta força que as minhas unhas se cravam na minha pele fazendo ferida. Eu não quero voltar a libertar este monstro, mas a cada dia que passa é-me cada vez mais difícil mantê-lo cá dentro, sinto-o a arranhar as minhas entranhas, a rugir nos meus sonhos e a tentar soltar-se a cada momento de fraqueza. Sim, eu sei, com a sua ajuda eu seria imbatível, nada nem ninguém me venceria, mas o custo é demasiado alto e eu não estou preparado para ele.
Fecho os olhos e recordo-me de quando era criança, dos meus pais e do seu cheiro. De alguma forma sempre me senti como se não lhes pertencesse, como se não fosse filho deles, como se fosse um estranho.
- Parvoíces, parvoíces. - Digo baixinho abanando a cabeça. - Gorath e os seus esbirros dirigem-se para aqui, não é altura de estares a pensar em maluqueiras. - Levanto-me limpando os olhos e embainhando a espada. - Se é confronto que eles querem, é confronto que irão ter!

Prenúncio de um Confronto

O deserto de Khundar estende-se diante de nós, mas que ironia, escapámos de uma cidade "prisão" e viemos parar a um dos locais mais secos e mortíferos do Mundo Inferior. O impiedoso Sol sangrento brilha no céu aquecendo de tal forma o ar que até os nossos pulmões refilam do calor. A adega parece encontrar-se no meio do deserto e sem indicação alguma de onde possamos estar consideramo-nos perdidos. Regressamos ao interior do abrigo para tentar delinear uma estratégia, tem de haver algo que possamos fazer, quem quer que tenha criado esta ligação devia ter uma maneira de escapar ao deserto.
Lilian e Melissa procuram febrilmente nos livros que trouxemos da Atlântida por uma magia que nos possa ajudar; Orfeu disponibiliza-se a procurar dentro da adega por alguma passagem secreta, pois além de bardo tembém tem uma aptidão especial para captar ilusões e encontrar portas escondidas; eu vou ter com Lara que continua alheia a toda esta nossa situação, é como se estivesse num transe profundo ainda a olhar para aqueles estandartes. Pego nela por um braço e levo-a para fora da adega.
- Estás parvo!? - Rosna ela libertando brutamente o seu braço. - O que é que te deu para me arrastares cá para fora como se fosse uma menina pequena?
- Se há uma coisa que eu não sou é parvo, Lara. - Olho para ela irritado. - Podes enganar os outros com essa tua conversa, mas a mim não me enganas, o que é que tens?
- Estou apenas desconfortável por ter regressado ao meu mundo, só isso. - A demónio sorri encantadoramente.
- Deves pensar que nasci ontem. Vá diz-me, o que se passa, o que aprontaste tu desta vez? - O seu sorriso perde-se em mim, fito-a com uma irritação crescente.
- Espantas-me, estou a ver que já não acreditas em mim. O que pensas tu que eu fiz? Tu deves é estar doido, deve ser este ar do Submundo que te põe maluqueiras na cabeça. - A demónio vira-me as costas e prepara-se para voltar ao abrigo.
- Demónio, tu não me enganas, eu conheço-te muito bem. - Expludo de raiva e prendo-lhe o braço com força. - Volto a repetir, o que se passa?
- Estás a magoar-me, larga-me. - Ela tenta desprender o braço, mas o seus esforços são em vão.
- Largo-te quando desbobinares o que me estás a esconder. - Aperto o seu braço com ainda mais força.
A demónio fita-me com raiva, consigo ler no seu olhar que me esconde algo mas por alguma razão não me quer revelar o quê. A sua expressão muda subitamente, a raiva transforma-se num belo e maravilhoso sorriso, tal mudança deixa-me perplexo e liberto um pouco a pressão do seu braço, tirando proveito desta oportunidade a demónio dá-me um pontapé nas minhas partes baixas e vira-me as costas enquanto me contraio de dor. Antes que ela entre na adega seguro o seu ombro e atiro-a com todas as minhas forças que ainda restam para o chão.
Fito-a irritado e aproveito estes segundos para me recompor do seu pontapé, Lara encara-me e levanta-se igualmente irritada.
- Sai da minha frente, humano.
- Mestre, sou o teu MESTRE!! É a primeira vez que puxo dos galões e te lembro da tua condição. Vais dizer-me o que se passa agora, eu ordeno-te!!
A demónio surpreende-se com a minha ordem e consigo vê-la a lutar fortemente contra a magia que nos une.
- E-eu n-não posso...
- Podes sim, conta-me!!
A demónio grita tentando combater o poder que nos une.
- Eu estou marcada, neste preciso momento Gorath está a dirigir-se para aqui com o intuito de me torturar, violar e matar. - Lara deixa-se cair no chão exausta, a magia é mais forte que a sua extraordinária força de vontade. - Foi ele que me atacou da última vez, ele procura vingança e não vai parar até conseguir o que quer.
- Já o derrotei uma vez, derrotá-lo-ei outra e desta vez não o deixarei vivo. - Ajoelho-me perante a demónio envolvendo-a nos meus braços.
- Cav, ele está diferente, está possesso e tu, por mais que tentes, também estás diferente. Tu mudaste, já não és o homem que eu conheci, amoleceste.
- Lara, minha adorada Lara, será que depois de tanto tempo juntos ainda não me conheces? - Levanto-me e viro-lhe as costas sorrindo. - O homem que tu conheceste ainda existe, simplesmente escolho não o libertar, tenho medo de que se o fizer não o irei conseguir prender outra vez...

O Mundo Inferior

O Mundo Inferior é um local tão violento quanto os seus habitantes, poucas são as criaturas que se podem gabar que nele entraram e saíram vivas e muito menos são aquelas que se orgulham de ter saído intactas, pois tudo aqui em baixo é distorcido e por mais forte que uma pessoa seja nunca fica indiferente ao que encontra nesta realidade.
Um Sol vermelho cor de sangue ilumina os dias, tornando-os por vezes tão quentes que nos dá a ilusão que tudo à nossa volta está a arder. Ao contrário do dia, as noites são gélidas e sem uma Lua ou estrelas para iluminar o céu tornam-se assustadoramente sombrias. As trevas por vezes parecem ter vida própria, engulindo as sua vítimas devorando as suas almas até que pela manhã tudo o que resta é apenas uma casca vazia consumida pela loucura e demência. Podem ficar a pensar que se forem fortes mentalmente conseguirão resistir a tal destino, talvez, mas só estarão a adiar o inevitável, pois o inimigo que vos ataca durante este período não é uma criatura palpável, não é nenhuma entidade misteriosa que se tenta alimentar de vós, o inimigo que vos devora é o medo e assim sendo, acabamos por nos tornar os nossos próprios carrascos, pois Quando olhamos para o abismo, ele também olha para nós.
O cheiro que envolve o ar deste local é simplesmente inesquecível, é uma das características que mais adoro neste Mundo detestável pois varia conforme a nossa disposição, e como geralmente estou sempre bem disposto sou envolvido por aromas divinais que parecem elevar-me a um novo patamar.
As paisagens também variam conforme os locais, por vezes são odiosas e outras vezes bastante agradáveis, isto porque, ao contrário do que muita gente pensa, aqui no Submundo não existem apenas criaturas malignas, como os demónios, os zombies, ou uns parentes dos elfos verdadeiramente detestáveis, não senhora, existem também entidades, criaturas e até alguns Deuses que construiram aqui as suas cidades e residências e que contribuem para aliviar um pouco a "maldade" do local. É claro e convém não esquecer, que é para aqui que somos conduzidos após a nossa morte, para um local que tem muitos nomes, mas que muitos ainda o chamam de Hades.

O pequeno alçapão é aberto e somos banhados pela luz vermelha daquele Sol detestável, um por um saímos da adega poeirenta e tentamos habituar-nos ao que nos rodeia. Lara é a última a sair, consigo ver pela sua cara que está enervada por ter regressado uma vez mais a casa.
- Então isto é que é o Mundo Inferior? - Pergunta Lilian contemplando a paisagem.
- Sim. - Digo, abraçando-a por trás e beijando o seu pescoço. - O que achas?
- Tendo em conta que estamos no meio de um deserto, não acho nada bonito... - A feiticeira vira-se para mim e colocando a sua mão na minha nuca dá-me um beijo. - Ao menos estou bem acompanhada.

Um Novo Local

Somos transportados para um local escuro e fedorento. À primeira vista pensamos que estamos numa caverna, mas assim que os nossos olhos se começam a adaptar à escuridão apercebemo-nos que estamos numa cave muito antiga. O cheiro que preenche a sala provém dos barris de vinho, que pelo que conseguimos detectar já estão podres há imenso tempo, isso e uma espessa camada de pó que cobre as garrafas e o chão dizem-nos que este lugar está abandonado. A húmidade do local é um dos factores causadores do apodrecimento da madeira e das bebidas aqui armazenadas, pelas paredes podemos também encontrar várias camadas de musgo verde que não hesitou em propagar-se pelas fendas das pedras e pelos estandartes amontoados. De todos nós Lara é a que se encontra mais silenciosa, os seus olhos dourados fitam os estandartes coloridos e os seus símbolos estranhos.
- O que se passa, desde que chegámos que ainda não tiraste os olhos desses estandartes, reconhece-los? - Pergunto.
- Sim... - A sua resposta assemelha-se a um gemido fraco. - E tu também os conheces...
Observo intrigado os estandartes e os seus símbolos mas por mais que me esforce não me lembram de nada.
- Tens a certeza? Não me consigo lembrar.
O som de roupa a ser rasgada quebra a nossa atenção, a minha e a de Lara, Melissa acabara de rasgar os símbolos sagrados de Júpiter.
- Perdoem-me, mas depois de tudo o que aconteceu eu já não consigo servir o rei dos Deuses. - A sua voz e o seu olhar estavam diferentes, já não era a rapariga mimada e altiva que conheci, parecia que um novo brilho emanava do seu corpo e dos seus olhos, um fogo que lavrava dentro dela e se tornava cada vez mais intenso.
- Compreendemos-te, no teu lugar teria feito a mesma coisa. - Diz Lilian sorrindo para ela.
- Obrigado, minha amiga, mas que utilidade terei eu agora para vocês? Já não sou sacerdotisa...
- Isso não importa, aprenderás uma nova carreira, quem sabe não te tornas uma feiticeira como eu. - Lilian pisca-lhe o olho e abraça-a. - Descansa que não te iremos deixar sozinha.
O ambiente à sua volta desanuvia-se, mas o que envolve Lara torna-se cada vez mais pesado.
- Cav, de certeza que te lembras destes símbolos, por favor, tenta lembrar-te. - A demónio olha para mim esperançosa.
- O que se passa? - Pergunta Lilian olhando para Lara e para os estandartes.
- A Lara diz que eu devia reconhecer estes símbolos, mas na verdade eu não me lembro deles.
- Ai, Cav, como podes ser tão esquecido, não te lembras que estes são os símbolos do meu antigo mestre, Gorath?
- Sim, tens razão. - Digo pensativo. - Mas não estejas nervosa, agora és minha e ele não te pode fazer nada.
- Esperem um momento, será que me podiam explicar essa história? - Pede Lilian completamente confusa.
- Gorath foi o meu dono durante muitos anos, como deves saber nós demónios temos uma sociedade diferente da vossa, o mais forte governa e todos os outros passam a ser automaticamente seus escravos. Ele ensinou-me tudo o que sei, como matar, como seduzir e até como copular, mas era uma criatura detestável, gordo, seboso, fedorento e acima de tudo feio. Um dia o Cav entra na cidade, mas na altura ele não era este homem que se encontra aqui diante de nós, estava mudado, possesso, como se o próprio Marte controlasse o seu corpo. Gorath pensou que se tratava de mais um humano que vinha em busca de aventuras e por isso ordenou que o trouxessem agrilhoado, mas depressa verificou que se tinha enganado, o Cav matou os seus melhores guerreiros e forçou a entrada do quarto principal do palácio onde Gorath estava escondido. Como serva do meu mestre fui obrigada a defendê-lo, mas sem êxito, ele desarmou-me como se eu fosse uma iniciada e por sorte deixou-me viva. Sorte também teve o meu mestre que conseguiu escapar por um triz, pela nossa lei o humano tornou-se dono da cidade e mestre de todos os seus habitantes, incluindo eu. O resto já tu conheces, penso... - Lara desvia o olhar da feiticeira e encara-me receosa.
- Tens medo de voltar a encontrar o teu antigo mestre, é isso? - Pergunta Lilian.
- Eu não tenho medo, humana, nós demónios não padecemos desse mal. - Grita Lara irritada. - Mas o Cav já não é o que era e deixou por aqui muito inimigos, assim como eu, e pressinto que vamos ter muitos problemas.
- Hey, pessoal, encontrei a saída. - Grita orfeu.

Deusas Matreiras

O Deus empunhou o seu tridente dourado e apontou-o na nossa direcção, sua boca espumava de raiva e seus olhos chispavam de fúria ante a afronta que lhe havia sido feita.
- Alto! - Gritou uma voz feminina vinda da porta. - Não tens o direito de os reter aqui, eles são livres para fazer o que quiserem.
- Diana, como te atreves a dizer tal coisa, tu conheces bem as nossas regras, se um mortal entrar numa cidade divina deve permanecer nessa cidade até ao fim dos seus dias. - Neptuno refreia um pouco a sua fúria e fita a Deusa da caça.
- Eu sei, mas este não é um mortal comum e tu sabe-lo, além disso aquela sacerdotisa foi violada pelo Deus que servia e isso é uma afronta a mim, protectora das virgens. - Diana avança e coloca-se ao lado de Melissa, fitando o Deus dos mares com cara de poucos amigos. - Deixa-os ir, tio.
- Não os deixarei partir, eles devem ficar aqui. - Netuno volta a apontar o seu tridente na nossa direcção.
- Ora, ora, mas o que se passa aqui, será que chegámos tarde a esta pequena festa? - Vénus entra sorrateiramente na sala mirando todos os presentes com o seu olhar sedutor, Fortuna vem atrás silenciosa.
- Mas o que é isto, uma convenção de mulheres? Rua daqui as três, isto é assunto meu, se precisar de favores femininos eu chamo-vos. - Diz Netuno cada vez mais irritado.
- Ui, adoro quando os homens se armam em porcos machistas, infelizmente é só teatro para compensar a pequenez de certas partes. - Vénus sorri olhando gulosamente para o falo do Deus.
- Ai, Vénus, mas será que não pensas noutra coisa a não ser no sexo? E a pureza e a integridade não te dizem nada? - Replica Diana.
- O que me interessa a pureza ou a integridade quando tenho um homem de joelhos usando a sua língua da maneira correcta. Para mim a virgindade é uma idiotice, quem o é é porque nunca conheceu o verdadeiro prazer e esconde-se atrás dessa parvoíce. - Vénus vira-se para Diana e fita-a maliciosamente.
- Como te atreves!! Prefiro ser virgem do que estar mais aberta do que os portões do Hades. - Responde Diana vermelha de cólera.
As duas Deusas explodem numa discussão tremenda deixando-nos e ao Deus Netuno perplexos. Fortuna ainda silenciosa observa toda aquela cena passivamente, seus olhos encontram os meus e ouço sua voz na minha cabeça.
- Aproveita agora, não vês que estão todos distraídos?
Aceno com a cabeça e faço sinal a Melissa e a Lilian. Ambas dizem as palavras mágicas finais e o pentagrama ilumina-se dando ínicio ao transporte. Antes de desaparecermos ainda consigo ver Diana e Vénus sorrindo e piscando o olho e Netuno espumando de raiva por ter sido enganado.

A Fuga

A torre Este era uma construção peculiar, a sua cor prateada contrastava com o resto da cidade, parecia que nem pertencia ali. Segundo Melissa e Lilian era aqui que o antigo povo atlante guardava as suas magias mais poderosas e, por conseguinte, apenas os feiticeiros mais poderosos e experientes tinham acesso a esta área restrita da cidade. A sua entrada era magnifica, dois dragões de pedra seguravam aquilo que parecia ser o Mundo, mas a sua forma era ligeiramente diferente, os continentes e os oceanos eram estranhos.
- Vejam. - Diz Lilian sorrindo. - Era esta a forma do mundo antes da sua divisão, Terra e Gaia unidas.
- Interessante, pergunto-me como estará a Terra agora, será que também se encontram em relativa paz? - Pergunta Orfeu admirando o belo globo.
A resposta à sua pergunta nunca é dada, não só porque desconhecemos o destino do outro mundo mas também porque aquilo que encontramos dentro da torre nos deixa sem palavras. Pergaminhos e livros estão espalhados pelo chão e pelas gigantescas estantes que se erguem até ao tecto, símbolos arcanos pintados a ouro estão estampados nas paredes e em estandartes com o intuito de proteger e preservar o conhecimento aqui encerrado; os candelabros que iluminam as salas não são mais do que gemas de diamante do tamanho de um punho que captam a luz solar e a conservam no seu interior; as paredes são de prata pura habilmente moldada de forma a criar esta estranha torre.
- Aquilo que procuramos está no último andar. - Diz Melissa quebrando o silêncio alheia ao que se encontra à sua volta. - Também é lá que estão encerradas as magias mais poderosas.
- Se é assim, do que estamos à espera. - Digo sorrindo. - Mas já que vamos embora levemos connosco alguns conhecimentos que nos possam ser úteis.
- Ai, ai, menino cavaleiro, a pensar em roubar? Isso nem parece teu. - Troça Lara.
- Minha querida, desde a festa de ontem que eu ainda não estou em mim. - Pisco-lhe o olho. - É melhor aproveitarmos enquanto ainda temos tempo.
Enchemos os nossos sacos de pergaminhos e livros repletos de magias enquanto subimos pela escada em espiral. O último piso estava carregado de uma magia pesada, muito antiga, como se todo o conhecimento universal estivesse aqui encerrado.
- Chegámos finalmente. - Diz Melissa aliviada. - Lilian, vais ter que me ajudar.
- Esperem lá, onde é que está esse transportador? - Pergunto.
- Basta olhares para o chão, amor. - Diz Lilian sorrindo.
Um pentagrama estava pintado sobre as tábuas de madeira, a sua cor vermelha parecia pulsar de vida e de força.
- Tenho pena de deixar todos estes livros para trás, mas já não consigo levar mais nada. - Diz a feiticeira entristecida.
- Não seja por isso. - Orfeu sorri. - Tenho aqui um saco mágico, daqueles que podemos carregar toneladas de carga sem que aumente o seu tamanho ou o seu peso.
Lilian e Melissa colocaram-se em posição entoando os seus feitiços enquanto nós esvaziavamos as estantes e tudo o que considerávamos de valor.

O pentagrama começa a brilhar e Melissa dá-nos sinal que está tudo pronto.
- Agora só temos que nos colocar no centro e saímos finalmente deste local. - Diz a sacerdotisa.
- Ninguém vai a lado nenhum. - Uma voz forte ecoa pela sala, Neptuno estava mesmo à nossa frente, seus olhos chispavam de fúria. - Como se atrevem a abandonar a cidade sagrada sem a minha permissão?
- Somos livres de fazer o que quisermos e escolhemos sair daqui. - Grita Lilian.
- Como te atreves, vão pagar bem caro por esta insolência!!! - O Deus possesso de raiva leva as mãos ao seu tridente e prepara-se para nos atacar.

A Manhã Seguinte

A festa da noite anterior deixara as suas marcas, tudo naquele palácio parecia estar de pernas para o ar, a gordura e o vinho haviam manchado as paredes e o chão, pelas mesas ainda se podiam encontrar os restos do belo banquete de ontem e caídos pelos cantos e pelos jardins jaziam alguns dos convidados, ainda bêbados claro.
- Pelos Deuses, eu já tinha ouvido falar da loucura destas festas mas nunca havia presenciado nenhuma. - Exclama Lilian enquanto caminha por entre os corpos inanimados.
- Menina, como tu és inocente. - Responde Lara. - No meu mundo isto acontece dia sim e dia não, mas de certa maneira compreendo-te, como é que podemos rezar e orar a bestas destas?
- A religião é o ópio do povo, no fundo precisamos de nos sentir seguros, precisamos de saber que existe alguém que pode aparar a nossa queda. - Comento tentando evitar as "divindades" adormecidas.
- E será que vale a pena? - Lilian fita-me desejosa de saber a minha opinião.
- De facto não te posso responder a isso, mas existem pessoas a que uma simples ida ao templo dá um significado às suas vidas. Pessoalmente é uma perda de tempo, como podes ver, embora sejam imortais e tenham poderes extraordinários comportam-se tal e qual como nós, simples mortais. Tentamos vê-los como criaturas perfeitas mas não o são, são tão imperfeitos como tu e eu, choram, riem, zangam-se e perdoam, enfim, por vezes podemos viver uma vida inteira a tentar agradá-los com oferendas e eles nem sequer nos ligam.
- És capaz de ter razão, meu amor. - Responde Lilian.
- É claro que tem razão, vocês humanos são uns tolos, dão crédito a divindades que nem sequer vos passam cartão, apenas vos usam para satisfazer os seus caprichos e desejos. - Intromete-se Lara desdenhosamente.
- Oh, sim, e vocês demónios são muito bons, não têm medo de nada nem rezam a ninguém, não é verdade? - Digo sarcasticamente.
- Bom, isso não é bem assim, nós tembém temos o nosso panteão, mas...
- Mas apenas o toleram porque o receiam, não é verdade? - Digo imediatamente. - Tu e os demónios são muito engraçados, estão sempre a dizer que não têm medo de nada e que são os melhores porque se abstraiem de certos sentimentos e no fim de contas são uns medrosos.
- Como te atreves!! - Lara fita-me furiosa. - Retira já o que disseste ou eu...
- Ou tu o quê? Por acaso disse alguma mentira? Se sim então não te importas que pronuncie o verdadeiro nome da vossa deusa mãe, como é mesmo o nome? As...
- Cala-te!!!! - Grita a demónio com um misto de raiva e receio. - Não deves pronunciar o nome dela ou trarás um grande mal.
- Vês? És uma medrosa de primeira categoria, minha adorada. - Puxo a demónio para mim e beijo os seus lábios.
- Sim e devo estar muito doente, só assim explico o que sinto por ti, humano idiota. - Murmura Lara.

Continuamos a caminhar procurando por Orfeu e por Melissa mas sem sucesso algum.
- Alto. - Diz Lilian. - Não estão a ouvir? Parece que está alguém a chorar.
- Tens razão, feiticeira, e vem dali. - Lara aponta para uma porta do outro lado do salão.
Ao abrir encontramos Melissa sentada no chão com a cabeça sobre os joelhos chorando copiosamente, Orfeu estava ao seu lado tentando consolá-la.
- O que aconteceu? - Pergunto preocupado.
- Não sei, ela não me responde. - Responde Orfeu afagando o macio cabelo ruivo da sacerdotisa.
- É natural, certamente que ela não se sente à vontade, deixem-nos a sós. - Ordena Lilian num tom de voz que não admite recusa.
Afastamo-nos e deixamos as duas a conversar.
- Orfeu, Orfeu, seu sonso, o que fizeste à rapariga? - Pergunta Lara sorrindo.
- N-nada, nada. - O rapaz fica vermelho que nem um tomate tal é a vergonha. - E-eu já a encontrei assim, t-tentei acalmá-la m-mas não consegui.
- Não vês que a demónio se está a meter contigo? É claro que não fizeste nada, mas algo lhe aconteceu, e eu quero saber o quê.
Minutos depois Lilian regressa cabisbaixa.
- O que é que ela tem? - Perguntamos em coro.
- Durante a festa Júpiter violou-a. Ela só quer sair daqui.
- E vamos sair, mas não temos como, Netuno controla o mar e a única saída é por aí. - Respondo.
- Não exactamente. - Diz subitamente Melissa, sua voz estava diferente, já não era a mulher altiva e orgulhosa. - Na torre Este existe um teletransportador, podemos usá-lo.
- Sim, mas requer uma magia muito poderosa e nós nem sabemos onde vamos parar. - Diz Lilian hesitante.
- Para onde quer que nos leve sempre será melhor que este lugar. - Digo olhando para Melissa. - E afinal de contas, tu e eu podiamos não nos dar muito bem, mas somos um grupo e temos que nos manter unidos, e eu vou tirar-te daqui nem que para isso tenha que enfrentar todos os deuses!!

O Banho

Acordo exausto, a noite anterior sugou completamente as minhas forças mas em compensação deixou-me com um sorriso de orelha a orelha estampado no rosto. Lara e Lilian ainda dormem profundamente agarradas uma à outra, suas expressões revelam um prazer e uma satisfação tremendas. Levanto-me deixando um beijo nos lábios de cada uma e dirijo-me para o quarto de banho com o intuito de me deitar na banheira e relaxar. Tudo neste palácio foi feito a pensar em grande, até as banheiras; os quartos de banho foram construídos com belos azulejos de azul intenso e decorados com frescos sobre a fauna e a faina marinha, estavam tão perfeitos que parecia que estávamos no fundo do Oceano. Deixo a água correr até encher totalmente a banheira, está tão quente que o quarto rapidamente se torna numa pequena sauna, deito-me dentro dela e fecho os olhos enquanto suspiro de prazer ao sentir os meus músculos relaxarem um por um.

- Preparaste um banho e nem me convidas? - Abro os olhos e vejo Lara na ombreira da porta fitando-me e lambendo os seus lábios, sua cauda agita-se calmamente atrás de si.
- A banheira é grande, se quiseres podes juntar-te a mim. - Um sorriso safado desenha-se em meus lábios enquanto contemplo o seu corpo escultural.
A demónio entra na banheira sem desviar o seu olhar do meu e deita-se à minha frente sorrindo. O seu pé percorre os meus ombros e detém-se em frente dos meus lábios atiçando-me; beijo-o e lambo seus dedinhos enquanto observo o sorriso maroto de Lara e o brilho intenso do seu olhar. Provocando-me a demónio retira o seu pé da frente dos meus lábios e condu-lo em direcção ao meu falo adormecido com o intuito de o acordar. Cerro os olhos ao sentir as suas carícias, ao sentir os seus pés brincando com ele, deixando-o duro e preparado. A demónio deixa a sua posição e lança-se sobre mim roçando sua pele na minha e passando a acariciar-me com as suas mãos mordiscando loucamente o meu pescoço queixo e lábio inferior.
Lilian entra no quarto precisamente nesta altura e deixa escapar um gritinho de surpresa, Lara interrompe os seus avanços e olha para ela sorrindo, eu fito-a também um pouco apreensivo quanto à sua reacção, mas depressa constato que o seu olhar nos observa com interesse.
- Anda. - Digo-lhe estendendo a mão.
A feiticeira sorri um pouco corada mas aquiesce ao meu pedido e entra na banheira, Lara recebe-a com um beijo tórrido e envolvente deixando-me completamente abandonado. Cansado como estou isso pouco me importa, aceito de bom grado a posição de espectador enquanto estas duas mulheres que eu amo e adoro fazem amor uma com a outra. A demónio beija os seios de Lilian com um prazer voraz enquanto sua mão escorrega de encontro à sua fonte das mil delícias, Lilian geme de prazer ao sentir os dedos de Lara acariciarem-na desta forma, seus olhos encontram os meus soltando faíscas de luxúria.
A demónio sorri ao ver a sua rival à sua mercê e olha para mim sorrindo e piscando-me o olho, conheço aquela expressão, coisa boa não vai sair dali. Num movimento rápido a demónio coloca-se atrás de Lilian beijando e mordiscando a sua nuca e obriga-a a deitar-se por cima de mim, a feiticeira rendida atira-se sobre a minha boca devorando-a de beijos quentes e loucos. Lara vai controlando a cena, beijando e devorando as virilhas e o ânus da feiticeira, ao principio esta estranha, mas depois deixa-se levar por aquelas sensações maravilhosas e pela língua experiente da demónio. Meu falo duro já não aguenta o roça roça da pele de Lilian e como que por vontade própria penetra-a sem hesitação forçando a feiticeira a soltar um grito de prazer ao sentir-me dentro dela, seu rosto corado devido ao calor da água e da sala realça ainda mais a sua beleza e os seus olhos verdes encantadores parecem vibrar a cada toque e a cada movimento. Lara deita-se por cima de Lilian mordiscando a sua nuca como se esta fosse uma presa, sua cauda, que aumentou consideravelmente devido à sua excitação, penetra lentamente no ânus da feiticeira forçando-a a soltar um grito de dor e a cravar as suas unhas na minha pele. Olho para a demónio com um olhar reprovador preparado para lhe ordenar que parasse com aquilo mas Lilian impede-me, conseguia ler nos seus olhos um misto de prazer e dor e fico sem saber o que dizer ou pensar, a feiticeira capta os meus pensamentos e beija-me enquanto Lara a penetra por trás. Lilian grita e geme ao sentir-nos dentro dela, é um momento mágico e louco, de facto esta rapariga não pára de me surpreender a cada dia que passa.

Estando os três cansados não demora muito até atingirmos a satisfação absoluta entre gemidos e alguns gritos abafados. Lilian deixa-se ficar entre nós extasiada e ofegante acariciando o meu pêlo e beijando o meu peito.
- Pões-me louca. - Diz ela com a voz abafada.
- Já deu para ver. - Digo sorrindo.

A Festa

O jantar foi muito agradável, comemos, bebemos e rimos muito até não poder mais, Neptuno é de facto um grande anfitrião. Ficou acordado depois do jantar que se iria organizar uma grande festa, uma festa para comemorar a reabertura da cidade perdida, todos seriam convidados, Deuses, semi-deuses e imortais, mas até lá poderiamos explorar a cidade e aprender os seus segredos. Lilian e Melissa ficaram extasiadas ao ouvir isto, sendo ambas peritas nas artes arcanas encararam esta permissão como um sonho tornado realidade, afinal de contas que segredos esconderia este local tão misterioso, que magias poderosíssimas estariam encerradas nas suas vastas bibliotecas e escolas? Durante dois dias e duas noites pesquisaram e estudaram centenas de livros, devorando-os e copiando-os para os seus caderninhos, dava para ver através dos seus olhos cansados a sua excitação e emoção. Senti a falta da Lilian nesses dias, mas não me atrevi a dizer nada pois não seria justo privá-la de um achado e de uma oportunidade como esta, por isso, e uma vez mais, eu e Lara vagueámos pela cidade inspecionando os expositores de armas e os mecanismos de defesa disponíveis; Orfeu limitou-se a ouvir as histórias das sereias anotando cada uma das suas palavras.

O dia da grande festa chega rapidamente, parece que todas as divindades existentes aceitaram o convite e passeiam pelas ruas e pelos luxuosos salões do palácio como se fosse a coisa mais natural do mundo. Para ser franco estou um pouco nervoso, sou afinal de contas um mero mortal e estar rodeado desta maneira por seres tão poderosos deixa qualquer um neste estado. Todos tentavam dar o seu contributo para melhorar a festa, Baco fazia aparecer como que por encanto rios de vinho que corriam magicamente para as taças dos convidados, Diana trouxe consigo várias peças de caça de primeira qualidade ajudando a tornar o banquete o mais delicioso possível e Vénus, a doce e bela Vénus, espalhava pelo ar a boa disposição e o amor sem fim.
Dado uma mistura tão explosiva como esta e visto que os Deuses se deixam levar pelos seus vorazes apetites sexuais estava-se mesmo à espera que a festa fosse acabar desta forma, numa orgia completa. Assim e sem se saber muito bem como começou, todos os convidados se foram desinibindo e deixando-se levar por um ambiente tão perfeito e libertino.

Lilian, Lara e eu conversávamos animadamente sobre a festa quando aquele frenesim lascivo nos atingiu, uma onda de calor invade-nos e nossas mentes ficam ébrias de uma excitação inexplicável que nos corta a razão e nos lança num estado primário onde os impulsos sexuais falam mais alto. Talvez por ser uma demónio, Lara já esteja habituada a cair neste estado e por isso antes que as coisas se tornem "feias" guia-nos imediatamente para o seu quarto. É impossivel resistir àquele encantamento louco, a minha mente rende-se a estes instintos e atiro Lilian para cima da cama enquanto puxo de encontro ao meu corpo a sedutora demónio. Beijo-a sem hesitação, um beijo frenético e carregado de desejo, minhas mãos percorrem o seu corpo alpalpando-o e cobiçando-o. Atiro-a para cima da cama, para perto de Lilian, e começo a despir-me, a cena que se desenrola diante de mim é inacreditável, enquanto tiro as minhas roupas as duas mulheres lançam-se nos braços uma da outra beijando-se e tocando-se mutuamente, a feiticeira solta gemidos de prazer enquanto a demónio lhe mordisca o pescoço e coloca a sua mão entre as pernas.
Meu falo ergue-se majestosamente ao ver aquelas belas mulheres brincando uma com a outra, ambas reparam no meu estado e param imediatamente o q estão a fazer para se concentrar em mim. Só posso cerrar os olhos de prazer ao sentir as suas carícias, suas línguas brincando com o meu falo duro; solto por vezes uns sorrisos safados ao vê-las brigar pela minha posse, ai, estou nas núvens! Por esta altura tudo o q restava das nossas inibições desaparecera por completo, já não éramos humanos ou demónios, mas sim meros animais que se submetiam ao prazer absoluto, deitados naquela cama enorme saciando a nossa fome. Lilian soltava gritos de prazer enquanto Lara, com a boca entre as suas pernas, a devorava e se saciava com aquele mel que brotava do seu interior, eu fazia precisamente o mesmo que a demónio, mas concentrava-me nela obrigando-a a soltar os seus gemidos deliciosos. Meu falo palpitava de loucura, eu já não aguentava mais tinha que possuir uma delas, por isso puxei Lara para mim e penetrei-a sem hesitação, a demónio soltou um grito enorme de surpresa, seus olhos faíscaram e um sorriso de puro parzer desenhou-se na sua face. Lilian colocou-se atrás de mim abraçando-me e beijando o meu pescoço vendo-me possuir a demónio apoiada de quatro e deixando-se levar pela loucura. "Não me abandones, também quero um bocadinho" sussurrou ela ao meu ouvido, as suas palavras tiveram o seu efeito obrigando-me a deixar a demónio semi-saciada e dedicar-me à feiticeira. Os papeis invertem-se e a demónio ergue-se atrás de mim mordendo o meu pescoço e vendo a sua rival a ser possuída por mim. Os olhos de Lilian estão possessos pelo prazer, seus belos seios estão rijos e apetecíveis e não lhes resisto, Lara segreda-me algo ao ouvido e abandona-me deixando um rasto de saliva nas minhas costas; coloca-se diante de mim, acocorada em cima da boca de Lilian, para que esta a satisfaça plenamente. Ambas gemem de prazer, os lençóis estão ensopados, não só de suor mas também do líquido de prazer que brota das duas, o meu grito junta-se ao delas e deixamo-nos levar por este orgasmo maravilhoso.

Caímos ofegantes em cima uns dos outros, soltando risos e carinhos, estamos exaustos, nem nos consegumos mexer e assim adormecemos...

Atlântida

Neptuno conta-nos a história da cidade enquanto nos guia pelas estreitas ruas, seu olhar bem disposto e matreiro centra-se nas minhas companheiras, afinal de contas, embora seja um Deus o seu insaciável apetite sexual é bem conhecido pelos quatro cantos de Gaia. A Atlântida é de facto um local extraordinário, perdida durante mais de mil anos, tanto para mortais como para imortais, e mesmo assim ainda se mantém intocável, como se o tempo tivesse parado neste local do universo. Os edíficios são de uma beleza e de uma complexidade arquitectónica fabulosa, suas formas ovais indicam o avançado nível tecnológico do povo que aqui vivera e suas cores e tons, alguns que nem consigo descrever tal a sua elegância e raridade, são capazes de encantar e seduzir o artista mais conservador. O Deus dos mares conduz-nos a um belo palácio enfeitado com frescos vivos e encantadores que realçam a vida marinha e relatam algumas aventuras do próprio Netuno. É de facto um local digno para um rei ou para um Deus, seus portões em ouro maciço e suas colunas esculpidas em mármore azul contrastam de uma forma peculiar com o resto da cidade. Foi construído para dar o maior conforto aos seus inquilinos, possui áreas de lazer e prazer, banhos quentes e frios, enormes jardins povoados de árvores e arbustos coloridos, estábulos e aquários e um gigantesco salão composto por uma mesa rectângular e um belo trono de ébano colocado à cabeça da mesma. Neptuno senta-se nele e com um gesto pede que nos sentemos também.
- Como te disse ainda agora, humano, concedo-te um desejo. - Diz Ele com a sua voz possante.
- Agradeço-Vos, vossa majestade, mas de momento não sei o que pedir, tenho tudo o que preciso. - Respondo genuinamente.
- Isso não tem importância, quando estiveres preparado pede e serás atendido, o que interessa agora é que aprecies a estadia na minha cidade.
- Estadia? Mas, divino senhor, não podemos aceitar, temos de estar em Nova Roma para a reunião do Senado.
- Como? Mas eu pensei que te tivessem avisado sobre o perigo que corrias, se fores a Nova Roma o que encontrarás é a morte e nada mais. Ficas, por isso, aqui comigo e apreciarás a minha cidade.
- Mas que tenho eu de especial para receber um aviso Vosso? - Pergunto confuso.
- Ora, isso não te posso responder, mas sabê-lo-ás em breve. - Neptuno lança-me um olhar claro dizendo-me que a conversa terminou. - E agora vamos comer que estou esfaimado!

A Reunião

A sereia sorria para mim enquanto os enormes portões esverdeados se abriam de par em par. A cidade perdida estava ali mesmo à minha frente, ouro, jóias, magias poderosíssimas eram uma vez mais reveladas ao mundo com a abertura daquelas portas enferrujadas, mas eu nem sequer pensava nisso, apenas pensava em meus companheiros, em especial na Lilian e na Lara.
- O que se passa, humano, não estás contente por ter aberto finalmente as portas desta antiga e poderosa cidade? - Pergunta ela tentando ler o meu olhar.
- É-me indiferente, sereia. - Respondo secamente. - Diz-me, onde está o barco e a sua tripulação?
- Não te preocupes com eles, estão bem. - O seu sorriso era encantador, mas não me convencia. - Agora vamos entrar e descobrir que tesouros ainda encerra a Atlântida.
- Eu não saio daqui sem que me digas onde estão eles.
- És muito teimoso, humano, mas tens bom coração. - Uma voz forte ecoa atrás de mim. - Os teus amigos estão bem e como paga por teres aberto uma vez mais as portas da minha cidade, concedo-te um desejo.
Viro-me para encarar esta nova personagem mas fico petrificado de espanto ao ver quem me dirige a palavra.
- Neptuno, Deus dos mares. - Deixo escapar aparvalhadamente.
Era de facto Neptuno quem se encontrava diante de mim, estava nú mostrando seu corpo musculado, numa das mãos segurava o seu famoso tridente capaz de provocar terramotos e maremotos e a outra cofiava a longa e espessa barba grisalha; vinha montado nas próprias ondas como se de uma carruagem se tratassem. Atrás dele a figura de um navio emerge de um espesso nevoeiro. Engraçado, não tinha reparado no nevoeiro antes...
Os meus companheiros saltam do barco e correm na minha direcção, Lilian lança-se em meus braços cobrindo-me de beijos.
- Onde estamos? - Pergunta Lara.
- Em frente da cidade perdida da Atlântida. - Respondo com um sorriso.

A Praia

Calor, muito calor... O tempo está tão quente que todo o meu corpo parece estar em chamas... Pela minha mente fragmentos de memória irrompem sem aviso mostrando-me as últimas cenas antes de perder a consciência. Perder a consciência? Mas eu estou inconsciente? Lembro-me de uma escuridão tremenda abater-se sobre nós, gritos, muitos gritos, Lilian segurando o meu braço e depois... nada, simplesmente nada... Ai! Este calor é insuportável, quero acordar, quero gritar mas não consigo, estou preso nestas trevas sem fim... Ao menos o cheiro a maresia e este som de ondas que parecem rebentar sem pressa acalma-me... Lilian, meu amor, minha adorada, onde estás? Ainda ouço o teu grito e ainda sinto o teu braço a fugir do meu, oh, lamento de não te ter ajudado, mas... Ai! não me consigo lembrar, a minha cabeça dói-me muito, não é só a minha cabeça, todo o meu corpo me dói...

Abro lentamente os meus olhos e uso todas as minhas forças para tentar erguer-me mas sem êxito, deixo-me cair de novo sobre a areia quase perdendo os sentidos novamente. Respiro fundo e fecho os olhos tentando concentrar-me e rezando que tudo à minha volta pare de girar. Levanto-me uma vez mais, mas desta vez com sucesso, olho em meu redor tentando descobrir onde estou. Um imenso areal estende-se até onde a minha vista consegue alcançar, engraçado, parece que já aqui estive, mas não me recordo de quando foi isso. Caminho sem destino sob aquele Sol impiedoso que me queima a pele, tento recordar-me como conheço este lugar mas tudo o que consigo é avivar a minha dor de cabeça. Algo me prende subitamente a atenção, um objecto enterrado na areia escaldante brilha com grande intensidade, quando o examino mais de perto não consigo deixar de escapar um grito de surpresa, é a Adaga, mas como? Ela afundou-se no mar, como pode estar aqui diante de mim? Pego nela com um pouco de receio, da última vez queimou-me as mãos, não quero que o volte a fazer, por isso com cuidado toco primeiro com um dos dedos para me certificar da sua temperatura, mas ao contrário do que esperava a sua lâmina está fria, tão fria que um arrepio de frio percorre a minha espinha. Assim que pego nela a minha mente começa a clarear, começo a lembrar-me do que aconteceu.
- Guerreiro, voltaste! - Exclama uma voz atrás de mim.
Viro-me para encarar esta nova personagem, iria jurar que estava sozinho. Uma sereia encontra-se diante de mim sorrindo.
- A sereia, a Adaga, o sonho que tive no templo. - Murmuro.
- Trouxeste-a! Finalmente a Adaga regressou a casa. - A sereia olha para mim sorridente e estende o seu braço. - Dá-ma!
Não sei o que fazer, que garantias tenho que ela não irá usar este objecto encantado para o mal? Afinal de contas é uma sereia, uma encantadora de Homens. Ela apercebe-se a minha indecisão.
- Não tenhas medo, humano, por vezes é preciso confiar, seguir o nosso instinto. O que diz o teu?
- Para confiar...
Entrego-lhe o pequeno punhal, seu rosto ilumina-se de alegria, mas não é só ele que se ilumina, também a Adaga solta um brilho esquisito.
- Tu não sabes o que acabaste de fazer, humano. O que me entregaste não é uma arma, é uma chave, uma chave que vai voltar a abrir as portas da cidade perdida da Atlântida. - A sereia beija os meus lábios. - Muito obrigado, humano.
Uns portões esverdeados aparecem de repente à minha frente, a sereia introduz a Adaga na ranhura e o som de uma fechadura a abrir ecoa pela praia deserta. O portões rangem e abrem-se sozinhos.
- Bem vindo à Atlântida, humano. - Diz ela esboçando um sorriso triunfante.

A Viagem

Partiramos de Lucrécia há dois dias e até agora tudo parecia perfeito, o mar calmo e o forte vento que soprava na direcção certa fazia o barco voar sobre as ondas. Cada um de nós passava por uma experiência diferente, Orfeu sentia-se como peixe na água, pois todos os marinheiros o consideravam um amuleto e como tal apaparicavam-no com todas as comodidades; Lara preferiu manter-se no seu camarote, o seu desprezo por barcos e a sua influência negativa para com a tripulação altamente supersticiosa não lhe criaram propriamente muitas amizades, excepto é claro para os meio-demónios que também serviam como marinheiros, para esses ela era considerada como uma superior, um modelo a seguir, uma mulher perfeita, mas por incrível que pareça, para ela, eles mantinham-se numa posição mais baixa do que a dos humanos; Melissa parecia, como sempre, alheia a tudo, o seu estatuto de sacerdotisa dava-lhe uma aparência imponente, aparência essa que ela usava habilmente de forma a conseguir o que queria; Lilian mantinha-se quase sempre na proa do navio apreciando a brisa marinha e observando o rebentamento das ondas no casco, seus cabelos soltos esvoaçavam ao sabor do vento dando-lhe uma imagem de grande beleza.
- E então, o que estás a achar da viagem? - Pergunto enquanto me aproximo por trás.
- Fantástica, meu amor! - Exclama ela jovialmente esboçando um enorme sorriso e fitando o horizonte.
Enrolo os meus braços em volta da sua cintura e beijo sua nuca.
- Ainda bem. Não tarda chegaremos a Linitar e depois seguiremos para N.R.
- Eu sei. - Diz ela virando-se para mim e enrolando seus braços à volta do meu pescoço. - Só de pensar que em breve deixaremos este barco fico com o coração destroçado, estou a adorar a viagem. - Seus lábios gelados tocam nos meus.
- Brrr, menina como estás gelada.
- Não te preocupes, daqui a pouco aqueces-me. - Diz sorrindo e piscando o olho.
- Estás a tornar-te cada vez mais marota, minha feiticeira, mas não te preocupes eu adoro que sejas ass... Ai!!!! - Uma dor lancinante faz-me soltar um grito enorme.
- O que se passa? - Pergunta Lilian preocupada.
Levo a mão à minha coxa e retiro a pequena adaga que encontrei no templo, a Adaga da Atlântida, estava tão quente que mal a podia segurar. Uma onda bate subitamente na proa obrigando a embarcação a oscilar, a pequena adaga escorre por entre os meus dedos e cai na água sem que eu pudesse evitar.

O tempo muda de repente, um vento forte começa a soprar e nuvens negras vindas não se sabe de onde preenchem o céu anunciando uma terrível tempestade. O som de trovões enche o ar e relâmpagos começam a cair dos céus como se Júpiter estivesse furioso, nem mesmo as bençãos de Melissa ou as músicas de Orfeu pareciam ter algum impacto nesta ira divina inexplicável. No local onde a adaga caiu abre-se um enorme redemoinho que começa a puxar tudo o que se encontra à sua volta para o seu interior, todos lutamos corajosamente para sair daquele inferno aquático, mas por mais que tentemos já estamos presos nele, não há escapatória. A escuridão atinge-nos e logo a seguir vem um silêncio ensurdecedor, é o fim...

A Partida

A cidade de Lucrécia é um dos principais centros de comércio situados no Norte da República, o seu enorme e lendário porto alberga centenas de navios, mercantes e militares, que chegam e partem de e para todos os cantos de Gaia. Capturada em 1841DR pelo general Emilio Justino durante as invasões bárbaras, tornou-se rapidamente num poderoso posto avançado que mais tarde foi convertido em cidade, sua importância estratégica devido à sua localização e ao seu porto natural ainda hoje são reconhecidas. Enormes muralhas negras cercam a cidade dando-lhe um aspecto ameaçador e tenebroso àqueles que a vêem pela primeira vez, bandos de gaivotas voam em circulos soltando os seus sons característicos numa espera esfaimada pelo peixe fresco acabado de pescar. Mesmo a uma distância considerável da cidade conseguimos sentir o seu cheiro, uma mistura de peixe, especiarias e perfumes engolem não só Lucrécia mas também as regiões circundantes.
- Teremos mesmo que passar por esta cidade, meu amor? - Pergunta Lilian um pouco enjoada.
- Receio bem que sim, daqui apanharemos um barco para Linitar e depois seguiremos pela via Ápia até Nova Roma. - Respondo sorrindo tentando contrariar e melhorar o seu enjoo.
- Barcos! Detesto-os, passo a vida a tropeçar e a cair. - Comenta Lara irritada.
- Não tenhas problemas, demónio, ao teu lado está uma sacerdotisa que velará por ti. - Intromete-se Melissa no seu tom de voz snob.
- Sim, ainda bem, já me sinto muito melhor agora que me disseste isso. - Responde sarcasticamente a demónio.
- Vamos, vamos, não se enervem, durante a viagem cantarei músicas elogiando Neptuno e dando ânimo aos marinheiros de forma a termos uma viagem segura, calma e rápida. - Diz Orfeu acalmando os ânimos.

No porto ouvimos boatos de que algo se passa na Capital, um homem tomara conta do Senado e estava a causar grandes distúrbios por toda a República, alguns diziam que estávamos à beira da guerra civil, outros anunciavam já o final da tirania de Roma, enfim, todos estes boatos não anunciavam nada de bom para a nossa viagem nem para o que nos esperava. Partimos ao entardecer num belo barco chamado Estrela de Inverno, um barco pequeno mas veloz, segundo o seu capitão chegaremos a Linitar dentro de três dias. Embora tudo estivesse a nosso favor não pude deixar de sentir um arrepio na espinha no momento em que zarpámos do porto, não havia maneira de voltar atrás, que seja aquilo que os Deuses quiserem...

Tudo Tem Uma Razão

Dirijo-me aos estábulos para preparar o Relâmpago para a nossa longa jornada de sete dias. Embora não o demonstre estou completamente furioso e muito desiludido com Lilian, nunca esperei que uma rapariga tão inocente como ela me pudesse fazer uma coisa destas, mas a verdade é que o fez.
O som de uma harpa capta a minha atenção, é um som belo e melodioso, cheio de alegria e ternura, maravilhado sigo-o para tentar descobrir de onde provém. Não preciso de caminhar muito, ali, ao longe, consigo distinguir a forma de um jovem de 19/20 anos sentado numa pedra enorme cantando e tocando a sua harpa dourada, a sua voz acompanhada pelo som melodioso daquelas cordas deixa-me enfeitiçado. Descuidado piso um ramo seco dando ao rapaz um sinal que alguém o observa. A música pára e o jovem fita-me com os olhos marejados de lágrimas.
- Peço desculpa por interromper a tua música. - Digo enquanto avanço na sua direcção. - Mas porque é que um rapaz que toca uma música tão bela e alegre chora com tanta tristeza?
O jovem esboça um sorriso tímido.
- Porque tenho o dom de cantar e encantar e a maldição de despertar os sentimentos mais loucos no coração das pessoas.
- Como assim, não te estou a entender.
- Ontem arranjei um emprego como bardo naquela estalagem, estava tão contente que mal podia conter a minha felicidade. Toquei e cantei músicas que coadunavam com o meu estado de espírito, estava tão imerso na minha felicidade que nem dei pelo ambiente que estava a criar. Cantei Paixão de Páris e Helena, uma história tão romântica e tão triste, quando olhei para a audiência esperando para ver a sua reacção é que me apercebi do que tinha feito, a harpa lançara um feitiço sobre todos eles, um feitiço de amor que libertou os seus corações e os lançou num oceano de prazer e loucura. - Os seus olhos tristes fitam-me. - Agora percebes porque choro, para onde quer que vá a minha música contagia todos os presentes, adoro cantar e o meu som é a minha maldição.
- Então foi isso que aconteceu... Isso explica a reacção da Lara e da Lilian. - Murmuro.
- Como?
- Nada, nada, estava apenas a pensar em voz alta. Diz-me, para onde vais agora?
- Não sei... Talvez para longe da civilização.
- Hm, e se eu te convidar para te juntares a mim e ao meu grupo?
- Falas a sério? - Um brilho de alegria invade o seu olhar.
- Sim, um bardo é sempre útil num grupo e pelo que parece és muito bom.
O rapaz cora com o meu elogio.
- Obrigado, é bom ouvir essas coisas.
- Partimos daqui a uma hora, vai ter connosco aos estábulos, está bem... ah... hm... como te chamas?
- Orfeu! - Diz ele com um grande sorriso.

Corro em direcção à estalagem, pensando o quão estúpido fui, é natural que a Lilian não pudesse explicar o que fez, foi vítima da música. Lilian ainda estava no salão juntamente com Melissa que tentava desesperadamente confortá-la.
- Lilian! - Exclamo ao vê-la naquele pranto enorme. - Eu lamento, fui um idiota, mas quando te vi a sair do quarto dela foi como se o meu coração tivesse explodido.
- Eu não sei o que me aconteceu, eu amo-te, mas era como uma força que me incitava a fazer o que fiz, oh, eu traí-te e mesmo assim não me consigo arrepender. - Grossas lágrimas rolavam pelo seu rosto.
Sorrio para ela afagando o seu cabelo.
- Todos vocês no salão estavam sob o efeito do bardo e da sua harpa, foram enfeitiçados sem o saberem. - Acaricío suas mãos macias.
- Verdade? - Perguntam as duas surpreendidas.
- Sim. Desculpa-me mais uma vez Lilian por ter reagido daquela maneira, eu já devia saber que não serias capaz de fazer uma coisa dessas.
- Quem te deve pedir perdão sou eu por me ter deixado levar, afinal de contas sou uma feiticeira não devia ser vulnerável a tais encantamentos.
Abraçamo-nos e beijamo-nos como se tivessemos estado separados durante anos.
- Logo não te escapas, vais ter de me contar se a chata da Melissa foi melhor que eu. - Segredo-lhe ao ouvido.
- É um parvinho, meu amor. - Diz Lilian rindo.

E Assim Começa Um Belo Dia...

Dormi pouco nessa noite, a conversa que tive com a Lara deixou-me acordado até altas horas, não consigo explicar mas a demónio que se encontrava ontem à minha frente não podia ser a Lara, o seu olhar tão terno, tão doce e repleto de amor contradizia com a sua maneira de ser. Levanto-me ainda mais fatigado do que quando me deitei, abro os cortinados e uma luz intensa penetra no quarto dando-me os bons dias, Lilian não dormira comigo, aliás, nem sequer apareceu ontem para falar, esquisito, mas pensando bem, o dia de ontem não teve nada de normal... Tomo um duche rápido e visto-me apressadamente, tomei a minha decisão e está na hora de a comunicar às minhas companheiras. Ao sair do quarto tomando a direcção do salão, vejo Lilian saindo do quarto de Melissa, seus cabelos estão desalinhados, sua roupa descomposta e seu rosto avermelhado juntamente com os seus olhos cúmplices deixam transparecer o que sucedeu. A feiticeira nem dá pela minha presença, caminha com um ligeiro sorriso de contentamento ajeitando o melhor que pode as suas roupas e o seu cabelo.
- Espero que tenhas gostado. - Digo-lhe.
Lilian olha para mim como se tivesse sido apanhada fazendo algo ilegal, o sorriso desaparece e tenta gesticular alguma coisa em sua defesa, mas o meu rosto inexpressivo deixa-a sem palavras.
- Não precisas de dizer nada, os teus olhos falam por ti. - Viro-lhe as costas e desço calmamente em direcção ao salão, antes de chegar ao fim do lance de escadas atiro-lhe estas palavras. - Ah, é verdade, quero que tu e a tua "amiga" se encontrem comigo no salão daqui a uma hora, temos assuntos para tratar.

Lara já se encontrava no salão bebendo uma bebida fumegante que nem me atrevo a perguntar o nome, assim que me vê levanta-se bruscamente e avança na minha direcção agarrando-me violentamente.
- Se comentas com alguém sobre o que aconteceu ontem eu juro que te mato, humano. - Os seus olhos chispavam de fúria.
Esboço um ligeiro sorriso e puxo o seu cabelo de tal forma que a obrigo a soltar um grito de dor.
- Descansa escrava, o teu segredo está seguro comigo. - O ódio no seu olhar dissipa-se ao ver o brilho gélido em meus olhos. - Mas toma cuidado, o feitiço não foi quebrado e eu continuo a ser teu mestre. - Deito-a ao chão e sento-me numa das mesas pedindo o pequeno almoço.
Lara levanta-se afagando a zona dorida com um brilho de prazer no olhar, mordiscando o lábio inferior senta-se à minha frente esboçando um enorme sorriso.
- Não sei o que aconteceu ontem, mas adorei a mudança.
Ignoro o comentário e olho para ela friamente.
- Partimos hoje para a Capital.
- Então sempre vamos?
- Sim e agora cala-te, vamos esperar pelas outras e tomar o pequeno almoço em paz, partimos daqui a duas horas. - Lara fita-me com prazer e acompanha-me em mais um manjar divinal.

Lilian e Melissa descem juntas uma hora depois, a feiticeira corre na minha direcção assim que me vê sentando-se a meu lado e segurando a minha mão.
- O que se passa, meu amor? - Diz-me ela numa voz carregada de ternura.
- Nada. - Digo libertando a minha mão da dela sob o olhar perplexo de Lara. - Apenas vos quero preparadas pois daqui a uma hora partiremos para Roma. Se a essa hora não estiverem prontas partirei apenas com a demónio.
Lilian fita-me incrédula.
- Porque me falas assim, parece que sou uma desconhecida, foi por me teres visto a sair do quarto da Melissa esta manhã? Eu... Eu não sei como aconteceu, apenas aconteceu... - Lilian desvia o olhar assumindo a culpa.
- Tu e a chata da Melissa? E depois eu é que sou a louca. - Diz Lara rindo.
- Oh! Tu cala-te, sua ninfomaníaca! - Grita a feiticeira irritada.
- Silêncio!!! Lilian, eu não me importo com quem dormes ou com quem deixas de dormir, apenas quero que daqui a uma hora vocês as três estejam prontas para partir, senão vou sozinho! - Levanto-me irritado e saio do salão deixando Lilian perplexa olhando para mim e Lara rindo que nem uma perdida.

Declarações

Abro a janela e apoio-me no parapeito apreciando a brisa quente da noite, fito o céu estrelado e a enorme e brilhante Lua cheia que ilumina a escuridão.
- Parece que Diana protege os viajantes desta noite iluminando-lhes o caminho. - Murmuro sorrindo.
Fecho os olhos e deixo-me levar por aquele toque suave que acaricia gentilmente a minha pele e por aquele cheiro tão doce que preenche o ar. Encontro-me tão imerso em meus pensamentos, tão embrenhado naquela magia encantadora que nem dou pela porta a abrir-se. Desperto bruscamente das minhas meditações ao sentir um par de mãos pousando em meus ombros acariciando-os, sorrio pensando em Lilian rendendo-me ao seu toque e à sua massagem.
- Como tás tenso, meu querido. - Os seus lábios estão colados ao meu ouvido gemendo baixinho estas palavras. - Diz-me o que te aconteceu.
- Tenho que voltar a Nova Roma, meu amor. - Um certo tom de angústia escapa-se dos meus lábios.
A massagem termina subitamente e ouço-a sentar-se na cama.
- E o sonho? - O tom da pergunta está carregado de preocupação.
- Eu não sei, eu já não sei de nada. - Viro-me para a encarar mas quem se encontra sentada na cama não é quem eu estava à espera. - Lara!?
- Surpresa! - Responde a demónio esboçando um leve sorriso, um sorriso que não lhe era caracteristico.
- Mas como? Eu ouvi a voz da Lilian.
- Pois ouviste, desde pequena que tenho a capacidade de imitar uma voz na perfeição, não é por nada que sou uma assassina de 1ª classe. - O sorriso forçado mantém-se por uns segundos desaparecendo logo em seguida. Os seus olhos dourados fitam-me com preocupação e angústia, como se a demónio estivesse a sofrer. - Tu não podes ir a Roma, vais morrer se fores.
- Lara, os teus olhos... - Nada mais consigo dizer, nunca a vira a olhar para mim ou para qualquer outra coisa assim daquele jeito. Para os demónios, os humanos são fracos pois deixam-se levar por um sentimento detestável, o amor, Lara, é claro, não é excepção, mas o que eu via agora diante de mim, aquele brilho intenso no seu olhar era amor puro.
- Os meus olhos, humano, reflectem aquilo que há muito sinto por ti. - A demónio levanta-se e aproxima-se de mim. - Quando me disseste que me ias libertar do feitiço eu chorei de dor, nunca esperei amar alguém, muito menos uma criatura que considerava inferior, um humano. Talvez tenha sido por isso que o nosso elo não foi quebrado. - Lara desvia o seu olhar, um ligeiro rubor afloresce em seu rosto. - Tentei viver depois de me teres deixado, tentei criar uma vida que um demónio deve levar, mas tu assombravas-me, de noite no quarto sentia o teu cheiro, o teu calor, o teu sabor, o toque da tua pele... - A sua mão acaricia o meu rosto e seus lábrios aproximam-se dos meus. - Deixei o submundo para ir atrás de ti, aquela criatura tinha razão, não foi uma coincidência, eu segui-te durante algum tempo, mas n sabia o que dizer ou o que fazer, desconhecia qual seria a tua reacção. - A sua boca afasta-se e noto um brilho de tristeza no seu olhar. - Durante este mês que passámos aqui tenho-te seguido para todo o lado, sorvendo cada momento que passo contigo com tanto gosto, mas depois, depois vais ter com ela e eu sou obrigada a assistir aos vossos beijos e carinhos. Ai!! Eu, um demónio de puro sangue sofrendo por um reles humano, mas que partida que os Deuses me pregaram!!! - Ela afasta-se de mim e dirige-se para a porta. - Eu não te quero perder, por favor não vás, eu... suplico-te.
Um balde de água fria cai sobre mim ao ouvir estas palavras, a arrogante Lara suplicando? Aproximo-me dela e viro-a na minha direcção, encosto-a ao meu peito enquanto afago o seu cabelo e os seus corninhos.
- Eu tenho de ir, tenho de encarar os demónios que ainda assolam o meu espírito.
- Estúpido humano. - Grita ela batendo-me no peito enquanto uma lágrima escorre pelo seu rosto. - Não vês que vais morrer? Não vês que te amo e que tenho medo de te perder?
- Eu... eu não sei o que dizer.
- Diz-me que não vais, diz-me que ficas aqui comigo, connosco.
- Mas e a minha posição?
- A tua posição morreu no dia em que a tua amada morreu, há dois anos que deixaste de ser Senador, porquê reavivar coisas que estão mortas?
- Eu... Eu tenho que pensar...
- Pensa, pensa muito, mas tem a certeza de uma coisa, estarei sempre ao teu lado.
A demónio sai do quarto deixando-me uma vez mais imerso em pensamentos, estava tudo tão claro na minha mente e agora ficou tudo confuso outra vez.

Enfrentar o Passado

Com a mensagem entregue o mensageiro faz uma nova saudação e retira-se deixando-me absorto. Um turbilhão de pensamentos corre pela minha mente deixando-me a olhar para o vazio, o silêncio na sala era tremendo, ninguém se mexia, nem para se coçar, todas as suas atenções estavam viradas para a minha pessoa, todos queriam saber o que continha a carta e ver de perto um Senador. Não consigo aguentar tal pressão, a minha mente parece explodir com tantas emoções e pensamentos juntos, levanto-me bruscamente segurando firmemente a mensagem em minhas mãos e dirijo-me para os estábulos. Lilian tenta impedir-me mas Lara segura-a e através de um gesto diz-lhe que é melhor deixar-me a sós.
Maquinalmente preparo o Relâmpago e parto sem destino.
- O que tens? - Sua voz ecoa pela minha cabeça.
- Recebi uma carta de Nova Roma, exigem a minha presença. - Respondo fitando o firmamento.
- E pensas que o sonho avisou-te para não ires?
- Sim, mas... - As palavras falham-me.
- Mas...?
- Não sei, regressar assim a N.R.; não sei se estou preparado, tinha tantos sonhos, uma carreira e depois tudo desabou, não sei se quero voltar a entrar nessa vida.
- E será só por isso?
- Não, quando regressar à villa ainda irei sentir o seu cheiro, irei passar por onde ela andou e não sei se estou preparado para isso também.
- Ela já morreu, tens de encarar isso, a vida e a morte são apenas um ciclo da Natureza, ninguém lhes escapa, nem mesmo os Deuses.
- Como assim? Os Deuses são imortais, não podem morrer.
- Morrem se os esqueceres, se não os venerares, tu precisas tanto deles como eles de ti, é um ciclo.
- Tens razão, como sempre, meu amigo, mas mesmo assim não sei se estou preparado.
- Tu tens a Lilian e a Lara, o teu amor por elas ajudar-te-á a enfrentar a dor.
- Amor por elas? Só amo a Lilian, caro unicórnio.
- Amas a Lilian mas passas os dias com a Lara. Tu gostas da demónio, apenas não o admites porque ela te recorda os feitos no Mundo Inferior.
Chegamos a um pequeno ribeiro, desmonto calmamente e deito-me na erva fresca sentindo a leve brisa da noite batendo em meu rosto. Deixo-me ficar assim apreciando o momento durante longos minutos.
- Talvez tenhas razão...
- Sobre?
- Sobre tudo, meu caro, está na hora de regressar, de enfrentar as memórias. - Esboço um sorriso enquanto me levanto e monto de novo com um novo brilho no olhar.
- E quanto ao sonho?
- Estou prevenido e ficarei em guarda o tempo todo.
- César também foi prevenido e foi assassinado.
- Sim, mas César iria morrer de qualquer forma, ele padecia de uma doença gravíssima e se Brutus e os amigos não o tivessem morto ele morreria certamente em glória na Parthia. Tudo não passou de um golpe publicitário.
- Se tu o dizes...

Cavalgamos com rapidez de volta à estalagem, no salão um burburinho sobre a mensagem e o mensageiro ainda se fazia ouvir, Lara, Lilian e Melissa conversavam também sobre isso, a feiticeira encarava irritada a demónio por esta a ter impedido de me deter. Entro na sala e todos se calam fitando-me com interesse e esperando por mais notícias.
- Partimos amanhã para a Capital. - Digo sonoramente para minhas três companheiras.
E antes que possam responder já me encontro no cimo da escada abrindo a porta do meu quarto.

Tempo de Paz

Sem termos pistas algumas sobre o maléfico feiticeiro e sem que alguém nos viesse pedir ajuda, deixámo-nos ficar naquela bela estalagem durante um mês. O ambiente era sempre agradável e amigável, de dia parecia que a letargia contagiava todos os que ali viviam, mas à noite uma euforia tal invadia os nossos corações forçando-nos a dançar e a cantar. Lilian e Melissa passavam muito tempo juntas, trocando palavras e aprendendo feitiços uma com a outra, talvez por Lilian ter sido um Serafim se sentisse atraída por aquela enviada dos Deuses, eu, por meu lado, detestava-a, sempre arrogante e com a mania que Gaia gira à sua volta. Assim sendo, enquanto as duas conversavam, Lara e eu cavalgávamos pela longas pradarias circundantes, passando por bosques soberbos e riachos cheios de vida e personalidade.
Sempre adorei a companhia de Lara, a sua personalidade forte e tempestiva e o seu modo de vida Carpe Diem, criavam nela uma aura de sedução e prazer absolutos. Devo dizer, é claro, que nem todos a viam com bons olhos, apesar dos demónios já vaguearem pela superfície de Gaia há milénios ainda suscitam os mais variados sentimentos e sensações: medo, prazer, repulsa e atracção. Mas não pensem que são só as outras raças que são intolerantes, até os demónios detestam estar na presença de certas criaturas, como por exemplo os humanos. No caso de Lara, a sua condição de demónio de puro sangue e a sua classe de assassina de 1ª categoria, fazem-na encarar os humanos como criaturas indignas da sua presença, encara-os apenas como meros objectos para serem utilizados a seu bel prazer e para satisfazer todos os seus caprichos.
De noite, jantávamos os quatro na nossa mesa habitual, ouvindo as músicas e deliciando-nos com os belos manjares servidos pela roliça cozinheira. Lilian, que se ia tornando cada vez mais desinibida, encostava a sua cabeça no meu ombro enquanto eu acariciava os seus belos cabelos castanhos, Lara desviava o olhar desta cena fitando o salão à procura de uma nova vítima e Melissa, sempre alheia a tudo, sempre altiva e presunçosa, quebrava várias vezes o silêncio dizendo que conhecia a letra da história ou da música bem melhor que o bardo.
O mês de Vénus passou rapidamente dando início ao mês de Juno, todas a memórias más pareciam ter desaparecido sob aquele manto de alegria, até o meu sonho se foi desvanecendo com o passar dos dias. Um dia, enquanto jantávamos alegremente, entrou precipitadamente um mensageiro na sala, seu rosto coberto de suor e sua expressão séria colocou de imediato todo o salão num silêncio absoluto. Seus olhos pareciam procurar por alguém, passaram por todos os presentes até que se detiveram em mim. Fazendo uma saudação entregou-me uma missiva urgente com o selo do Senado.

Excelentíssimo Senador

A sua presença é requerida de imediato na Capital, assuntos de grande importância precisam de ser debatidos para que a República se mantenha de pé e gloriosa.

S.P.Q.R.

Leio e releio a curta missiva, será este o convite que devo recusar?

Um Novo Membro?

Após uma pequena conversa, a sacerdotisa pediu para que as restantes pessoas que se encontravam no quarto nos deixássem a sós. Lilian não gostou da sua decisão, mas estando frente a frente com uma representante dos Deuses resolveu aquiescer ao seu pedido, Lara seguiu atrás dela puxando irritada o braço gordo e suado do estalajadeiro. Fechando a porta Melissa vira-se para mim sorrindo e senta-se numa cadeira ao lado da cama, seus olhos cor de âmbar tentavam ler o meu espírito, tentando perceber a razão do interesse dos Deuses num mero mortal como eu. Consigo sentir a sua presença dentro da minha mente, vasculhando e procurando por algo de útil, mas apenas encontrando no meu olhar uma defesa hábil que gora as suas tentativas. Este pequeno combate demora poucos minutos terminando num empate e forçando-nos a desviar o olhar um do outro.
- Muito bem, conte-me mais sobre o seu sonho. - Pede-me enquanto massaja as têmporas e a área em redor dos olhos.
- Mais? Cara sacerdotisa, já lhe contei tudo, revivi momentos da minha vida marcantes e em quase todos eles as mensagens de "Não vás" e "Terás o mesmo destino" eram-me transmitidas por pessoas que conheci. - Passo a mão pelo cabelo sentindo ainda as gotas de suor provocadas por aquele pesadelo horrível.
- Hm, parece que algo ou alguém o tentou avisar. - Diz ela coçando o queixo.
- Uau, não me diga! Ainda bem que me diz isso porque não teria sido capaz de chegar a essa conclusão sozinho. - Respondo sarcasticamente.
- Escusa de me falar nesse tom, estou apenas a tentar ajudá-lo. Como deve saber, é sempre útil receber um conselho de uma sacerdotisa, e eu estou quase a ser nomeada grã sacerdotisa de Júpiter. - O seu tom pomposo dá-me vontade de rir.
- Ai, só me faltava agora uma rapariga vaidosa e convencida. - Murmuro.
- Como?
- Dizia que me ia levantar já de seguida. - Respondo. - Por isso dê-me licença que me quero ir lavar.
- Mas a nossa conversa ainda não terminou. - Exclama ela num tom de pretensa autoridade.
- Acabou sim, estou encharcado em suor e pelos vistos estive a dormir dois dias, preciso de um banho.
A sacerdotisa levanta-se ofendida e sai do quarto batendo com a porta, respiro de alívio e dirijo-me para a banheira onde um belo banho quente e relaxante me espera.

Desço duas horas depois para o salão de convívio preparado para comer qualquer coisa, Lilian, Lara e a irritante sacerdotisa conversam juntas numa mesa, deduzo pelas suas expressões que a demónio está terrivelmente aborrecida enquanto que a feiticeira e Melissa conversam agradavelmente. As três se levantam ao ver-me, Lilian encantada, Lara aliviada e a sacerdotisa sorrindo com um ar de extrema importância, sorrio para elas enquanto bebo um sumo de laranja acabadinho de fazer.
- Meu amor. - Exclama Lilian. - Adivinha quem se juntou ao nosso grupo, a Melissa! - Diz sorrindo.
Engasgo-me ao ouvir o seu nome.

O Sonho

Dou por mim caminhando através de um extenso prado verde, ao meu redor vários bandos de pássaros voam cantando e brincando anunciando o início da manhã. O caminho por onde sigo está repleto de flores de várias cores e feitios, algumas muito belas, outras nem por isso, o perfume que delas emana é tão maravilhoso e delicioso que me obrigo a fechar os olhos para o poder apreciar melhor. Sorrio ao ver que não sou o único a apreciar tal fragrância, também as borboletas e as abelhas voam de flor em flor sorvendo o seu néctar e inebriando-se com o seu doce aroma. Continuo seguindo o trilho observando os coelhos que saltitam por entre a relva e uns cervos que ao longe se deliciam com a erva tenra e fresca. Abro os braços e rodopio sentindo a brisa matinal percorrer o meu rosto, é uma manhã perfeita e não há nada que possa mudar isso. O trilho muda bruscamente, já não caminho sobre a relva mas sim sobre um pequeno carreiro pavimentado a mámore amarelado, ao longe distingo a forma de uma pequena quinta, meu coração palpita de ansiedade, caminho na direcção de um local onde não vinha há anos, caminho para casa!
Abro a porta da entrada e um cheiro a pequeno almoço acabadinho de fazer invade os meus pulmões, corro para a cozinha e ali estão eles, os meus pais, meus olhos enchem-se de lágrimas e sem conseguir evitar atiro-me para os seus braços, o cheiro deles aperta o meu coração, sinto-me como se voltasse a ter cinco anos novamente. Preparo-me para os encarar, para lhes contar as minhas aventuras, lhes contar os momentos bons e maus, mas é tarde, eles desapareceram e estou de volta à entrada da pequena propriedade, o cheiro que agora penetra em meus pulmões não é o das flores ou o do pequeno almoço, mas sim o de chamas devorando a madeira. Deixo-me cair de joelhos observando aquele cenário deplorável, sentindo meu coração partir-se em dois, a manhã que começara perfeita acabava agora assim, tão triste.
Fecho os olhos e quando os volto a abrir já me encontro num local diferente, encontro-me ao pé de um grande lago banhado pela luz da Lua, no seu interior uma mulher nada descontraidamente, seus longos cabelos ruivos deixam transparecer a sua identidade. Nado ao seu encontro, seus belos olhos verdes fitam-me com prazer e seus braços envolvem meu pescoço. "Não vás", diz-me ela. Fito-a sem perceber o que me quer dizer, mas ela apenas sorri; abraço-a e beijo-a, sinto o seu perfume e deixo-me levar fechando uma vez mais os meus olhos.
O som de gritos e o som de metal batendo em metal obriga-me a despertar do transe uma vez mais, já não estou no lago, mas sim no campo de batalha, ainda a seguro firmemente nos meus braços, mas o seu calor desaparecera, apenas seguro o seu corpo sem vida que fita agora o vazio. As lágrimas brotam dos meus olhos como uma nascente furiosa, seu rosto tão pálido e tão puro conserva ainda a sua beleza, subitamente aqueles olhos sem vida fitam-me e uma voz é libertada daquele cadáver, "Terás o mesmo destino se fores". Arrepiado, deixo cair o seu corpo e levanto-me bruscamente, olho à minha volta e uma vez mais encontro-me só, um bafo quente vindo de cima queima o meu rosto, ergo a cabeça para ver de onde vem e vejo o Sol coberto de sangue, ao seu lado um olho enorme fita-me com tristeza. "Não vás", diz uma voz atrás de mim. Viro-me e vejo Tela espetando o seu punhal no peito de Meg. "Não vás", repete. Meg segue o olhar da sua assassina e junta a sua voz à dela. "Terás o mesmo destino". Uma espessa bruma envolve o campo à minha volta, dela brotam vozes fantasmagóricas, todas dizendo o mesmo, que não devo ir e que terei o mesmo destino.
- Para onde não devo eu ir!? - Grito desesperado tapando os ouvidos com as mãos esperando de certa forma que as vozes se calem.
Uma mulher coberta com um manto negro emerge do espesso nevoeiro.
- Se fores morrerás. - Sua voz é quente e fria ao mesmo tempo.
- Mas ir aonde? Para onde é que não devo ir? - Pergunto, sentindo um arrepio enorme na nuca.
- Tu sabê-lo-ás em breve. - Diz ela voltando a entrar na bruma.
- Espera, diz-me! - Acordo bruscamente gritando estas palavras.
Lilian, Lara, uma mulher que desconheço e o dono da estalagem estavam na sala quando desperto encharcado em suor.
- Acordaste finalmente, meu amor. - Diz-me Lilian beijando o meu rosto.
Olho para eles sem perceber o que se passa, forçando a minha mente a digerir tudo o que acontecera.
- Onde estou? - Pergunto desnorteado.
- Na estalagem. - Responde Lara. - Não sei o que a feiticeira te fez, mas ficaste de cama durante dois dias, murmurando coisas sem nexo.
Lilian olha para ela de um modo reprovador.
- Dois dias? - Repito perplexo.
- Sim, caro guerreiro. - Diz a mulher. - O seu corpo foi tomado por uma estranha força de carácter divino, deve ser muito importante para que os Deuses intervenham desta forma.
Lilian, Lara e o estalajadeiro olham para ela e depois para mim curiosos.
- E você é? - Pergunto.
- Melissa. - Responde ela sorrindo. - Sacerdotisa de Júpiter.