segunda-feira, novembro 27, 2006

A Câmara do Conhecimento (2ª Parte)

A sete portas mágicas parecem flutuar em pleno ar libertando uma luz branca muito viva, delas emana um leve zumbido e uma ténue vibração que faz ondular as águas estagnadas e extremamente poluídas dos esgotos. A surpresa está estampada nos rostos de cada um de nós, isto não devia ter acontecido, segundo o pergaminho apenas uma porta se devia ter aberto, a porta que conduziria ao conhecimento supremo.
- Sete portas?! Mas que brincadeira vem a ser esta!? Diana, mas o que é que tu fizeste? - pergunta Lara incrédula.
- Eu limitei-me a seguir as palavras mágicas como ensaiamos ontem, demónio, não me venhas atirar as culpas. - defende-se a feiticeira.
- Alguém tem que ser reponsável por isto, se não foste tu então quem foi? - pergunta Lara olhando desconfiadamente para Léon.
- Hey, não me venhas pôr as culpas em mim, miúda, não tenho nada a ver com isto, vocês é que percebem destas coisas, não eu. - apressa-se Léon a justificar.
A demónio rosna irritada olhando para cada uma das portas sem saber qual escolher.
- É melhor acalmares-te, Lara, de cabeça quente não vamos a lado nenhum. - digo serenamente. - Aliás, eu nem sei qual é o vosso espanto, eu estava a achar isto tudo muito fácil, para mim até é uma sorte que esses tais Ploensis não tenham posto um desafio mais perigoso.
- O que queres dizer com isso? - pergunta a demónio fixando o seu olhar dourado em mim.
- Tu achas que eles iriam deixar qualquer um ter acesso aos seus conhecimentos, às suas magias, aos seus segredos, sem ter que provar que se é merecedor? Sabes tão bem quanto eu que uma raça tão orgulhosa, como tu dizes que eles eram, teriam que colocar vários testes e puzzles.
- Tens razão, tens toda a razão. - diz Diana pensativamente. - Para cada teste tem de haver uma solução, mas onde estará ela, perdida nalgum outro pergaminho longe daqui?
- Pode estar no nosso pergaminho, talvez escondida por alguma magia poderosa. - opina Léon.
- Ou talvez aqui mesmo. - diz Lara com um sorriso nos lábios. - Lembras-te de quando ficámos presos naquele templo maldito rodeados de mortos vivos que saíam do chão? A chave estava no tecto, logo a resposta pode estar também por aqui.
Avivados por esta nova hipótese começamos a procurar nas paredes e no tecto por inscrições ou pistas que nos possam ajudar a formular uma solução, o que encontramos deixa-nos ainda mais perplexos. Ao lado de cada porta existe uma pequena frase, uma frase que supostamente traduz o que iremos encontrar, eis as incrições:

1ª Porta: Terras de Fogo, Terras de Mar, a verdade é que nunca ninguém sabe onde irá parar...
2ª Porta: Um passo para a frente, Um passo para trás, por mais que se tente daqui nunca mais sairás...
3ª Porta: Ouro queres, Ouro terás, mas não sejas muito avarento ou como Midas acabarás...
4ª Porta: A voz é doce e o Sorriso é quente, Segue-me e encontrarás um belo presente...
5ª Porta: Sonhos e Pesadelos estão mesmo à tua frente, sê célere a decidir ou de nada ficarás ciente...
6ª Porta: A Vida é uma flor, tens de a tratar com Amor, pois se a desprezas por caminhos tortuosos te enveredas...
7ª Porta: Estou contigo quando nasces, estou contigo quando cresces e envelheces, estou contigo no principio e estou contigo no final, admite, eu sou a tua companheira ideal...

- Pelos Deuses, ainda estou mais confusa que antes. - diz Lara olhando para as incrições. - E agora, qual delas indica o caminho correcto?

sexta-feira, novembro 24, 2006

A Câmara do Conhecimento (1ª Parte)

O saboroso aroma de bolinhos e café acabadinhos de fazer invade o quarto despertando-me do meu sono leve e revigorante; uma voz doce e melodiosa propaga-se pelo ar entoando uma canção élfica muito antiga e bela anunciando a aurora que está prestes a nascer. Lara ainda dorme profundamente, o seu sorriso de satisfação reflecte o prazer de uma noite exaustiva em que a loucura e o desejo se fundiram num só sentimento e nos levaram, quase literalmente, ao paraíso. Beijo-lhe a testa e levanto-me seguindo o delicioso aroma e o som encantador.
- Não mudaste nada, Diana, ainda continuas com o velho hábito de te levantares cedinho e fazeres o pequeno almoço. - digo sorrindo observando a feiticeira que segura uma travessa de bolinhos de côco ainda quentes.
- Posso ter muitos defeitos, meu Cavaleiro, mas ainda me lembro de receber bem os meus convidados e hóspedes. - responde ela limpando as mãos no seu avental amarelo. - Vem sentar-te e provar os meus bolinhos antes que comeces aí a salivar.
Sentamo-nos em frente um do outro degustando os biscoitos e o delicioso café exótico.
- Dormiste bem, minha feiticeira?
- Podia ter dormido melhor se não fossem os gemidos e os gritos do quarto ao lado. - responde ela calmamente sorvendo a sua bebida e observando a minha reacção.
A sua resposta apanha-me completamente de surpresa e engasgo-me com o café.
- Pois... Eu peço desculpa... - digo aflito atropelando-me nas palavras.
- Não há problema, ao menos há alguém que tem um pouco de acção nesta casa. - continua ela calmamente com os seus olhos verdes esmeralda fixos em mim.
- Sua safada, tu estás a adorar ver-me assim, não estás?
- Claro que estou, lembra-me os nossos tempos de juventude, em que eu te apanhava ou em que tu me apanhavas fazendo o que não devíamos. - responde ela com um sorriso pousando a chávena.
- Bons velhos tempos, não tínhamos preocupações nem responsabilidades... - digo bebendo mais um pouco do meu café.
- Sim... Olha lá, que história era aquela de me quererem levar para a cama? - pergunta ela com o seu tom de voz calmo e pausado voltando a fixar os seus olhos em mim.
Engasgo-me de novo derramando o que resta do café sobre a toalha.
- Bolas, mas tu hoje queres matar-me!? - exclamo aflito e muito corado. - Estavas a ouvir-nos!?
- Eu sou uma feiticeira, meu Cavaleiro, eu sei de tudo o que se passa aqui dentro da minha casa, tudo! - Diana volta a esboçar o seu sorriso de satisfação e de triunfo por me ter deixado completamente envergonhado como fazia quando éramos mais novos.
- Tu não és uma feiticeira, tu és é uma grande pervertida e uma voyeur!
- Olha quem fala! - diz ela rindo. - Mas está bem, eu páro, acho q já te embaracei o suficiente por hoje.
- Porque é que eu tenho o pressentimento que isso não é verdade? - respondo sorrindo.
- Parece q vais ter simplesmente que confiar em mim...

Um cheiro a podre invade as minhas narinas assim que a tampa da sarjeta é aberta, esta é, infelizmente, a única maneira de chegar à câmara onde todo o conhecimento dos Ploensis está armazenado.
- As coisas que somos obrigados a fazer para alcançar o conhecimento supremo... - comenta Diana tapando o nariz e iniciando a sua descida.
Os corredores escuros e sujos parecem estender-se por quilómetros sem fim como um labirinto traiçoeiro, os ratos e as serpentes fogem de nós assim que a luz das tochas e o brilho do bastão de Diana os ilumina; Lara segue na frente, lendo o mapa, seguida de muito perto por Léon, a feiticeira e eu seguimos um pouco mais atrás procurando acompanhar o passo ligeiro da assassina e do ladrão. Chegamos finalmente ao local indicado, uma encruzilhada de túneis que se prolongam pelas trevas adentro como se fossem gargantas de um monstro de várias cabeças.
- Segundo o mapa estamos no sítio certo. - afirma Lara com um sorriso no rosto. - Agora só temos que usar o artefacto e uma porta abrir-se-á para nós.
Diana avança para o centro segurando firmemente o objecto na sua mão direita, na noite anterior ela e Lara ensaiaram as palavras mágicas que o iriam activar, palavras essas que embora uma criatura de pura magia, como um demónio, compreendesse perfeitamente não as podia entoar, só alguém que tivesse domado a arte arcana.
As palavras são então ditas em alto e bom som, mas nada parece acontecer, Diana volta a repeti-las, mas sem sucesso, algo não está a funcionar.
- Cav, tu disseste-me que ela era uma boa feiticeira, isto deveria funcionar. - comenta a demónio impaciente.
- Eu SOU uma boa feiticeira, demónio, não é por minha culpa que o objecto não esteja a funcionar, se calhar foste tu que nos trouxeste para o sítio errado! - responde a feiticeira num tom imperial.
Lara prepara-se para responder, mas subitamente o artefacto solta um brilho estranho e começa a levitar libertando-se da mão da feiticeira, o chão estremece com uma vibração constante e um zumbido estridente vindo de não se sabe de onde ecoa pelo ar. Todos os olhos se fixam no objecto esperando pela abertura da porta, mas para grande supresa de todos, 7 portas abrem-se nas desembocaduras dos corredores.
- E agora? - pergunto. - Por qual delas devemos seguir?

quinta-feira, novembro 23, 2006

Anjos e Demónios

Lara deixa-se cair sobre mim exausta soltando os últimos gemidos de um orgasmo louco e carregado de desejo; os seus longos cabelos pretos cobrem o meu rosto e a sua boca insaciável beija e mordisca o meu peito sorvendo as gotículas de suor que escorrem sobre a minha pele; a sua cauda agita-se levemente como se pedisse por mais, os seus dedos brincam com o meu pêlo e os seus olhos dourados fixam-se nos meus brilhando com a chama do desejo. Eu apenas sorrio, um sorriso de puro deleite e satisfação.
- Hm, se eu soubesse que o mero facto de passarmos a noite no quarto de hóspedes da Diana te deixaria assim tão louca, teria feito as pazes com ela logo que chegámos à cidade.
- Não há dúvida que a feiticeira mexe comigo, será que não podias colocar a vossa amizade de lado e convidá-la para a nossa cama, como fizemos tantas vezes com a Lilian? - diz ela com uma voz sedutora e irresistível.
- Tu e a Diana juntas na mesma cama, hm, isso parece-me uma combinação explosiva, minha diabinha, mas muito, muito excitante.
- Sim, dá para notar que gostas da ideia. - responde ela com um sorriso olhando para o meu sexo que se animou ante esta fantasia. - Temos mesmo que a pôr em prática. - a demónio volta a beijar-me e a sua mão escorrega pela minha cintura abaixo.
- Por onde achas que anda a Lilian? - pergunto subitamente.
- A Lilian!? Não sei, nem me interessa, meu querido, ela abandonou-te quando mais precisaste, porque é que ainda pensas nela?
- Gostava de a ter visto como anjo, aposto que deve estar fantástica.
- Está sim, mas se queres que te diga, eu preferia a Lilian feiticeira, sempre era mais humilde e prestável.
- Qual a razão desse ódio entre anjos e demónios? Porque é que não convivem em paz?
- Queres falar sobre isso agora!? Logo agora!? Não podias ter escolhido um momento mais oportuno para termos essa conversa? - a demónio solta um suspiro e deixa-se cair de costas sobre o colchão macio. - Está bem, eu conto-te... Como já te disse anteriormente, os anjos e os demónios são duas faces de uma mesma moeda, mas nunca te expliquei o porquê. Existe uma lenda muito antiga, uma lenda que remonta aos primórdios do Universo, uma era em que raças poderosas viajavam livremente pelos planetas, criando vida ou extinguindo-a. Hoje em dia podemos chamar a essas entidades de Deuses, mas se virmos bem, os Deuses actuais são meros aprendizes quando comparados com tais criaturas... Enfim, passando à frente, um desses Deuses, uma entidade chamada Kuan, conseguiu reunir em si um poder fenomenal, um poder que lhe dava a autoridade de tornar os seus pares em seus servos. Este era um conceito completamente novo, nunca ninguém conseguira armazenar tal poder e influência, todos eram iguais, não havia nem mais nem menos, aquilo que era a neutralidade perfeita deixou de o ser e a sociedade entrou em declínio.
Kuan conseguira o que queria, o poder sem limites, mas o preço a pagar foi alto demais, a sua arrogância e a sua ambição conduziram à desgraça e à extinção da sua raça. Chegou então a altura em que ele ficou só, não havia mais ninguém para conversar, alguém para mandar, alguém para rebaixar, é aqui que as lendas mudam e divergem, umas dizem que ele enlouqueceu, outras dizem que atingiu um estado de pura perfeição, outras chegam a referir ambas as opções, a verdade ninguém sabe, tudo o que se sabe é que após a extinção do seu povo algo aconteceu, algo que o levou até ao lugar mais sagrado de todos, A Fonte da Magia, e aí o seu corpo transformou-se em luz e dividiu-se em dois, de um lado formou-se o primeiro anjo, do outro o primeiro demónio.
- Mas porque é que se odeiam tanto? - pergunto afagando o cabelo de Lara.
- Porque ambos herdámos a arrogância e a ambição de Kuan e isso leva-nos a acreditar que aquele que vencer o conflito é sua verdadeira essência. Por isso não usamos escrúpulos, apoiamo-nos em raças inferiores para combater por nós, raças que se deixam iludir pelas nossas palavras e promessas, especialmente as dos anjos, porque nós demónios não precisamos de falinhas mansas, as nossas atitudes falam por si.
- Sabes, minha diabinha, tens jeito para contar histórias.
- Pois tenho, mas eu prefiro ter jeito para outra coisa, meu querido. - a demónio sorri maliciosamente e acaricia o meu falo. - Ainda temos umas horitas até o Sol nascer, que tal aproveitarmos?
Não respondo, apenas lhe lanço um olhar provocador enquanto encaminho a minha língua em direcção ao seu sexo.

terça-feira, novembro 21, 2006

O Artefacto (2ª Parte)

Um bater insistente na porta da frente arranca a feiticeira de um sono profundo e estranho, sobre a mesa encontra-se um objecto pequeno e acastanhado cuja funcionalidade é-lhe desconhecida mas cujo poder é assustadoramente grande. O som de pancadas sucessivas e cada vez mais fortes levam Diana a erguer-se sonolenta e quase mecanicamente da cadeira e dirigir-se para a porta.
- Bolas, feiticeira, demoraste, estou aqui há quase 10 minutos a bater, o que é que estavas a fazer? - pergunta Lara assim que a porta se abre.
- L-Lara!? Mas o que é que fazes aqui, está tudo bem? - pergunta a feiticeira esfregando os olhos e olhando em redor procurando por mim.
- Está tudo óptimo! - responde a demónio entrando imediatamente aproveitando a passividade e a sonolência de Diana. - Mas ainda não me respondeste, o que é que estavas a fazer?
- A dormir, claro, o que é que tu querias que eu estivesse a fazer a uma hora destas? - diz ela fechando a porta e colocando-se apressadamente entre o hall e a sala de estar.
A demónio olha para a feiticeira de alto a baixo, esta enverga um fofo robe laranja e umas confortáveis pantufas da mesma cor, pelos contornos do tecido na sua pele Lara apercebe-se que Diana nada mais usa por debaixo e sorri sedutoramente.
- Não te faças de sonsa, Diana, sei muito bem que estiveste a estudar o artefacto que o Deditos te colocou no bolso.
A feiticeira cora mordiscando o lábio inferior e lançando um olhar de soslaio para a mesinha da sala.
- Eu estive a dormir, a sério.
- Eu não duvido, consigo ver a sonolência no teu olhar e nos teus movimentos, mas não te esqueças que sou um demónio, minha querida, uma criatura criada a partir da magia primordial, e eu consigo cheirar o poder do objecto em ti, consigo sentir o pulsar da sua energia e da sua força ali na mesa. - os olhos dourados da demónio fixam-se no objecto e um sorriso enigmático desenha-se nos seus lábios. - Ai Diana, aposto que nem imaginas aquilo que tens à tua frente.
- Tu sabes o que é? - os olhos verdes da feiticeira fixam-se igualmente no artefacto que parece subitamente ganhar um estranho brilho.
- Claro. Toma, lê isto e toma consciência da preciosidade que temos diante de nós. - diz Lara oferecendo o velho papiro à feiticeira.
- Sagrada Atena! M-mas isto é...
- ... o sonho de qualquer feiticeiro, minha querida. A chave e o mapa de todo o conhecimento dos Ploensis.
- E não só, Lara, há uma outra informação escondida neste documento.
- Que informação? - pergunta Lara surpreendida.
- Uma referência a um lugar que todos pensávamos ser uma lenda, A Fonte da Magia!
A demónio estremece e deixa-se cair pesadamente sobre a cadeira.
- O lugar onde tudo começou?
- Sim, o local onde a Vida foi criada!

- E-eu não estou a acreditar no que estou a ouvir, vocês devem estar a brincar comigo, só podem! - exclamo incrédulo bebendo um chá de camomila.
- E nós íamos brincar com uma coisa destas, meu querido? - diz Lara quase ronronando, abraçando-me por trás e mordiscando a minha orelha.
- Meu Cavaleiro, devias acreditar em nós, a Fonte existe e nós temos uma referência a ela. - diz a feiticeira sorrindo com o seu ar sedutor.
- Tudo bem, ela existe, mas ao menos sabem onde está? - pergunta Léon com um ar sério.
- Ainda não. - respondem ambas ao mesmo tempo. - Mas a localização deve estar guardada no lugar onde se encontra todo o conhecimento arcano dos Ploensis.
- "Deve" estar, vocês não sabem com toda a certeza. - continua o ladrão.
- Mesmo que não esteja, Léon, estamos prestes a fazer uma descoberta estrondosa. - respondo. - Já agora, já sabem como usar o artefacto, ou melhor, sabem onde o devem usar?
- Claro, meu querido, ao contrário de vocês machos, nós fêmeas colocamos toda a nossa energia no único cérebro que interessa.
- Ai sim, Lara? E o teu está situado onde, já agora, porque por vezes fico com a impressão que não está na tua cabeça.
A demónio sorri e beija o meu pescoço.
- Tu sabes onde está. - sussurra ela ao meu ouvido.
- Mas pegando na pergunta do Cavaleiro, onde é que se encontra guardado todo esse conhecimento? - pergunta Léon.
- Aqui na cidade, mais concretamente, debaixo da estátua de Aquileia e Éwon. - responde Diana com um sorriso.

quarta-feira, novembro 15, 2006

Interlúdio

Eu deveria estar radiante por me encontrar de novo junto dos meus, deveria sentir-me livre e invencível por ter novamente este poder divino a fervilhar nas minhas veias e a percorrer todo o meu corpo, deveria estar eufórica por carregar uma vez mais as minhas asas, as minhas belas e orgulhosas asas brancas... Mas não estou, não consigo estar, as imagens daquele dia ainda atormentam a minha mente, como pude ser tão insensível, tão egoísta? Aqui estou eu, uma pária entre os meus, isolada, envergonhada e enojada de mim própria... Será que alguma vez ele me irá perdoar? Será que EU alguma vez me irei perdoar? Claro que não, como me poderia perdoar depois de uma escolha tão egoísta, depois de um abandono tão injusto... E agora, por ironia, as minhas asas já não são o meu orgulho, a minha liberdade, tornaram-se numa prisão constante, num tormento sem palavras e num peso indescrítivel. Como estou arrependida, durante anos sonhei com elas e agora que as tenho considero-as uma maldição e uma tortura, uma lembrança constante do meu egoísmo e da minha arrogância...
Dizem que crescemos consoante as escolhas que fazemos, é bem verdade, parece que envelheci séculos nestas últimas semanas... Eu regressei a casa para tentar encontrar-me, para tentar encontrar algo que mitigasse a minha dor e justificasse a minha escolha, mas isto já nada me diz, eu já não pertenço aqui, já não me sinto bem. Está na hora de partir e traçar um novo rumo na minha vida, de cortar com o passado e escrever um novo futuro, mas para isso preciso de o ver pela última vez e enterrar a mágoa que me consome o peito, talvez assim possa finalmente erguer o rosto para o céu e sorrir gritando: "Lilian és livre de novo!!"

terça-feira, novembro 14, 2006

O Artefacto (1ª Parte)

A Lua brilha no céu espalhando a sua luz prateada sobre as ruas e vielas sombrias de Briseida. Um encantamento inquietante parece dominar a cidade lançando os seus habitantes numa letargia profunda e mergulhando a metrópole num silêncio assustador. Alheios a toda esta aura de sonolência e apatia três personagens envolvem-se num breve conflito num dos becos desertos deste local lendário.
- Muito bem, Deditos, é bom que tenhas uma boa explicação para nos estares a espiar ou garanto-te que quando acabar de tratar de ti mudarás o teu nome para, Léon OlhosRápidos. - diz a demónio ameaçadoramente atirando o pobre ladrão contra a parede.
- E-eu peço desculpa, está bem miúda? - gagueja ele massajando o maxilar dorido.
- Miúda!? Miúda!? - grita a demónio exaltada esbofeteando o desgraçado. - Tento na língua, ladrão, diriges-te a um ser superior e eu exijo-te respeito ou arranco-to à força.
Léon olha para mim na esperança que eu interceda a favor dele, mas as suas esperanças caiem por terra ao ver o meu olhar irritado.
- Não olhes para mim à espera de beneces, Léon, é melhor que comeces a inventar uma boa desculpa ou nem OlhosRápidos serás!
- Ok, ok, vocês também não me dão muitas hipóteses, né?
- Ora, ora, parece que afinal o pervertido sempre tem miolos. - a demónio olha para mim sorrindo. - Vá conta lá o que é te levou a espiar-nos.
- Primeiro que tudo eu não sou um pervertido, eu...
As suas palavras terminam abruptamente com outra estalada da demónio.
- Aconselho-te a ires directo ao assunto, já deu para ver que não estou de bom humor.
- Não só estou a ver, como também estou a sentir, miú... hm... demónio. - diz ele voltando a massajar o rosto que tomara um tom avermelhado. - Quando nos separámos tão repentinamente no porto fui forçado a deixar para trás, mais concretamente num dos bolsos da vossa companheira, um pequeno artefacto. Preciso de o resgatar, por isso espiava-os na esperança que me dessem uma pista sobre o seu paradeiro.
- Mas que tem esse artefacto de tão especial?
- Alguma vez ouviram falar de uma raça chamada Ploensis?
- Não...
- Mas eu sim! - responde Lara entusiasmada. - Esse artefacto pertence-lhes?
- Sim.
- Esperem lá, mas quem são esses plo-não-sei-quantos?
- Ploensis, meu querido, eram uma raça muito poderosa que deixou o nosso plano de existência. Eles já eram considerados Antigos quando Gaia e Terra eram apenas uma só, a sua habilidade na magia era de tal forma grande que um dos seus feitiços mais simples só pode ser lançado por feiticeiros experientes e poderosos com o risco da própria vida. Um simples artefacto deles pode valer milhões, é o sonho de qualquer praticante de magia. - os olhos de Lara brilham de excitação.
- Isso quer dizer que a Diana leva no bolso uma fortuna e nem o sabe?
- Olha que não sei, Cav, agora que penso bem, aquela desculpa do "estou muito cansada" foi um pouco forçada. Eu acho que ela nos quis despachar.
- Não me acredito nisso. - respondo lançando um ar de reprovação à demónio. - Mas já agora, o que faz aquele artefacto?
- Não sei, encontrei-o juntamente com este papel, mas está escrito numa língua que eu não conheço. - Léon retira de uma pequena bolsa de veludo um rolo de papiro já muito gasto e parcialmente consumido.
A demónio solta um gemido ao ver o selo ainda bem impresso numa das partes do manuscrito e automaticamente arranca-o das mãos do ladrão.
- O que foi? - pergunto ao ver um sorriso a desenhar-se nos seus lábios enquanto o lê.
- Cav, meu querido, saíu-nos a sorte grande!! - grita ela excitada dando-me um beijo e correndo em direcção à casa da feiticeira.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Criaturas da Noite

Diana, ainda surpreendida com a súbita aparição desta nova personagem, abre a boca para responder, mas uns gritos furiosos vindos da viela para onde ainda há pouco os três marinheiros irritados se dirigiam cortam-lhe a palavra.
- Ora bolas! - diz Léon apressadamente olhando para trás. - Lamento ter que me despedir assim tão depressa, bonitona, mas o amor à pele fala mais alto.
- Bonitona!? - repete a feiticeira.
- Eu nunca me esquecerei de um rosto tão belo e tenho a certeza que nos voltaremos a encontrar. - diz ele saltando do barril e sorrindo encantadoramente para ela. - Afinal de contas ainda não me disseste o teu nome. - ao terminar de dizer isto Léon puxa a feiticeira para si e dá-lhe um valente beijo na boca antes de se esgueirar rapidamente pelo cais e desaparecer nas sombras.
- Que tipo tão estranho e atrevido! - diz Diana ligeiramente irritada passando os dedos sobre os lábios.
- Sim, e aposto que aquele beijo deve ter sido detestável. - diz Lara sarcasticamente.
- Então não se nota que foi? Já viste como ela ficou "vermelha de raiva". - digo sorrindo.
- Vocês devem ter a mania que têm piada, não é? Pois eu não gostei nem um pouco, achei aquele "miúdo" insolente e muito atrevido e se porventura o voltar a ver e ele me tentar beijar de novo, eu juro que lhe lanço um feitiço. - a feiticeira olha para nós com cara de poucos amigos e com um brilho estranho no olhar.

- Obrigado pela tua ajuda hoje de manhã, minha amiga, sem ti nunca teríamos encontrado o nosso homem mistério, infelizmente as coisas não correram tão bem como esperávamos. - digo assim que chegamos a casa da feiticeira.
- É verdade, mas amanhã é outro dia e quem sabe se a Fortuna não nos sorri. Aliás, pressinto que algo vai acontecer a esta cidade e o facto de hoje termos visto Aquileia chorar é uma prova disso.
- Isso é apenas uma lenda, Diana, nada mais.
- As lendas têm sempre um fundo de verdade, meu Cavaleiro, por vezes para as entendermos não podemos pensar com o cérebro mas sim com o coração. - a feiticeira sorri e abre a porta de casa. - Convidar-vos-ia para tomar um chá, mas peço que me perdoem, é que estou muito cansada, preciso mesmo de descansar.
- Não há problema, Diana, foi um longo dia e todos nós merecemos um pouco de descanso. - sorrio para ela e beijo-lhe a testa. - Até amanhã e dorme bem.
- Até amanhã, feiticeira, e sonha com o deditos. - diz Lara sorrindo maliciosamente.
A feiticeira sorri e olha para mim.
- Não desistas do sonho, pois uma pessoa que não sonha, nada é nesta vida.
- Eu sei, Diana, eu sei.
A feiticeira fecha a porta deixando-nos sozinhos numa rua deserta.
- Sabes, bem que lhe podias ter perguntado se podíamos dormir aqui hoje, estou farta daquele cubículo a que chamas quarto. - começa Lara.
- Pois vais ter que te habituar, minha cornuda, a não ser que queiras dormir na rua.
- Se só tenho essas duas hipóteses então escolho a primeira, humano, mas exijo-te algo em troca.
- Claro e já estou mesmo a ver o que é.
- Serei assim tão óbvia?
- Muito! - digo beijando os seus lábios e encostando-a a um pequeno muro.
- Aqui? No meio da rua? - pergunta a demónio retribuindo os beijos e mordiscando o meu pescoço.
- E porque não? Os cidadãos desta cidade têm medo do escuro, por isso não seremos interrompidos. - as minhas mãos percorrem o seu corpo desapertando as fivelas da sua armadura de couro.
- Adoro quando ficas assim, humano, tens a certeza que não tens sangue de demónio a correr nessas veias? - diz ela arrancando-me a camisa e mordendo vorazmente o meu peito.
- Absoluta! - a minha resposta é abafada pelos gemidos de Lara que vai ficando cada vez mais fora de si.
- Espera! - a demónio pára subitamente, os seus olhos movem-se em todas as direcções procurando algo que parece não existir. - Não estamos sós, Cav, algo nos observa.
- Tens a certeza? - pergundo puxando as calças para cima.
- Achas que iria parar de fazer o que eu mais gosto se não tivesse a certeza, humano? - responde ela com um sorriso malandro. - Deixa-me apenas concentrar que eu já apanho o voyeur. - o seu olhar volta a mover-se em todas as direcções detendo-se de repente num canto escuro e sujo da rua. - Ali!
A demónio desaparece subitamente nas sombras e volta a aparecer quase instantaneamente no local onde o seu olhar se deteve. Uma breve rixa foi tudo o que bastou para se desembaraçar do nosso espião pervertido.
- Já viste quem eu apanhei, meu querido, o nosso beijoqueiro de serviço, Léon DedosRápidos.

terça-feira, novembro 07, 2006

Anoitecer em Briseida

O pôr do Sol em Briseida é um evento no mínimo avassalador, o grande astro afunda-se majestosa e lentamente sobre as águas azuis e cristalinas que banham o Porto das Nereidas lançando sobre elas mil e uma cores antes de desaparecer por completo no horizonte.
- Uau, que espectáculo! - exclamo de boca aberta perante este cenário quase divino.
- Eu disse-te que ias gostar. - diz a feiticeira sorrindo. - Quando o dia não me corre bem, venho para aqui e contemplo este momento maravilhoso e, por breves minutos, esqueço tudo e sorrio.
- Mas qual é a piada disto? - interrompe Lara extremamente aborrecida e reprimindo um bocejo. - Não vai ser um pôr do Sol que irá criar um clima em volta de um casal, são os olhares, os movimentos corporais e o tom de voz usado que irão despertar o desejo e a luxúria. Mas vocês humanos têm de encontrar sempre algo mais, têm de encontrar algo mágico e maravilhoso para mostrar e transmitir os vossos sentimentos, que lamechas!
- Como podes dizer uma coisa dessas? - pergunta Diana escandalizada. - Como podes resumir tão insensivelmente sentimentos e momentos tão mágicos para nós, humanos? Nem tudo gira à volta do sexo, existe algo mais do que isso, algo bem mais interessante e satisfatório. Se não consegues ver isso, então tenho pena de ti, demónio, pois és pobre de espírito.
- Pena de mim? Pobre de espírito? Como te atreves a dizer-me isso, humana, esqueces-te que falas com um ser superior? - diz a demónio endireitando-se e lançando à feiticeira um olhar fulminante de poucos amigos.
- Um ser superior? Como te podes declarar superior a mim quando te reges por instintos primordiais, quando te deixas levar cegamente pelas vontades do teu corpo? Superior? Talvez apenas em termos de físico e agilidade, porque em termos de mentalidade és bastante inferior a mim, uma humana. - diz a feiticeira calmamente, mas com uma força na voz, encarando o olhar fatal da demónio.
Lara observa incrédula a feiticeira, aquela sua calma deixou-a completamente desarmada.
- Ou és louca, ou incrivelmente corajosa, para falares assim a um demónio. - diz ela.
- A loucura e a coragem andam de mãos dadas, Lara, e além disso, não sou engraxadora ou hipócrita, digo o que penso e o que sinto, sou muito honesta nesse sentido, um defeito que me tem isolado profundamente.
- És corajosa, humana, e gosto disso. - diz a demónio esboçando um sorriso que me deixa surpreendido. - Diana, acho que nos vamos dar lindamente.
Sorrio e deito-me sobre a areia observando as estrelas que começam timidamente a aparecer no céu, esta demónio não pára de me surpreender, quem diria que ela iria reagir desta forma...

Caminhamos os três de regresso à cidade tomando como rota o Porto das Nereidas quando subitamente os sons de uma violenta discussão fazem-se ouvir vindos de uma taberna chamada Barbas de Poseídon. Três marinheiros com caras de poucos amigos irrompem então de dentro da taberna e correm para uma viela preparados para uma luta.
- Eles já se foram? - pergunta uma voz vinda de um barril assim que o som dos passos se dissipa.
- Sim, já. - responde a feiticeira.
- Óptimo! - de dentro do barril sai um jovem de 20 anos, muito sorridente e bem disposto. - Obrigado pela dica, miúda, tava a ver que ia desta para melhor.
- Miúda!? - repete a feiticeira surpreendida.
- Já agora, sou o Léon DedosRápidos. - continua ele. - E tu quem és?

sexta-feira, novembro 03, 2006

O Jornal

A praça central é o principal afluente da cidade, todos os dias passam por ali milhares de pessoas que com um passo geralmente apressado se dirigem para os seus empregos ou para os seus compromissos. Aqui encontra-se um dos mais belos jardins de toda a região e a célebre estátua dos dois amantes que muitos juram que está encantada, à volta desta esplêndida praça podemos encontrar bancas de comerciantes ambulantes e várias casas de convívio que servem uma bebida exótica com um estranho nome, café. Completamente desiludidos com o desfecho da nossa investigação sentamo-nos numa das esplanadas e pedimos três destas bebidas tão esquisitas.
- Estamos num beco sem saída, quem quer que tenha morto o outro tipo, matou também o nosso homem mistério. - diz Lara desapontada bebendo um golinho deste líquido misterioso.
- Vocês têm a certeza que querem continuar esta investigação, é que se estão a meter com alguém muito poderoso. - pergunta Diana bebendo com mais à vontade o seu café.
- Claro! - responde Lara apressadamente. - Eu não gosto de ser manipulada e vou exigir explicações a quem quer que esteja por detrás de tudo isto.
A feiticeira vira-se para mim para tentar saber qual é a minha opinião.
- Faço minhas as palavras da Lara, Diana.
Ficamos por uns momentos em silêncio saboreando o café e uns bolinhos caseiros bastante apetitosos.
- Extra! Extra! Guerra cívil na República! Extra! - apregoa um vendedor de jornais.
Lara e eu olhamos um para o outro.
- Cav, tu não achas que...
- Tenho quase a certeza, Lara. Rapaz, um jornal.
- Tens a certeza do quê? - pergunta Diana sem perceber nada da conversa.
- É uma longa história. - respondo abrindo o jornal.

Parece incrível, mas após quase 2000 anos de paz a velha República entrou em guerra cívil. As notícias que nos chegam da capital são escassas e muito contraditórias, ao que parece tudo começou quando um homem tomou conta do Senado há alguns meses, desde então uma enorme instabilidade política tomou conta da República. Deram-se várias tentativas para depor este indivíduo misterioso que se auto-intitula de Iulius Caesar Magnus, mas todas falharam, ao que parece este homem possui um estranho sexto sentido que lhe permite reconhecer armadilhas.

- Sexto sentido uma ova, ele possui é o Olho! - diz Lara zangada.

Iniciou-se então um período bastante sangrento, uma era de prescrições como as realizadas pelo antigo Ditador romano Lucius Cornelius Sulla. Aqueles que não juravam fidelidade incondicional ao novo Imperador eram julgados e condenados à morte em plena praça pública. Os que conseguiram escapar criaram a facção republicana e reuniram um exército para destruir este vil homem.
O Mundo está dividido em dois e espera impaciente pelo resultado final. Será este o fim do mundo que conhecemos? Que consequências trará esta guerra para as cidades estado independentes como Briseida? Este jornalista não tem respostas para estas perguntas e muitas outras, só espera que todo este conflito termine rapidamente e que Gaia respire paz uma vez mais.


- És senador, não és, Cav? O que vais fazer, vais juntar-te à facção republicana? - pergunta a feiticeira.
- Desde a morte da Ela que esse mundo ficou para trás, sou um sonhador e acredito piamente em Roma e tudo o que representa, mas esta já não é a minha luta...
- Mas a Ela não morreu, está viva.
- Para mim continua morta, o que ela fez não tem perdão, pelo menos não ainda.
A feiticeira coloca a sua mão sobre a minha e sorri.
- Tás tão diferente, tão diferente.
Sorrio e coloco a minha outra mão sobre a dela.
- Como tu disseste, já não temos 15 anos.
- Vocês já olharam bem para o rosto da Aquileia? - interrompe Lara. - Ela está a chorar!

quinta-feira, novembro 02, 2006

O Homem Mistério

As investigações de Diana levam-nos à parte mais rica da cidade, uma zona composta por jardins magníficos e exuberantes e por luxuosas vivendas e villas. De acordo com as informações da feiticeira a casa que procuramos fica mesmo em frente ao Jardim dos Descobrimentos, um parque muito belo repleto de flores e árvores exóticas erigido em homenagem às descobertas de Aquileia e Éwon.
- Então é aqui que se esconde o nosso homem mistério? - pergunta Lara admirando o desenho e a arquitectura da villa.
- Sim. - responde Diana. - Mas como já vos disse não creio que este homem seja um feiticeiro, não senti magia na sua aura.
- Tens a certeza? Olha que a magia que matou o homem que recebeu o pacote parecia ser muito poderosa. - digo desconfiado.
- E era, mas de uma coisa tenho a certeza, não foi este homem que a criou.
- Então existe alguém por detrás de tudo isto? Alguém a quem este homem muito certamente serve? - pergunta Lara fitando a feiticeira.
- Sem dúvida.

A porta abre-se e um criado muito velho e curvado aparece no interior.
- O que desejam? - pergunta ele numa voz estranhamente forte.
- Falar com o teu senhor. - responde Lara altivamente entrando sem cerimónia.
- O que está a fazer? Retire-se imediatamente, não recebeu nenhuma autorização para entrar!
- Eu tenho assuntos sérios para tratar com o teu senhor, velho, por isso faz-te útil e vai chamá-lo, ok? - diz a demónio num tom que não tolera contestação.
- Como se atreve! - o velho servo agarra a demónio pelo manto e puxa-o com uma força surpreendente revelando o seu rosto. - Um demónio! - exclama ele assustado.
- Faz o que te mando! - remata Lara aproveitando a sua reacção. O servo afasta-se rapidamente indo cumprir as ordens desta visita inesperada. - Aqui está uma criatura inferior que conhece o seu lugar, se ao menos todos fossem assim...
- Ainda bem que não somos. - digo sorrindo.
A feiticeira aproxima-se de mim e sem que a demónio note sussurra-me ao ouvido.
- Ela é sempre assim?
- Nem por isso, ela hoje até está bem disposta.
Momentos depois surge o nosso homem mistério acompanhado pelo seu fiel servo, ao ver-nos fica ligeiramente nervoso.
- O que desejam? - pergunta ele numa voz bem mais frágil do que a do seu velho servo.
A demónio sem pensar duas vezes lança-se a ele agarrando-o pelo pescoço e encosta-o à parede.
- Sabes bem o que é que nós desejamos. - diz ela com uma voz autoritária.
- Bem disposta? - pergunta-me a feiticeira.
- Sim...
- Hm, imagino então como será ela maldisposta.
- E-eu, e-eu não tive a culpa, foram as ordens que recebi, por favor tentem entender, eu até vos paguei muito bem.
- Tu pagaste para entregar um pacote, não para matar um tipo. Diz-nos para quem trabalhas!
- E-eu n-não posso, se o fizer sou um homem morto. - o homem começa a suar em bica e a tremer desenfreadamente.
- Se não o fizeres também és um homem morto. - diz Lara sacando um punhal e apontando-o à barriga dele. - Sabias que sou uma assassina? Conheço muito bem a anatomia de todas as raças de Gaia, por exemplo, se te cravar o punhal aqui morres em questões de segundos, mas se por acaso to cravar aqui morres bem lentamente e com muitas dores. Por isso meu caro, é bom que cuspas o que sabes.
- V-vocês vão deixar que ela me mate? N-não têm piedade? - grita o homem para mim e para a Diana quase a perder os sentidos.
- Cav, tens a certeza que não é melhor intervires? - pergunta a feiticeira preocupada.
- Tenho, é tudo bluff, acredita.
- Cospe o que sabes. - rosna Lara pressionando o pescoço do homem já exasperada.
- Está bem, eu conto.
Lara sorri triunfantemente e liberta-o afastando-se uns passos. O homem massaja o seu pescoço dorido e olha para nós com um misto de raiva e de medo.
- Eu não tenho escolha, pois não? Pois bem, não fui eu o causador da morte daquele homem, eu fui apenas um intermediário.
- Quem era ele? - pergunto.
- Eu não sei bem, sei apenas que andou a meter o nariz onde não era chamado, a fazer muitas perguntas e a criar instabilidade na cidade.
- Quem o matou? - pergunta Lara impaciente.
O homem abre a boca para responder mas nenhum som se escapa da sua boca, ao principio parece que se sente com falta de ar, mas pouco depois a sua cara começa a ficar muito vermelha e o homem cai de joelhos no chão agarrando-se ao pescoço e tentando a todo o custo respirar.
- Magia! - grita Lara.
- E poderosa! - diz Diana.
Assim que tentamos fazer algo para o ajudar um som distinto de um pescoço a quebrar-se propaga-se pelo o ar e o homem cai no chão morto fitando o vazio.