domingo, setembro 09, 2007

Na Arena

Mais um espectáculo sangrento tem início para gáudio das centenas de espectadores sentados nas bancadas. No centro da ampla arena encontram-se frente a frente dois bravos guerreiros peritos na arte de matar. O primeiro, um homem alto e moreno, enverga sobre uma camisa de linho branco, uma pesada couraça de bronze que lhe protege totalmente o peito; os seus braços fortes e musculados estão totalmente expostos excepto nos pulsos onde duas braçadeiras de bronze ornadas com estranhos relevos lhe garantem uma parca protecção; as suas pernas bem constituídas estão cobertas por um pequeno saiote de tiras em couro e umas caneleiras em bronze que ilustram os mesmos relevos das braçadeiras; umas sandálias de couro protegem os seus pés da areia quente e desconfortável; e o seu rosto está protegido por um capacete de bronze embelezado com um penacho vermelho que não só o protege dos golpes à cabeça, mas que também lhe reduz o campo de visão; como armamento transporta na sua mão direita uma espada curta, gladius, e na sua mão esquerda um escudo redondo em bronze. O segundo, um núbio alto e de olhar feroz, não possui qualquer protecção, excepto no seu braço esquerdo onde uma uma braçadeira de escamas em metal o cobre por completo; uma simples toga branca cobre o seu sexo e os seus pés nús mergulham insensivelmente na areia escaldante; as suas únicas armas são uma lança de um metro e meio que segura com a sua mão direita e uma resistente rede de que está firmemente agarrada ao seu punho esquerdo.
As trombetas soam e o oficial responsável pela arena faz sinal para que o combate se inicie. Os dois homens saúdam a multidão e de seguida a si mesmos antes de iniciarem a peleja. A multidão vibra e solta gritos de apoio a cada um dos combatentes enquanto estes se testam mutuamente. Subitamente um grito de júbilo percorre as bancadas e a areia dourada e escaldante é tingida de um vermelho rubro. O primeiro sangue fora derramado e o verdadeiro combate tem agora início.

- Não há dúvida, a guerra termina e as coisas regressam rapidamente ao normal. - diz um jovem observando o violento combate que se desenrola diante de si.
- É verdade. - responde um homem entroncado e careca continuando a olhar para a sua espada sem sequer levantar os olhos. - Mas por um lado até é bom, se a maldita guerra continuasse eu ficaria sem emprego. - diz ele com um ligeiro sorriso.
- És um voluntário na arena?
- Sou, assim como a maioria dos que aqui estão. - diz levantando finalmente os olhos e olhando na direcção do jovem. - O tempo dos escravos-gladiadores já passou, davam muito trabalho e as revoltas eram frequentes. Agora somos todos profissionais.
- Sim, mas ser um gladiador, mesmo que profissional é uma profissão de risco, nunca sabemos se este será o nosso último dia.
- Ninguém vive para sempre, todos morremos um dia. E no fundo o risco está sempre presente, até mesmo os agricultores, ou criadores de gado que levam vidas pacatas podem morrer de um momento para o outro. Apenas os Deuses conhecem o nosso Destino. - diz ele serenamente voltando a observar a sua espada. - Tens medo da morte?
- Não... Apenas tenho receio de desperdiçar a minha vida em vão.
- Então não te inscreveste por vontade própria?
O jovem sorri e volta a observar o combate.
- Não. Fui hoje vendido ao teu senhor com escravo-gladiador. Deixei para trás boas amigas, pessoas que me marcaram e que espero, do fundo do coração, que estejam bem.
- Ah, percebo, estás então contrariado por ter de arriscar a tua vida, não é? Não te preocupes, o meu senhor é dos bons, terás boa comida, bebida, um bom quarto e uma bela mulher, homem, ou animal (depende dos gostos) com quem disfrutar bons momentos. E dentro em breve, se tudo correr bem, irás fazer muitos amigos aqui. - diz ele levantando-se e cortando o ar com a sua possante espada. - Espero que seja esse o Destino que te reservaram os Deuses.
- O meu Destino não é ser gladiador. - responde o jovem encarando de novo o seu interlocutor. - No entanto sinto que devo permanecer convosco durante algum tempo.
- Hm, quem te ouvir falar até parece que és capaz de sair daqui pelo teu próprio pé.
O jovem esboça um sorriso e volta a observar o combate.
- Apenas quando o meu Destino estiver claro. - murmura.
Um grito ecoa pela arena e a multidão explode em delírio. O combate terminara e o núbio saíra vencedor deixando a sua quebrada lança enterrada nas entranhas do seu adversário.
- Bom, parece que agora é a minha vez. - diz o homem virando-se para o jovem e estendendo-lhe a mão. - Sou Ajax.
- Chamo-me Cavaleiro. - respondo apertando-lhe a mão. - Desejo-te boa sorte e que Bellona te proteja.
- Ishtar, a minha Deusa é Ishtar. - responde com um sorriso. - E agora, observa e aprende.
As trombetas voltam a soar e um novo combate tem início.

segunda-feira, agosto 20, 2007

Vingança (5ª Parte)

- Vês o que a tua amiga me obrigou a fazer, meu anjo? - diz Eliantha acocorada em frente do corpo calcinado de Diana e apoiada no seu bastão de prata. - Não era minha intenção matá-la, mas ela irritou-me e... Bem, aí está o resultado. Que desilusão, é um verdadeiro desperdício de energia. A tua amiga era verdadeiramente poderosa e tinha mais recursos do que eu poderia ter imaginado. Como é que ela se chamava?
- Diana. - responde Lilian sufocando as lágrimas.
- Diana... Belo nome. É o nome da Deusa da caça e da Lua. Não é de admirar que fosse tão poderosa. - diz Eliantha sorrindo e colocando a sua mão esquerda sobre a testa da feiticeira. - Vade in pace, Diana. - murmura desenhando um símbolo.
- O que estás a fazer?
- Oh, nada de mais, meu anjo. Estou apenas a tornar a sua passagem para o outro mundo ligeiramente mais fácil.
- Mas porquê?
- Por que a tua amiga foi uma adversária formidável e embora tenha sido minha inimiga merece o meu respeito. - diz Eliantha levantando-se. - Agora vamos tratar desse odioso círculo de protecção.
- Espera. Há uma coisa que eu continuo sem perceber.
- E que coisa é essa, meu anjo?
- O que tu acabaste de fazer, esse acto de altruismo para com a Diana, não o compreendo.
- E porque não?
- Porque és uma mulher egoísta e ambiciosa. És uma pessoa que não se preocupa com ninguém a não ser consigo mesma.
- É isso que pensas de mim?
- Sim.
- Então lamento desapontar-te, meu querido anjo, mas estás redondamente enganada. É verdade que sou uma mulher ambiciosa, gosto de ser a melhor em tudo o que faço, mas isso não significa que não tenha honra, ou que não respeite os meus adversários.
- Como é que podes respeitar os teus adversários, os teus inimigos, se lhes sugas tudo aquilo que eles são e que poderão vir a ser?
Ao ouvir estas palavras a atitude zombeteira de Eliantha desaparece totalmente dando lugar a uma frieza até então desconhecida.
- A conversa terminou, meu caro anjo. - diz num tom gélido e calculista.
- Parece que a verdade não é do teu agrado.
Ignorando estas últimas palavras a pérfida feiticeira coloca a sua mão esquerda sobre a bela esmeralda que jaz no topo do seu bastão e murmura um novo feitiço. Esta muda de cor tornando-se num belo e magnífico rubi cor de sangue. Por fim, e continuando a recitar incessantemente os versos obrigatórios do feitiço, Eliantha atira o seu bastão com toda a sua força na direcção do círculo de protecção. Este reage imediatamente ao objecto encantado atirado na sua direcção. A barreira mágica criada por Diana ergue-se instantaneamente cercando o bastão e incidindo sobre ele todo o seu poder destrutivo. No entanto, algo de errado acontece. A magia protectora do círculo volta-se contra si mesma destruindo uma por uma as runas estampadas a azul no chão. Sem as runas mágicas de onde possa tirar a sua força mágica, a barreira é quebrada e desfaz-se em mil e um pontos de luz azul.
- Agora passemos ao que realmente interessa. - diz Eliantha estendendo a sua mão direita e ordenando ao seu bastão que regresse.
- Não! Tu não lhe vais fazer aquilo que me fizeste, sua vampira! - grita Lilian levantando-se num salto e colocando-se entre a feiticeira e Eleanora.
- Já me começas a irritar, anjo. Desaparece da minha vista! - com um simples piscar de olhos Lilian é projectada com violência contra a parede.
Sem outra contrariedade entre ela e a elfo, Eliantha percorre calmamente a curta distância que as separa.
- Sabes, meu anjo, a sorte da tua amiga é que o novo Imperador a quer viva. - diz Eliantha arrancando a seta do estômago da elfo e curando por artes mágicas a sua ferida. - Mas isso não me irá impedir de me deleitar com alguma da sua energia vital.
- Eu disse para a deixares em paz! - grita Lilian furiosa invocando instintivamente uma violenta lufada de ar.
Eliantha é apanhada totalmente de surpresa e é projectada alguns metros para trás.
- Isto foi inesperado. - diz ela fitando confusa a furiosa Lilian. - Não devias ser capaz de lançar feitiços, minha cara, eu suguei todo o teu poder. É impossível.
- Pelos vistos não me tiraste tudo. - responde Lilian sorrindo confiante.
- Parece que não, mas isso resolve-se.
Sem esperar pela a reacção da sua adversária, Eliantha lança-lhe um feitiço de contenção prendendo todos os seus movimentos e retirando-lhe a capacidade de emitir sons.
- Agora estás indefesa, meu anjo. Como vês a tua resistência foi inútil, eu venci e não há ninguém que me possa impedir de obter o que quero. - diz com uma confiança inabalável.
- Tens a certeza disso? - diz uma voz atrás de si.
- Quem!? - espantada a feiticeira vira-se instintivamente na direcção da voz. - Tu!?
Os incrédulos olhos da feiticeira tornam-se esbugalhados assim que sente uma lâmina fria cravar-se no seu peito. As suas mãos crispadas de dor agarram-se firmemente aos braços da sua assassina no instante em que os seus joelhos trémulos cedem debaixo de si. O seu rosto perde a sua cor tornando-se lívido e retratando a triste cena de uma mulher que esteve prestes a ter tudo, mas que tudo perdeu.
- Que te sirva como última lição, feiticeira. - diz a sua assassina. - Um demónio nunca é privado da sua vingança.
A lâmina penetra mais fundo girando em torno da carne martirizada causando uma forte e fatal hemorragia. Sob o gélido olhar ambarino de Lara, Eliantha solta o seu último suspiro agarrando até ao último momento os pulsos da demónio.
- Acabou! - diz Lara cuspindo na cara do cadáver. - Vamos embora daqui.
- E quanto à Diana? - pergunta Lilian ajudando Eleanora a levantar-se.
- Vamos tirá-la daqui. - responde Lara. - Eu levo-a.
- Sabes, demónio, - diz Eleanora apoiando-se em Llian. - nunca fiquei tão contente por te ver.
- Fiz o que tinha de fazer. Ninguém insulta um demónio e sai impune.
- E para onde vamos agora?
- Para Sul, para bem longe do Imperador, Lilian. - responde a elfo. - Eu tenho um barco que está pronto a partir a qualquer hora. Podemos partir já. O que me dizes, Lara?
- Digo que não há nada que me prenda aqui e que aceito o convite, Eleanora.
- Engraçado. - diz Lilian. - É a primeira vez que vocês as duas se tratam pelo nome.
- É verdade. - diz Eleanora sorrindo. - O Destino por vezes aproxima pessoas incompatíveis.
- Talvez... - responde Lara. - Mas agora vamos é sair daqui.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Vingança (4ª Parte)

Lilian corre na direcção do corpo de Eleanora ajoelhando-se a seu lado e acariciando o seu rosto lívido e exangue.
- Oh, Ela, por favor não morras. - diz ela com os olhos marejados de lágrimas.
Diana por seu lado mantém-se de pé, imóvel, fitando corajosamente a sua poderosa adversária.
- Podes ter derrubado a Lara e a Ela, mas garanto-te que eu não serei assim tão fácil de vencer. - diz ela conjurando um círculo de protecção. - Lilian! traz a Ela e a Lara para aqui, ao menos estarão seguras.
- Hm, que interessante, um círculo de protecção. - diz Eliantha observando calmamente o círculo de runas azuladas que se vai estampando no chão em redor das suas adversárias. - Sabes, é claro, que isso não te irá proteger eternamente.
- Sei, mas também não será necessário, em breve estarás de joelhos pedindo misercórdia. - diz Diana sorrindo desafiadoramente.
- Ai sim? - responde a feiticeira rindo. - Creio, no entanto, que estás equivocada. O meu poder ultrapassa largamente o teu, como vou ter a oportunidade de to mostrar.
- Pois então menos palavras e mais acção! - grita Diana erguendo o seu bastão e invocando todo o seu conhecimento arcano.
O ar da sala torna-se eléctrico e uma ligeira vibração faz estremecer as janelas, portas e candelabros. Eliantha observa calmamente a demostração de poder da sua oponente sorrindo desdenhosamente.
- É só isso que tens para me mostrar? Umas quantas faíscas e abalos? - grita Eliantha num tom de troça.
Ignorando a sua adversária Diana invoca uma armadura mística que lhe cobre o corpo dos pés à cabeça protegendo-a de ataques físicos e mágicos. De seguida lança sobre si e sobre as suas companheiras auras de protecção contra o pânico e a confusão mental. Por fim e sob olhar atento de Eliantha, que continua a sorrir, conjura uma barreira mágica passivo-agressiva para proteger Lilian, Eleanora e Lara, reforçando assim o círculo de protecção.
- Agora estou pronta para o combate. - diz ela abandonando a segurança do círculo.
- Pois quê? Abandonas assim, sem mais nem menos, o teu círculo de protecção? - diz Eliantha espantada. - Deves ser mais tola do que eu pensava.
- Dentro do círculo não posso usar a totalidade dos meus poderes. Infelizmente as magias de protecção são sempre um pau de dois bicos, por um lado protegem-nos da magia exterior e por outro, limitam a magia lançada do seu interior.
- Muito bem. Mostra-me então aquilo de que és capaz.
- Com todo o prazer.
Sem perder tempo Diana abre a sua mão esquerda e aponta-a na direcção de Eliantha, dos seus dedos cinco mísseis mágicos são lançados a toda a velocidade contra a sua oponente. Esta, apanhada desprevenida devido à sua arrogância e orgulho, não tem tempo de se proteger e é atingida em pleno peito pelas bolas cor de violeta de pura magia.
- Devo dizer que me... - antes de ter a oportunidade de acabar a frase uma violenta ventania de farpas materializa-se em seu redor cortando-lhe a carne e atirando-a para o extremo da sala de encontro ao seu trono.
Eliantha tenta erguer-se apoiando-se com uma das mãos no seu trono virado enquanto a outra limpa um fio de sangue que lhe escorre do lábio aberto.
- És melhor do que eu pensava, feiticeira. - diz Eliantha deixando passar um esgar de dor assim que se põe de pé.
- E ainda não viste nada! - grita-lhe Diana caminhando na sua direcção e conjurando mais um feitiço.
Em redor de Eliantha cinco criaturas, vindas das mais diversas mitologias, materializam-se. Guiadas pela vontade e pela magia de Diana as criaturas atacam a pérfida feiticeira brandindo os seus machados e lanças. Eliantha esboça um sorriso e bate com o seu bastão no chão. Imediatamente uma onda eléctrica varre o pavimento electrocutando todas as criaturas. Diana pragueja, mas depressa conjura mais um dos seus feitiços. As lajes de mármore entre Diana e Eliantha começam a tremer e a sair dos seus lugares concentrando-se num sítio específico dando forma a um golem de dois metros. Este solta um uivo horrendo e começa a movimentar-se lentamente na direcção de Eliantha destruindo tudo à sua passagem. Esta com uma calma calculada ergue o seu bastão e murmura umas palavras. Um raio de luz verde é libertado da esmeralda atingindo o peito da criatura e transformando-a imediatamente em pó.
- Devo dizer que és boa, minha cara, mas não o suficiente para me derrotar. - diz a feiticeira sorrindo.
- Não cantes vitória antes do tempo, eu ainda não joguei os meus melhores feitiços. - diz Diana concentrando-se uma vez mais e conjurando outro dos seus feitiços.
Mas algo corre mal e embora a sua energia tenha diminuido como se de facto a mágica tivesse sido feita, a verdade é que nada aconteceu.
- Oh, mas o que é que se passa? - pergunta a sua oponente com uma preocupação fingida.
- Eu... não sei... - responde Diana alarmada.
Uma vez mais tenta lançar um novo feitiço, mas mais uma vez nada acontece.
- Sabes, tu de facto és poderosa, por isso tive que recorrer a uma táctica que raramente uso, as contra-mágicas. - diz Eliantha. - Devias sentir-te muito honrada por utilizar essa técnica contigo.
- Não pode ser. - diz Diana tentando uma vez mais concentrar o seu poder.
- Oh, não insistas, não vale a pena. Sempre que tentas invocar algo eu lanço-te um contra-feitiço. Os teus poderes já não funcionam, por isso escusas de gastar a tua energia.
- Essa técnica é odiosa, mas ainda bem que me avisaste, estou preparada para feiticeiros traiçoeiros. - e dizendo isto conjura uma vez mais um feitiço.
- Tola. - Eliantha sorri e lança outra vez a sua magia para impedir o feitiço de Diana.
No momento em que a pérfida feiticeira lança a sua contra-mágica uma explosão de energia branca desencadeia-se mesmo à sua frente atirando-a ao chão.
- Graças a feiticeiros traiçoeiros como tu, um mago poderoso criou este feitiço. É uma espécie de contra-contra-mágica, só que tem uns certos poderes adicionais, como acabaste de ver. - diz Diana sorrindo.
- Sabes, começo a ficar farta de ti! - diz Eliantha levantando-se. - Está na altura de passar ao ataque.
- Pois então ataca, estou desejosa de conhecer aquilo de que és capaz.
Eliantha reúne o seu poder preparando-se para o ataque, enquanto que Diana conjura uma série de feitiços de protecção. No entanto, assim que a pérfida feiticeira passa ao ataque todas as magias protectoras de Diana caiem por terra deixando-a vulnerável.
- Mas o que é que se passa? - pergunta ela espantada e alarmada. - Não podes ter lançado contra-mágicas, se o tivesses feito eu saberia.
- Pobre criança, não fazes ideia daquilo que enfrentas.
Eliantha aponta o seu bastão na direcção da sua oponente e dispara uma forte bola de energia na sua direcção. Diana ergue o seu bastão, mas por alguma razão a magia que tenta invocar não funciona e a bola ultrapassa a sua barreira defensiva decepando-lhe a mão que segura o seu fiel bastão. A feiticeira solta um grito de dor que é abafado pelo som de um violento trovão. Lilian grita ao ver a sua companheira cair de joelhos agarrando-se à ferida.
- Vamos ver como te safas agora. - diz Eliantha sorrindo.
- Vai para o Inferno! - grita-lhe a feiticeira.
- Talvez vá, um dia, mas parece que tu vais chegar lá primeiro que eu. - diz a pérfida feiticeira apertando com uma força invisível o pescoço de Diana e erguendo-a no ar.
- Deixa-a em paz!! - grita Lilian levantando-se e preparando-se para correr na direcção de Eliantha.
- Não, Lilian! Deixa-te ficar dentro do círculo. - geme a feiticeira tentando debater-se.
- Louvo essa tua atitude protectora, mas não te servirá de nada. Em breve o poder do círculo irá desvanecer-se e a Lilian ficará à minha mercê uma vez mais.
- Nunca, só por cima do meu cadáver.
- Oh, mas isso pode arranjar-se. - Eliantha ergue o seu bastão e uma enorme bola de fogo materializa-se em pleno ar atingindo o corpo de Diana matando-a instantaneamente.

quarta-feira, agosto 15, 2007

Vingança (3ª Parte)

A feiticeira caminha calmamente na direcção do grupo de quatro mulheres que se encontra à sua frente. Os seus perspicazes olhos esverdeados estudam e analisam cada uma das suas oponentes determinando as suas forças e fraquezas.
- Bem vindas ao meu palácio. - diz ela agitando levemente a mão direita pelo ar. - Devo dizer-vos que estava bastante curiosa em conhecer pessoalmente aqueles que durante estes últimos meses têm conspirado contra mim. - Eliantha faz uma pausa estudada para observar a reacção de Diana e Lara. - Oh, por favor, não façam essa cara de espanto, existe muito pouca coisa que se passe nesta cidade de que eu não tenha conhecimento. Até mesmo o paradeiro do vosso querido guerreiro não me é desconhecido.
- Tu sabes onde está o Cavaleiro? - pergunta Diana.
- Sei... O vosso Cavaleiro está neste momento a bordo de navio de escravos rumo a um destino desconhecido. - responde a feiticeira esboçando um sorriso. - A sua presença na "minha" cidade estava a tornar-se demasiado perigosa, por isso fui forçada a afastá-lo. - uma vez mais Eliantha faz uma pausa propositada observando com divertimento a reacção das suas ouvintes.
- Então foste tu a culpada pelo desaparecimento do Cav? - pergunta Lara num tom de voz contendo uma irritação crescente.
- Ah, a irascível demónio. É deveras peculiar ver uma criatura como tu aliada a humanos e elfos, e muito mais raro ainda é ver que nutres sentimentos por um desses humanos. Diz-me, demónio, é impressão minha ou amoleces-te? - a meticulosa escolha de palavras de Eliantha desfere um profundo golpe no orgulho de Lara provocando na demónio a reacção desejada.
- Como te atreves a a falar-me dessa maneira, feiticeira. - explode a demónio encolerizada. - Sou um demónio de puro sangue e tu não passas de uma patética humana que pensa que lá por lançar umas pequenas faíscas pode insultar um ser superior.
- Superior, tu? Caro demónio, tu para mim não passas de ralé com ilusões de grandeza. - responde-lhe Eliantha rindo.
- Ralé!!?? Ralé!!?? - grita a demónio completamente enraivecida desembainhando as suas espadas curtas. - Vou arrancar-te o coração, reles humana. Prepara-te para enfrentares os Infernos.
- Lara, espera!! - grita Diana tentando deter a impulsiva demónio.
Mas é tarde demais, Lara lança-se no ar imersa numa fúria assassina tendo como alvo o coração da sua oponente. Eliantha observa divertida esta iniciativa da demónio, na sua mão direita materializa-se um longo bastão de prata com uma esmeralda do tamanho de um punho incrustada no topo.
- Não!! - diz ela num tom de voz forte e levantando o bastão no preciso momento em que as lâminas afiadas de Lara distam apenas dez centímetros do seu peito.
Um intenso brilho esverdeado é libertado da esmeralda e a demónio é projectada com toda a força contra uma parede deixando-a inconsciente.
- Não, não, não! Por favor não! - grita Lilian encolhendo-se a um canto.
- Não sei se te devo felicitar, ou repudiar, pelo que acabaste de fazer. - diz Eleanora. - És de facto uma feiticeira poderosa, mas continuamos em vantagem numérica, e, como podes ver, a minha amiga aqui, também é feiticeira.
- A vossa "vantagem" é ilusória, vocês não estão à minha altura. - diz Eliantha rindo.
- A tua sede de poder e a tua arrogância cegam-te. Enfrentas um elfo e uma feiticeira e, caso não saibas, nós elfos somos peritos em deitar por terra aberrações como tu. Aberrações que distorcem as sagradas leis da Natureza para alcançar os seus objectivos egoístas.
- E onde queres chegar com isso? É que a vossa presença começa a aborrecer-me.
- Quero dizer simplesmente que escolheste mal os teus adversários. - ao dizer isto a elfo aponta o seu arco longo feito de madeira sagrada da floresta de Oth e reforçado com runas místicas que lhe conferem propriedades mágicas. Dele é habilmente disparada uma flecha de prata com lâmina a ouro e penas de grifo. Estas flechas são conhecidas por toda a Gaia como «o terror dos feiticeiros», pois em pleno vôo anulam as suas capacidades mágicas deixando-os impotentes e vulneráveis.
Eliantha apenas sorri e murmura umas palavras enquanto ergue a mão esquerda. A flecha pára em pleno vôo mantendo-se congelada no tempo.
- Estou a ver que de facto vos substimei. - diz ela observando com cuidado a flecha. - Mas asseguro-te, elfo, que tal não se voltará a repetir.
Com um simples estalar de dedos a flecha inverte o seu curso e voa a alta velocidade na direcção de Eleanora. Diana e Lilian observam impotentes a flecha cravar-se no estômago da elfo. Esta cai incrédula no chão empapando com o seu sangue o pavimento de mármore.
- Duas já estão, falta apenas uma. - diz Eliantha sorrindo triunfante.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Vingança (2ª Parte)

Gotas de chuva caiem do húmido tecto da masmorra formando inúmeras poças de água no seu gélido e degradado chão de pedra. Os archotes, colocados aqui e ali nas negras e viscosas paredes, iluminam fragilmente os longos e tenebrosos corredores que conduzem a várias câmaras de terror e tortura. Por entre eles caminha um grupo de quatro mulheres que tenta desesperadamente encontrar a saída deste local macabro.
- Mas por que raio é que temos de percorrer estes corredores para encontrar uma saída? Não seria mais fácil abrires uma porta mágica e tirar-nos daqui? - pergunta Lara cansada.
- Seria. - responde Diana. - Mas o problema é que algo, ou alguém, impede-me de criar uma.
- E o pior de tudo, - interrompe Eleanora. - é que ainda não encontrámos nenhuma oposição. Não estou a gostar nada disto, cheira-me a armadilha.
- Isso é porque é uma armadilha, Ela. - diz Lilan. - Isto é tudo obra de Eliantha. É ela que bloqueia os teus feitiços e foi ela que mandou embora todos os guardas. Ela está a brincar connosco, está a usar-nos como se fôssemos peões num tabuleiro e vai conduzir-nos até à sua armadilha para nos sugar a energia e força vital.
- Para fazer isso terá que nos derrotar primeiro, humana, e eu garanto-te que este demónio não será subjugado assim tão facilmente. - afirma Lara confiante esboçando um sorriso.
- Folgo em saber que estás confiante, Lara, mas tu não fazes a mínima ideia de quem estás a lidar. Ela vai brincar contigo e depois, quando estiveres à sua merçê, irá obrigar-te a implorar pela vida, antes de te "devorar".
- Da maneira como falas até parece que não temos hipótese alguma. - diz Diana fitando seriamente os olhos de Lilian.
- E não temos. Estamos todos mortos. - remata Lilian fatidicamente.
- Caramba, mais valia tê-la deixado inconsciente, Diana. Não precisamos de uma segunda Cassandra a berrar aos sete ventos a morte e o infortúnio. - comenta a demónio lançando um olhar de poucos amigos ao ex anjo.
- Se tivermos que morrer, que assim seja, estou preparada. Brighid conduzirá os nossos espíritos através do mundo dos mortos. Mas agora conto com o auxílio de Morrigan para a batalha que se aproxima. Os Deuses estarão connosco e juntas venceremos essa tal de Eliantha! - exclama a elfo cheia de confiança.
Após uma longa caminhada, e graças à experiência de Eleanora como batedora, o grupo encontra finalmente a saída da masmorra e entra num dos ricos e requintados salões do palácio. O contraste é absolutamente evidente: as salas escuras, húmidas e repletas de musgo são substituídas por enormes salões bem iluminados e repletos de belas tapeçarias, tapetes, móveis e espelhos multicoloridos; o odor nauseabundo a podre e a mofo é trocado por um aroma doce e refrescante que envolve todo o interior do palácio.
- Uau, que luxo! Essa Eliantha pode ser uma cabra de primeira ordem, mas ao menos sabe como viver a vida. - comenta Lara fascinada pela riqueza que vê à sua volta.
- A riqueza material não é tudo na vida, demónio. Existem coisas bem mais importantes. - diz a elfo.
- Ai sim? E quais são elas?
- Não vale a pena dizer-tas, demónio, obviamente nunca as entenderias. Mas isso agora não interessa, sigam-me, a saída é por aqui. - Eleanora dirige-se para uma porta de madeira com uma maçaneta em ouro, mas quando a tenta abrir esta mantém-se fechada. - Bolas, está trancada.
- Isso não é problema, deitamo-la abaixo. - diz Lara sorrindo.
- Não te aconselho a fazer isso, Lara. - diz Diana colocando a mão sobre o ombro da demónio detendo-a. - A porta está protegida por um encantamento poderoso, apenas te irias magoar e nada mais. Aliás, todas as portas estão trancadas e protegidas, excepto aquela que nos leva ao primeiro andar.
- Eu disse-vos que ela está a brincar connosco. Espero que estejam preparadas para morrer. - diz Lilian sombriamente.
- Não à dúvida, Lilian, sabes mesmo como levantar o moral do grupo. - diz a demónio sarcasticamente.
- Não sejas assim, Lara, a Lilian ainda não está em si, acabou de passar por uma experiência traumatizante, é natural que diga estas coisa. - responde Diana defendendo a antiga feiticeira.
- Seja como for, a Lilian tem razão. Somos obrigadas a enfrentar Eliantha e como tal temos de encarar a nossa morte como uma possível consequência desse confronto. - diz Eleanora olhando pensativamente para a única porta que resta.
- É verdade, não temos escolha. Seja o que os Deuses quiserem. - suspira Diana.
Sem alternativa o grupo escolhe a única porta disponível e sobe ao encontro do seu destino. A passagem condu-las até um vasto salão decorado com pinturas de diversos rituais bizarros e peculiares; uma passadeira vermelha estende-se desde a porta até à parede oposta a esta onde se encontram duas bandeiras escarlate com um símbolo de um dragão branco estampado a meio; e entre elas um belo trono esculpido a marfim com embutidos de ouro. Sentado nele, encontra-se uma bela mulher de cabelos negros, olhos verdes e vestido azul com uma longa racha nas pernas e um decote bastante generoso.
- Ah, finalmente. - diz ela levantando-se. - Estava à vossa espera.

segunda-feira, julho 16, 2007

Vingança

A tempestade torna-se cada vez mais violenta à medida que a noite avança. Negras nuvens cobrem os céus de Briseida soltando faíscantes relâmpagos capazes de afastar por breves segundos as espessas trevas da noite. Os trovões rugem com uma tal intensidade que são capazes de fazer estremecer os vidros e as loiças e a chuva, pesada e insistente, teima em cair dos céus causando estragos e inundações em algumas ruas e residências. A atmosfera em torno da cidade é electrizante e todos, desde o cidadão mais humilde e inexperiente até ao mais sábio, sente que algo de importante vai acontecer esta noite.
Eliantha observa placidamente o temporal de uma das janelas do palácio, a tempestade traz-lhe à memória recordações há muito esquecidas de uma época perdida no tempo. Um arrepio gelado provocado por uma súbita corrente de ar fá-la estremecer e apertar ainda mais o seu robe de lã azul ricamente bordado.
- Parece que os Deuses estão zangados. - diz ela observando um relâmpago prateado que aparece subitamente no céu iluminando a noite. - Será que tem algo a ver com aquilo que te estou prestes a fazer, anjo? - pergunta Eliantha rodando sobre os calcanhares e fixando os seus olhos esverdeados numa mulher que se encontra de joelhos no meio da sala.
- E o que é que uma louca como tu me quer fazer? - pergunta Lilian tentando levantar-se mas sem sucesso.
- Louca? Eu? Meu caro anjo eu não sou louca, apenas tenho grandes planos para esse poder que emanas. Esse poder tão delicioso que se escapa de cada poro da tua doce e delicada pele. - a feiticeira sorri e aproxima-se da cativa ajoelhando-se em frente dela. - Nunca conheci alguém com um poder tão puro e forte como o teu, acredita que vai ser um prazer sugar-to.
Lilian empalidece ao ouvir estas palavras.
- C-como assim?
- É muito simples, meu anjo, o teu poder, a tua essência divina, irá alimentar-me, irá tornar-me mais forte, mais jovem e bela. - responde Eliantha sorrindo. - Infelizmente, para ti, perderás todas as tuas capacidades e as tuas belas asas. Tornar-te-ás uma simples e reles humana.
- N-não! DE NOVO NÃO!! - grita Lilian tentando debater-se e afastar-se da vil feiticeira.
- Receio que não tenhas escolha, meu doce anjo. O teu poder será meu e não virá nenhum cavaleiro montado num cavalo branco para te salvar. É melhor parares de te debater e renderes-te ao teu Destino.
- Não... - a voz de Lilian é tão fraca que mais parece um gemido. Os seus olhos ainda agora tão verdes e vivos tornam-se baços e desprovidos de vida fitando simplesmente o vazio. Todo o seu corpo e mente ficam sem reacção como que hipnotisados pelo olhar vibrante de Eliantha. A sua pele sente pela primeira vez o toque gelado da mão da feiticeira e vai perdendo o seu calor à medida que a sua energia divina é lentamente sugada. As suas belas asas brancas estremecem como se a pureza da sua concepção estivesse a ser enlameada por algo muito negro e sujo. Lentamente vão apodrecendo perdendo a sua cor e altivez. Tudo o que Lilian fora, é e será é abruptamente apagado transformando-a numa simples casca vazia. - Oh Cav, meu doce Cav...

- O que é que vocês lhe fizeram? - pergunta Eleanora horas mais tarde segurando o corpo inanimado de Lilian.
- Nada que te diga respeito. - responde-lhe abruptamente um dos guardas. - Mas podes ficar descansada, a tua amiga irá ficar boa, caso chegue a acordar. - Os risos dos guardas ecoam pelo corredor, deixando Eleanora bufando de raiva.
- Lilian, Lilian, por favor acorda. Não deixes que aquela bruxa te leve a melhor, por favor reage. - a elfo dá ligeiras palmadinhas no rosto de Lilian para a tentar despertar. - Oh Blaudewed, por favor ajuda-nos!
Subitamente a porta da cela abre-se dando passagem a Diana.
- Olá, Ela, há quanto tempo. - diz Diana sorrindo.
- Diana? Mas o que é que fazes aqui? Como é que passaste pelos guardas lá fora?
- Estás a perguntar por estes trastes? - pergunta Lara emergindo das sombras transportando duas cabeças numa das mãos e na outra uma espada curta ensanguentada.
- Que raio de pergunta, Ela, vim salvar-te, é claro.

domingo, junho 17, 2007

Reencontros

O intenso calor que emana da lareira contrasta visivelmente com o vento gelado que sopra lá fora. Os grossos troncos de freixo, tratados com uma resina aromática especial, produzem uma chama viva e crepitante que espalha por toda a casa um aroma suave e agradável. Diversas vassouras, espanadores e panos do pó levitam descontraidamente pelo ar limpando calmamente o chão e a mobília assegurando-se de que tudo fica impecavelmente asseado. Na cozinha os sons de um jantar a ser preparado fazem-se ouvir, as facas, movidas por forças invisíveis, cortam a golpes de mestre os legumes e a carne; as panelas e os tachos flutuam na direcção do fogão que se acende automaticamente; e as diversas especiarias e condimentos agrupam-se alegremente para dar um toque final no preparado. Não tardará muito para que um cheirinho agradável a comida acabada de fazer se una ao aroma inebriante que emana da lareira. Num dos locais mais sagrados e restritivos da casa, a biblioteca, encontra-se a dona da casa, uma mulher de vinte sete anos, possuidora de uns longos e encaracolados cabelos dourados e de uns belos e expressivos olhos verde esmeralda. A sua atenção está totalmente centrada num pesado e grosso livro intitulado Magia Manual Avançada: Truques e Dicas, de um famoso feiticeiro, Kunn Diel. Uma chávena de chá de baunilha jaz na mesinha ao seu lado para a ajudar a descontrair enquanto se concentra nos complicados e minuciosos movimentos das mãos, necessários para produzir as magias indicadas no livro. Para Diana tudo é perfeito e não há nada no Mundo que lhe poderá estragar o momento.
- Já estou farta de estar à espera!! - rosna a demónio em alto e bom som entrando de rompante pela biblioteca adentro e cortando abruptamente a concentração da feiticeira. - Já passaram duas semanas e continuamos sem notícias dele. Mas onde raio é que aquele humano se terá metido? - continua a demónio sem reparar no ar desconcertado e irritado de Diana.
- Lara, caso não tenhas reparado eu estava concentrada a estudar um livro muito interessante. - diz a feiticeira tentando manter um tom de voz calmo.
- Como podes estar aí tão calmamente a ler quando o Cav anda desaparecido? - os olhos dourados de Lara fixam-se nos de Diana tentando colocar no espírito desta um sentimento de culpa.
- O Cavaleiro já é crescido e sabe o que faz, Lara, tenho a certeza que ele está bem. Tenho plena confiança nas suas capacidades e acho que tu também deverias ter. - responde a feiticeira enfrentando o olhar da demónio. - E além do mais, tu não deverias estar no templo do Sol a assistir ao festival?
- Cansei-me. - responde Lara sentando-se numa chaise longue em frente de Diana. - Estava curiosa para assistir a essas festas do Dies Natalis Solis Invicti, pois de acordo com os boatos pareciam ser boas, mas afinal não são nada de especial. Imagina que nem uma pequena orgia fazem. - diz a demónio recostando-se e olhando para o tecto. - Nós os demónios preferimos adorar a Lua e as trevas, não o renascimento da luz e do Sol Vitorioso... Eu pensava que todos os humanos celebravam essas festividades, porque é que tu não celebras?
- Eu tenho outras crenças e além do mais sou uma feiticeira, o meu poder não vem dos Deuses, mas sim de um outro local.
- Mesmo assim podias...
- Não, não podia. Eu prefiro ficar aqui em casa a ler e a estudar do que assistir a rituais que não me dizem nada. E afinal de contas desde as Guerras dos Feiticeiros que os sacerdotes nos olham com desdém.
- Parece que somos ambas párias nesta sociedade humana. - diz a demónio sorrindo.
- Sim... Queres um chá?
- Não, mas aceito o que quer que seja que estejas a cozinhar. Pelo cheiro parece ser bom.
- Claro que é, ainda duvidas da minha capacidade como cozinheira?
- Não, de momento só me questiono acerca de uma capacidade tua, Diana.
- Qual?
- Do que tu... - um alarme sonoro corta a frase à demónio e deixa a feiticeira em estado de alerta. - Que som é este, o que se passa?
- Vem das muralhas. Será que a cidade está a ser atacada? Mas isso não pode ser, a guerra terminou. É melhor ir vermos o que se passa.

Apesar da chuva e do vento gélido as pessoas acorrem aos portões para ver o que se passa. Uma coluna de soldados hoplitas encontra-se no local preservando a ordem e a autoridade. As suas pesadas lanças e armaduras e os seus elmos enfeitados com garridos penachos inspiram o medo e admiração a todos os que os vêem. No meio da coluna encontra-se uma mulher acorrentada, os seus longos cabelos ruivos escondem o seu rosto e o seu olhar e pelo aspecto da sua roupa, muitos concordam que deve ter dado uma boa luta antes da sua captura. Uma mulher morena e extremamente bela, vestindo peles de arminho aproxima-se da cativa acompanhada por dois servos que transportam um enorme guarda-chuva.
- Então és tu a fugitiva que o novo Imperador anda à procura. - diz a mulher com um sorriso. - Terei o maior prazer em enviar-te como um presente da leal cidade de Briseida. Assim que o fizer o teu destino estará traçado e a tua morte garantida. Mas serei gentil, se me beijares os pés e me jurares fidelidade manter-te-ei aqui como minha serva. O que me dizes? Um guerreira como tu faz-me jeito. - a guerreira mantém-se em silêncio fitando desafiadoramente os olhos da mulher. - Eu fiz-te uma pergunta, responde. - a resposta da guerreira é tão desafiadora como o seu olhar, sem mais nem menos cospe na cara da mulher que está à sua frente. - Insolente! - diz esta esbofeteando-a. - Levem-na para os calabouços, vai juntar-se à outra que capturámos há dias atrás.
Dois guardas do palácio obedecem às ordens daquela estranha e poderosa mulher e levam a cativa para fora da vista da multidão.
- Aquela mulher é-me familiar. - diz Lara observando atentamente a cativa. - Já a vi algures, mas não me lembro onde.
- Acho que só a viste uma vez, pelo que o Cavaleiro me contou, seja como for, temos de a salvar. - diz Diana impaciente.
- Conhece-la?
- Sim. Aquela mulher é a Eleanora.

domingo, maio 06, 2007

Um Novo Rumo

A capitão permanece em silêncio, os seus olhos penetrantes fixam-se ora em mim, ora no cofre e no diário que resgatei do navio afundado e que comprovam a história que acabei de contar. A tripulação mantém-se também em silêncio esperando para ver a reacção da sua comandante e tentando adivinhar qual o destino que me estará reservado.
- Dizes-me então que este cofre é para ser usado como moeda de troca para descobrir quem de facto governa Briseida. - diz ela num tom de voz incrédulo. - Dizes-me que para o encontrares tiveste que tomar uma poção que te deu capacidades extraordinárias, como respirar debaixo de água e nadar como uma verdadeira criatura marinha. - continua. - Afirmas que este objecto estava na posse de um grupo de vampiras do mar que te atraíram para o seu covil com o intuito de te matar, mas que por intervenção divina ou por auxílio de uma entidade, a tua espada, a Lua Dançante, que te foi dada por uma mulher, de nome Elianne, pertencente a uma antiga e poderosa raça, te salvou da morte certa e que de alguma forma te lançou para a superfície. - a capitão faz uma pausa estratégica lançando o seu olhar em torno da sua tripulação. - Diz-me, estranho, por acaso achas que eu tenho escrito na testa a palavra idiota? Achaste de facto que eu iria acreditar nessa história tão mirambulante?
- É a verdade!! - respondo com serenidade.
- Ah! "É a verdade!!", diz ele! - exclama esboçando um grande sorriso levando toda a tripulação a soltar uma valente gargalhada. - Estes teus dias em alto mar a apanhar este Sol forte fritaram-te os miolos, estranho. Daqui a pouco ainda me vais dizer que já jantaste com o próprio Neptuno.
- Por acaso... - respondo com um ligeiro sorriso.
- Bah! Ou és louco, ou és um mentiroso. E eu não creio que sejas louco, o teu olhar é demasiado firme para padeceres de alguma insanidade, por isso acho que és um mentiroso. - diz ela levantando-se e aproximando-se de mim. - E sabes o que fazemos aos mentirosos? Lançamo-los borda fora com uns cortes profundos para servirem de repasto aos tubarões. - ao dizer isto a tripulação anima-se e agita as suas armas no ar. - Meus senhores, meus senhores, por favor tenham calma, sejamos, por enquanto, civilizados. - diz ela com um sorriso caminhando em meu redor.
- Não sou louco, nem mentiroso. Disse-te a verdade, tens aí o cofre e o diário que confirmam a minha história.
- Sim, é verdade, mas o cofre está vazio e o diário está ilegível.
- Impossível! Mentes, só podes!
- Como te atreves! - grita ela esbofeteando-me. - É melhor controlares as tuas palavras, estranho, chamar mentirosa a quem tem a tua vida nas mãos não é uma atitude muito sensata. Seja como for parece que a Fortuna te sorri. Hoje estou bem disposta e decidi que não te vou mandar borda fora. Vais viajar connosco até Terno, onde serás vendido como escravo.
- És traficante de escravos? - pergunto surpreso.
- Sou. - responde ela com um sorriso. - E tenho a certeza que me vais fazer ganhar bom dinheiro. Talvez alguma tipa da nobreza te compre para satisfazeres a sua luxúria, ou quem sabe ainda acabas na arena, visto que tens um porte de combatente.
- Mas não me podes fazer isso, eu sou um cidadão da República!
- República!? Pelos Deuses, estranho, o Sol afectou-te mesmo os miolos. - diz ela rindo juntamente com toda a tripulação. - A República já não existe, vivemos numa nova Era, a Era Imperial e é bom que te adaptes a ela.
- N-não pode ser, eu...
- Não te lamentes tanto, todas as coisas têm um fim e verdade seja dita, a República já estava moribunda... Bom, isso também não interessa, não vou discutir política com carga. Está na hora de conheceres o teu novo quarto e os teus novos companheiros. Homens! - com um estalar dos dedos a capitão ordena que dois marinheiros me levem para junto dos restantes escravos. - Ah! só mais uma coisa. Tu agora és meu, por isso é bom que me obedeças sempre, pois eu posso deixar de ser tão simpática e ser obrigada a estragar a tua qualidade. - dizendo isto vira-me as costas e sou levado para baixo.

sexta-feira, abril 27, 2007

1º Aniversário


Como os meses passam tão depressa e como mudamos tanto em apenas tão pouco tempo. Faz hoje, dia 27 de Abril, um ano que o Knight's Tale "acordou" para o Mundo. Tudo começou no blog do MSN e, para não variar, por causa de uma rapariga, de uma hechicera que me deu a volta à cabeça e que descarregou em mim uma inspiração tal que a posso comparar quase a uma das antigas Musas da Grécia Antiga. No entanto o Destino por vezes prega-nos partidas e fui forçado a abandonar o meu adorado cantinho e mudar-me para aqui, para a blogosfera, deixando para trás bons momentos e principalmente a minha adorada Musa.
Como se costuma dizer, há males que vêm por bem, e esta minha mudança fez-me crescer ainda mais como escritor e levou-me a conhecer novos Mundos e novas pessoas, tais como a Sutra, a Lia e a sempre eterna Elianne.
Embora tente sempre manter uma certa distância entre a minha pessoa e a personagem do Cavaleiro, a verdade é que há alturas em que isso é praticamente impossível. Sentimentos, emoções, atitudes e expressões são muitas vezes reproduzidas pela própria personagem e muitos dos seus companheiros são baseados em pessoas reais. Isto leva, como no caso da Elianne, a tornar a escrita e a acção mais intensa e emotiva, dependendo do estado de espírito.
O mais incrível é que certas personagens parecem ter ganho vida própria, como por ex a Lara, e passam a ocupar um espaço de destaque na trama remetendo a personagem principal, o Cavaleiro, para 2º plano.
Tudo muda e eu também mudei, a minha saúde piorou e agora, volvido um ano, já não sou o mesmo. Custou-me imenso estar afastado deste blog durante um mês, mas agora que estou de volta quero dar uma nova vida a esta história.
Espero que me acompanhem por mais um ano neste fantástico universo do Knight's Tale.
Obrigado a todos,
Cavaleiro

domingo, abril 01, 2007

Nota



Engraçado como uma simples página da net se pode tornar num pequeno paraíso privado, num Mundo alternativo, onde a fantasia e a ilusão se tornam por momentos numa incrível realidade. Tem-me custado imenso não poder colocar aqui as histórias que tanto gosto de escrever, mas a verdade é que a minha saúde, ou falta dela, impede-me... Uma coisa é certa, as histórias do Cavaleiro, da Lara, e de todos os outros, não terminaram, irão apenas permanecer guardadas no meu livrinho preto até recuperar totalmente.

Obrigado a todos os q me lêem,
Cavaleiro

quinta-feira, março 15, 2007

O Cofre (2ª Parte)

Assim que mergulho nas águas quentes e límpidas do Oceano Coralino a poção de Diana começa imediatamente a produzir os seus efeitos. O ar dos meus pulmões é expelido com uma brutalidade inimaginável e todo o meu peito e pescoço parecem inflamar-se causando-me dores indiscritíveis. Espasmos involuntários percorrem o meu corpo e uma agonia tremenda invade as minhas entranhas. O pânico e o medo abatem-se sobre mim, tudo à minha volta torna-se turvo e negro e a água penetra rapidamente pelas minhas narinas e pela minha boca sufocando-me e quase me levando a perder os sentidos. Mas depois, de repente, todo este tormento termina abruptamente e dou por mim a flutuar tão naturalmente como um peixe e a respirar tão casualmente como se estivesse na superfície. Suspiro de alívio e sorrio, a poção funcionou e tal como a Diana disse, posso nadar e respirar como uma criatura aquática, é pena que não me tenha avisado sobre o custo de tal transformação.
Com renovada confiança retiro do bolso o mapa amarelado tratado com resina e traço a minha rota, ao que parece esta irá levar-me até um veleiro, que segundo as lendas, se perdeu e se afundou no meio de uma terrível tempestade. O nome dessa embarcação perdeu-se no tempo, mas o seu conteúdo, ao que parece, ainda permanece enterrado no meio dos destroços. Volto a dobrar o mapa com cuidado e guardo-o no bolso, pela minha mente salpicam imagens de ferozes lutas corpo a corpo em pleno alto mar, de romances impossíveis e de tesouros e cargas tão extraordinárias e exóticas que deixariam um Jinni de boca aberta. Afasto estas imagens do meu pensamento e concentro-me apenas no que realmente interessa, encontrar o cofre e através dele encontrar as respostas que procuro.

Os mares do Sul são ainda mais belos do que eu imaginava: as suas profundezas estão cobertas por uma camada de fina e macia areia branca repleta de pedrinhas e conchas de várias formas e feitios; cardumes de peixes coloridos nadam tranquilamente ao sabor das correntes realizando coreografias complexas e extraordinárias como se dançassem ao som de uma música fantasma; as algas, verdes, vermelhas e azuis, presas às rochas, ondulam suavemente, indiferentes ao que se passa em seu redor; e por fim, os corais, O Grande Recífe, como lhe chamam os locais, aparece vindo do nada explodindo de cor e vida diante dos meus olhos.
Deixo-me ficar por longos minutos a observar todo este espectáculo, toda esta paisagem aquática de rara beleza, até que por fim, ciente da minha missão, viro a minha atenção para o mapa e procuro no horizonte um vestígio do navio. Sorrio ao ver um enorme pedaço de madeira, provavelmente um mastro, bem perto do local onde o mapa e as lendas assinalam o trágico naufrágio. Alguns metros adiante encontro finalmente o navio, aparentemente bem conservado, mas com grandes rombos no casco.
Entro no navio através do porão e após uma cuidadosa pesquisa deduzo que o cofre não se encontra ali. Tenho pena de deixar vários baús e barris selados para trás, mas a madeira está podre e qualquer impacto pode transformar este pacato navio num túmulo aquático. Não me resta outra alternativa senão explorar o camarote do capitão e tentar a minha sorte.

O camarote parecia ter sido muito bonito, mas agora está completamente arruinado, toda a divisão está repleta de musgo e de pequenos animais que se afastam rapidamente quando me aproximo, no entanto, algo me chama a atenção, os livros e os mapas estão em perfeito estado de conservação, ao que parece o capitão devia ser um experiente lobo do mar e tomou o cuidado de revestir todos os papéis e tomos com uma resina especial que os protege da água. Curioso, dou uma vista de olhos aos mapas, mas sendo o meu conhecimento náutico e de matemática, limitado ou quase nulo, rapidamente os coloco de lado. Viro, então, a minha atenção para os livros, mas cedo descubro que a maioria deles se trata de romances e/ou livros técnicos, o que me deixa ainda mais desapontado, no entanto, encontro no meio da confusão o diário do capitão, o que pode vir a ser bastante valioso, por isso decido levá-lo comigo. No entanto, não encontro sinais do cofre e começo a pensar que toda a minha busca irá terminar num autêntico fracasso.
Abandono o navio bastante desapontado. Sem pistas para me guiar, parece que terei de regressar de mãos vazias.
- Que procuras tu? - pergunta uma voz no interior da minha cabeça. Espantado olho em volta e observo por debaixo de mim algo, ou alguém, com uma forma difusa que se aproxima. Tento falar, mas descubro que perdi tal capacidade. - Não te esforces a tentar falar, criatura da superfície, faz como eu, usa a tua mente. - A forma com voz doce vai-se tornando cada vez mais distinta até tomar a forma de uma bela mulher de longos cabelos verdes, pele azulada e uns olhos negros muitos profundos.
- Quem és? - pergunto.
- Alguém com vontade de saber o que fazes aqui em baixo, criatura da superfície.
- Procuro um objecto.
- Que tipo de objecto, criatura da superfície? - a voz da rapariga torna-se tão doce que deixo escapar um sorriso.
- Um cofre, estava dentro daquele barco. - respondo com a sensação que devo confiar nela.
- Hm, um cofre? Acho que sei do que falas, criatura da superfície. - a rapariga sorri. - Sou eu que o tenho, anda, vem comigo, eu levo-te até ele.
Sem conseguir evitar acedo ao seu pedido e sigo-a.

quarta-feira, março 07, 2007

Interlúdio 2

Está a nevar, está outra vez a nevar... Lá fora os meus homens lutam desesperadamente para se manter quentes, para manter viva a chama não só do calor, mas também da esperança. Mas eu consigo ver o medo no seu olhar, o receio e a incerteza nos seus rostos amargurados, e no entanto, cada vez que passo por eles, sorriem-me, sorriem-me como se todas estas provações por que passaram fossem apenas um sonho, um pesadelo...
Estou tão cansada, cansada de toda esta Guerra, de todo este sofrimento, de todo este tormento diário. Batalha após batalha, derrota após derrota, é como se o nosso inimigo conhecesse todos os nossos passos, todas as nossas manobras. Estaria aquela mulher certa? Estará o auto-proclamado Imperador na posse do Olho? Se assim for então de que serve lutar? O nosso destino está traçado e a nossa derrota iminente... Não! Ela só pode estar a mentir! Sim, só pode. Afinal de contas não é isso que se espera de uma cobarde, de alguém que abandona aquele aparentemente ama por um capricho, por egoísmo? Mas se ela é cobarde então eu também o sou... Afinal de contas não o abandonei também? Sim, mas se o fiz foi por amor, por o amar mais do que a própria vida. Fi-lo para o salvar... E no entanto ele não percebeu isso. Teria eu entendido se estivesse no seu lugar? Não, penso que não... Oh, Cav, fazes-me tanta falta, seria tudo bem mais simples se estivesses aqui ao meu lado. Mas tu não estás, mudaste, continuaste a tua vida sem mim e acabaste por me "enterrar" definitivamente.
Culpo a Lilian de cobardia e egoísmo, mas ela está neste momento no encalço dele, preparada para se redimir do seu deslize, do seu pequeno momento de fraqueza, ao passo que eu me mantenho aqui, neste acampamento esquecido pelos Deuses à espera de uma morte certa, à espera de algo que nem eu mesma sei... Deverei eu largar tudo e fazer o mesmo? Seria muito parva se o fizesse, ele deixou bem claro que não me quer ver, que quer distância. Mas a verdade é que eu preciso dele, preciso de saber mais sobre o tal Olho e sobre o homem que agora se senta no antigo Senado de Nova Roma. Preciso de engolir o orgulho, de morder a língua se for preciso, a vida dos meus homens está em risco e eu não me posso dar ao luxo de jogar com isso por uma mera questão sentimental. Mas se ao menos soubesse onde ele está, por onde anda... Espera! Ela deixou-me uma carta antes de partir, um papel em branco que apenas revelaria o seu conteúdo quando eu estivesse preparada. Estarei eu preparada agora?

Num frenesim a elfo procura na secretária e nas estantes pela folha de papel em branco oferecida por Lilian, mas acaba por a encontrar no cesto dos papéis misturada com o resto do lixo.
- Pelos Deuses, num acesso de fúria atirei-a para o lixo, pensei que aquela mulher estivesse a fazer pouco de mim. - diz ela abrindo cuidadosamente o papel amachucado. No entanto, ao contrário das sua espectativas, a folha permanece em branco. - Como sou parva e estúpida, aquela rapariga estava mesmo a fazer pouco de mim, não há nada escrito nesta folha, e no entanto eu sei o que quero, eu quero saber onde está o Cav!!! - Ao dizer estas palavras a folha branca amarelece instantaneamente, uma tinta negra começa a aparecer lentamente formando apenas uma palavra, um nome escrito numa caligrafia perfeita e floreada, BRISEIDA. - Por Liane e Lisandra, ela estava a dizer a verdade!!! MARCOS!!!! - chama Eleanora excitada.
- Sim, minha senhora? - na tenda entra imediatamente um homem de estatura média, quarenta e poucos anos, cabelo grisalho e com uma profunda cicatriz no olho esquerdo.
- Manda os homens levantar o acampamento, partimos imediatamente.
- Mas só aqui estamos há dois dias, será que...
- Não discutas as minhas ordens, faz o que te digo e já!!
- Sim, minha senhora. Posso ao menos saber para onde vamos?
- Sim. - diz a elfo com um sorriso. - Vamos para o Sul, para Briseida.

sexta-feira, março 02, 2007

O Cofre (1ª Parte)

Perto do Porto das Nereidas existe uma pequena baía, é um local tranquilo e isolado, apenas frequentado por casais de namorados e amantes. Reza a lenda que a própria Vénus abençoou este lugar, pois foi aqui que Aquileia e Éwon se encontraram pela primeira vez e, ironicamente, onde soltaram o seu último suspiro. Desde então a plácida angra tomou o nome de, Enseada dos Amantes.
- Então esta é que é a famosa praia onde Éwon e Aquileia trocaram o seu primeiro beijo? - pergunta Lara um pouco desapontada. - Que pena, pela história pensei que tivesse melhor aspecto.
- E achas que não tem? - responde Diana descalçando as sandálias e caminhando lentamente sobre a areia dourada. - Esta enseada é paradisíaca, tudo nela parece simplesmente perfeito. É um lugar verdadeiramente abençoado.
- Aí está outra coisa que não bate certo, feiticeira, eu e o Cav já fomos alvo da "benção" da Deusa do Amor durante a nossa estadia na Atlântida e deixa-me que te diga que aquilo que sentimos e fizemos foi bem intenso. - diz Lara sorrindo e lançando-me um olhar rápido.
- Imagino... Mas não queiras comparar aquilo que se passa numa festa dos Deuses, com um simples encantamento numa pequena praia, é totalmente diferente.
A demónio encolhe os ombros terminando abruptamente aquela conversa.
- Tens a certeza que queres ir para a frente com isto, Cav? - pergunta ela virando-se para mim. - Afinal de contas é bem mais simples dar uma tareia ao velho e ele cospe tudo o que sabe.
- Oh sim, depois daquilo que ele te fez não sei se será assim tão simples, minha diabinha. - respondo-lhe com um sorriso. - Infelizmente não temos outra hipótese, ele é o único que parece conhecer o paradeiro da pessoa que procuramos e pelos vistos, sabe demasiado a meu respeito...
- E além do mais - intromete-se a feiticeira. - passei a noite inteira a preparar esta poção, o Cavaleiro vai, nem que eu tenha de lhe puxar as orelhas!!!!
- Também não é preciso chegar a tanto, Diana, eu vou, eu vou. - respondo afastando-me discretamente dela.
- É assim mesmo, feiticeira, temos que mostrar a estes machos que nós é que somos o sexo forte, nem que para isso tenhamos que lhes incutir essa ideia através da força. - diz Lara rindo.
- Ri-te, ri-te, que daqui a pouco eu mostro-te qual de nós é que é o sexo forte.
- Ui, parece que o menino ficou todo chateado comigo. O que se passa, Cav, toquei nalgum ponto fraco, foi? - continua ela picando cada vez mais.
- Oh, vá lá, deixem-se disso. - interrompe Diana. - Temos coisas mais importantes para fazer do que discutir qual de vocês é o sexo forte, não acham?
- Tens razão, Diana, como sempre... - respondo.
Lara sorri maliciosamente e afasta-se para a beira de água lançando pedras contra as ondas.
- Bom, eu já te expliquei o que faz esta poção, mas mesmo assim, por via das dúvidas, explico-te outra vez. - inicia a feiticeira retirando da sacola uma pequena garrafa contendo no seu interior um vivo líquido azul-esverdeado. - Esta poção dar-te-á a capacidade de respirares debaixo de água como um peixe, ou seja, vai transformar os teus pulmões em guelras. Não só fará isso como também aumentará os teus reflexos e as tuas capacidades de te movimentares pela água tão naturalmente como qualquer criatura marinha. Mas lembra-te, meu Cavaleiro, e isto é muito importante, a poção tem apenas um senão, no preciso momento em que vieres à superfície o encantamento desfaz-se e todas estas habilidades desaparecem, por isso certifica-te que estás bem perto da costa, ou poderás ficar perdido no mar sem forças para regressar.
- Está bem, mais alguma coisa?
- Não, é tudo, mas não te esqueças do que te disse. - diz ela com um sorriso.
- Ok, nada de vir à superfície até estar bem perto da costa. - repito.
Dispo a camisa e tiro as botas lançando um longo olhar sobre o mar azul que se estende calmamente à minha frente. Prendo atrás das costas a minha nova espada, Lua Dançante, oferecida pela última dos Ploensis, Elianne.
- Toma, vais precisar disto. - Diana entrega-me o mapa amarelado dado pelo velhote no dia anterior. - Foi tratado com uma resina especial, não se irá desfazer na água.
- Obrigado.
- Boa sorte, meu Cavaleiro, que os Deuses te acompanhem. - diz ela dando-me um abraço forte. - Aconteça o que acontecer, quer que saibas que te adoro.
- Eu sei. - respondo beijando-lhe a testa.
- Vê se voltas são e salvo, Cav. - diz a demónio.
- Volto sim, como poderei eu ficar afastado de ti, minha diabinha. - digo afagando-lhe o rosto e contemplando os seus olhos dourados.
- Parvo! - diz ela beijando-me.
E sem olhar para trás mergulho nas águas estranhamente quentes do Oceano Coralino, confiante do sucesso da minha missão.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Um Estranho Encontro (2ª Parte)

Entramos cautelosamente dentro da tenda, os nossos olhos demoram um pouco de tempo a adaptarem-se à escuridão na qual o interior está imerso, mas assim que nos habituamos apercebemo-nos de imediato que acabámos de entrar numa pequena e estranha loja. Em nosso redor e seguindo a circunferência da tenda encontram-se seis estantes de madeira, três de cada lado, cada uma contendo um inúmero repertório de livros, todos etiquetados e bem conservados; no centro, formando um enorme U, estão dispostas várias mesas e expositores recheados com os mais diversos objectos, desde armas, amuletos, anéis, varinhas e pequenas pedras de cores e formas estranhas que parecem brilhar e emitir vibrações quando passamos por elas; mesmo à nossa frente, colocada precisamente na ponta oposta à entrada, encontra-se uma bela secretária de mármore, em cima desta podemos ver vários papéis, um mapa já amarelado, uma lupa, dois livros e um pássaro verde que começa a cantarolar assim que nos vê. No entanto não encontramos rastro do velhote que entrou antes de nós.
- Pelos vistos tinha razão, o velhote só pode ser um feiticeiro, esta tenda parece respirar magia. - diz Diana maravilhada inspeccionando um por um os itens da loja.
- Sim, mas por onde andará ele, tenho a certeza que o vi entrar cá para dentro.
- Ora o que é que isso interessa, Cav, vamos é dar uma vista de olhos pela mercadoria e se alguma coisa nos interessar levamo-la connosco. - diz Lara piscando-me o olho.
- Deves estar a brincar.
- Eu concordo com ela, meu Cavaleiro, aquele velhote tem um poder estranho e usou-o para invadir e deturpar a personalidade da Lara, merece ser punido por isso. - responde a feiticeira calmamente.
- Eu não estou a acreditar nisto, esperava isso da Lara, mas agora de ti, Diana. Serei eu o único a acreditar que é errado roubar?
- Ai, Cav, por vezes és tão certinho que até irritas, não há mal nenhum em roubar, o único inconveniente é ser apanhado. - a demónio esboça um ligeiro sorriso e retira de uma das estantes um livro azul com letras estampadas a ouro. - Ora, ora, parece que o nosso velhote tem bons gostos, Kama Sutra & A Arte Da Sedução Com Uma Pitada de Magia.
- Mas esse livro é raríssimo, tanto quanto sei apenas as sacerdotisas de Ishtar, as prostitutas sagradas, é que têm o previlégio de o ler e estudar. - diz Diana espantada.
- Mas o que é que tem o livro de tão especial, parece-me ser apenas um manual de sexo.
- Apenas um manual de sexo? Pelos Deuses, meu Cavaleiro, este livro foi escrito pela mão da própria Deusa e entregue à primeira das suas sacerdotisas, nele está contido todo o conhecimento de um campo da magia muito particular, a arte da sedução e do prazer. - explica a feiticeira. - O sexo é um dos nossos instintos mais poderosos, ele afecta as nossas escolhas e decisões, por isso, aquele que controlar bem este campo da magia é bem capaz de nos manipular apenas com um sorriso, ou com um olhar, entendes?
- Sim...
- E além do mais este livro vale uma fortuna no mercado negro. - diz Lara sem levantar os olhos do livro.
- Valha o que valer não o vais levar, não seria correcto. - digo arrancando o livro das mãos da demónio e colocando-o no seu lugar.
- Hey, eu estava a ler isso.
- Eu sei, mas fica descansada que não precisas de saber mais, a tua arte já é perfeita. - digo piscando-lhe o olho.
Lara sorri ao ouvir as minhas palavras.
- Tu tens cá uma lábia, mas convenceste-me.
- Sim, esse rapaz é de facto muito especial. - diz uma voz vinda da secretária. Viramo-nos de imediato e lá está o velhote sentado com um ar descontraído observando cada gesto e movimento nosso.
- Mas como, não estava aí quando entrámos, pois não?
- Eu não o vi. - diz Diana.
- Nem eu. - diz Lara.
- Ah, mas por vezes os olhos pregam-nos partidas e apenas vemos aquilo que queremos ver. - diz o velhote com um sorriso. - Estive aqui o tempo todo e ouvi toda a vossa conversa. De facto até achei um pouco desagradável saber que me queriam roubar. - continua ele calmamente lançando um olhar rápido à feiticeira que cora instantaneamente.
- Estavamos apenas a brincar, claro. - diz ela.
- Bom, isso agora não importa, o que interessa é que aqui estão e que me vão ser muito úteis.
- Como assim, "muito úteis", e o que é queres de nós exactamente, velho?
- Calma, demónio, calma, tudo a seu tempo.
- Como sabe que ela é um demónio, quem é você? - pergunto.
- Quem eu sou não interessa e qualquer indivíduo experiente é capaz de reconhecer imediatamente um demónio, a personalidade deles é no minímo única. Mas tu meu rapaz, tu és um caso à parte, um caso muito intrigante.
- Como assim.
- Ora, possuis um encanto peculiar e és portador de uma aura enigmática, certamente que a tua amiga feiticeira também sente isso, afinal já tiveste uma relação muito forte com um elfo e com um anjo, partilhaste a tua alma com um demónio, foste vítima de possessão, tens uma ligação forte com um espírito draconiano, tens a protecção de duas Deusas e... Sim... Uma entidade parece ter-se ligado a ti recentemente... Absolutamente extraordinário!!
- Uma entidade? Que espécie de entidade.
- Não estás à espera que eu te conte tudo pois não? - diz o velhote com um sorriso. - Faz-me um favor e eu dou-te as informações de que precisas, inclusivé a localização da pessoa que procuras actualmente.
- Como sei que não me estás a mentir?
- Não sabes, terás que confiar em mim.
Olho para a Lara e Diana que acenam afirmativamente incitando-me a confiar.
- Muito bem, o que é que precisamos de fazer?
- É simples, perdi um objecto no mar a cerca de 15km do Porto das Nereidas, um pequeno cofre contendo algo de grande valor para mim, a tua missão é resgatar esse cofre e trazê-lo incólume. Aceitas?
- Pelo que parece é bastante poderoso, porque é que não o resgata você?
- É embaraçoso, mas não gosto muito de água.
- Muito bem, mas...
- Ah, óptimo, tens aqui o mapa da sua localização e estes dois livros que poderão ser bastante úteis: História da Marinha de Briseida: Lendas e Mitos e Mundo Aquático: Recifes de Coral. - e sem dizer mais nada conduz-nos para fora da sua tenda.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Um Estranho Encontro (1ª Parte)

Os pregões dos vendedores e os aromas das iguarias e especiarias exóticas enchem o ar da bela Praça do Sol, as tendas de pano de cores garridas, as bancadas repletas de objectos raros e misteriosos e sobretudo a aparência peculiar e insinuante dos comerciantes, atraiem os transeuntes que passeiam pelas estreitas, apinhadas e improvisadas "ruas" da praça. Lara, Diana e eu não somos excepção e como tantos outros deixamo-nos levar pelas palavras doces e os sorrisos sedutores dos logistas, as suas mercadorias extraordinárias e únicas levam-nos a soltar involuntarimamente exclamações simples de "Oh!" e "Ah!" que vão deixando os seus donos confiantemente deliciados na perspectiva de obterem um belo lucro.
- Oh, vá lá, meu Cavaleiro, não faças essa cara, até parece que não gostas de fazer compras connosco, até nos temos estado a divertir. - diz Diana com um sorriso sedutor.
- Não é que eu não me esteja a divertir, mas porque é que tenho que ser eu a carregar com isto tudo?
- Ora, porque tu és humano e macho, logo tens boas qualidades para servir de mula. - diz Lara piscando o olho à feiticeira.
- Tens imensa piada, Lara, se continuas com gracinhas dessas serei forçado a dar finalmente um bom uso a esses teus corninhos.
- Ui, adoro quando me ameaças, humano. - diz a demónio num tom doce. - Infelizmente sei que vais ficar apenas por aí, pela ameaça.
- Ai sim?
- Sim...
- Diana, importas-te de segurar os sacos por um momento?
- Mas... - antes de ter tempo de ripostar já os sacos estão na sua mão e eu e Lara saindo do alcance da sua vista correndo um atrás do outro. - Incrível, por vezes comportam-se como autênticos miúdos. - comenta ela abanando a cabeça e esboçando um pequeno sorriso.

Persigo a demónio por entre as improvisadas ruas apinhadas de gente, a sua agilidade superior permite-lhe desviar-se dos objectos e das pessoas, mas a sua imensa arrogância e confiança deturpam-lhe os sentidos e por ironia do Destino, ou talvez não, acaba por esbarrar contra um homem de baixa estatura que se encontrava sentado numa cadeira de baloiço saboreando o seu cachimbo de pau de cerejeira.
- O que...? - pergunta a demónio levantando-se e sacudindo o pó da sua capa olhando em volta para tentar perceber o que lhe aconteceu.
- Então, Lara, parece que estás a perder alguns atributos para nem te conseguires desviar do pobre homem. - digo com um sorriso de triunfo nos lábios ajudando o velhote a pôr-se de pé. - Será que estás a ficar velha?
- Velha, eu!? - exclama ela num grito quase inumano. - Como te atreves, seu humano imprestável!!! A culpa foi deste velho, desta coisinha pequenina que se meteu à frente!!
- Lamento, mas eu estava muito bem aqui sentado a fumar o meu cachimbo quando a menina chocou contra mim. - responde o velhote indignado limpando o pó ao seu casaco.
- Ouve lá, abortozinho, é bom que estejas calado ou isto ainda vai sobrar para ti. - diz a demónio num tom ríspido e intimidante.
- Lara, vê lá se te acalmas.
Ela olha para mim e os seus olhos dourados trespassam-me como uma flecha incandescente, mesmo com o seu rosto oculto pelo capuz consigo sentir a fúria e a intensidade do seu olhar.
- O jovem tem razão, é melhor acalmar-se e pedir-me desculpa, está a ser muito mal educada. - diz o velhote num tom calmo colocando a sua mão sobre o joelho da demónio. Esta vira-se para lhe responder.
- Eu... tem razão. Peço-lhe desculpa pelo incómodo que lhe causei, e a ti também, Cav. - diz ela num tom bastante sereno.
- O QUÊ!!! - exclamo surpreso. - O que é que disseste?
- Peço-te desculpa, Cav.
- Lara, estás bem?
Nesse preciso momento chega Diana com os sacos furando por entre a multidão que entretanto se foi aglomerando à nossa volta.
- Cavaleiro, Lara, o que é que se passa, estão bem?
- Pelos vistos não, acho que a Lara deve ter sofrido algum traumatismo craniano, ela acabou de pedir desculpa.
- A sério? Isso é de facto motivo para estarmos preocupados. - responde Diana não conseguindo esconder um sorriso.
- Hm, sabes rapaz, tu tens mesmo uma aptidão para escolher os teus companheiros, talvez sejas a pessoa que eu tenho andado à procura. - interrompe o velhote.
- Como assim?
- Se calhar é melhor conversarmos dentro da minha tenda, estamos mais à vontade e estaremos a salvo de todos estes olhares indiscretos. - sugere o velhote entrando de seguida.
- Que tipo estranho. - digo.
- E com um poder peculiar. - responde a feiticeira.
- Feiticeiro?
- Não sei, seja o que for consegue disfarça-lo bem.
- Entramos?
- Claro.
- Lara?
- Dói-me a cabeça.
- Considero isso um sim.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

O Jantar

Três pratos levitam levemente pelo ar, vindos da cozinha, deixando-se cair suavemente sobre uma mesa de madeira ricamente decorada; atrás deles aparecem, tal como um regimento de infantaria, uma série de talheres de prata que se colocam em perfeita formação junto dos primeiros; por último marcham três copos de cristal conduzidos pelos seus "capitães", dois belos, formosos e raríssimos jarros de diamantina, um com água e outro com uma bebida muito peculiar, preparada especialmente para a ocasião.
Momentos depois aparece Diana transportando uma fumegante e deliciosa travessa de arroz de pato cujo apetitoso aroma se espalha imediatamente por todas as divisões da casa funcionando como um aviso para jantar. Lara e eu não resistimos ao chamamento e guiados por aquele cheiro irresistível sentamo-nos à mesa.
- Vá, meu Cavaleiro, prova e diz-me se está como tu gostas. - diz a feiticeira servindo-me. - Eu sei que tu adoras os meus cozinhados, em especial o meu arrozinho de pato.
- Tenho a certeza que está divinal, Diana. - respondo metendo à boca a primeira garfada. - Hm... Delicioso!
- De facto, feiticeira, tu esmeraste-te, isto está uma maravilha. - diz Lara devorando com voracidade o seu prato. Diana nem lhe responde, observando espantada as maneiras, ou falta delas, com que a demónio consome a sua comida. - O que foi? - pergunta finalmente Lara, farta de sentir a feiticeira a olhar para ela.
- Nada, simplesmente não estava à espera de te ver comer como uma...
- ... Como uma quê?
- Como um autêntico demónio! - responde Diana. - As tuas maneiras à mesa podem ser comparadas a um javali selvagem. Até estou admirada como é que o Cavaleiro nunca te disse nada.
- Isso é porque o Cav está mais interessado em outras qualidades minhas do que propriamente nas minhas maneiras à mesa. - responde a demónio com um sorriso matreiro e piscando-me o olho.
- Imagino... - diz Diana servindo-se e ignorando o tom malicioso de Lara. - O que vamos fazer agora, a nossa busca pelo conhecimento perdido dos Ploensis foi um autêntico fracasso e ao que parece estivemos fora durante um mês.
- Já para não falar que o Deditos desapareceu misteriosamente assim que voltámos. Algo me diz que aquele tipo sabe mais do que nos conta, tenho esse pressentimento.
- A mim não me pareceu um mau rapaz, sim, pode ser inconveniente de vez em quando, mas pareceu-me honesto. Tenho a certeza que esse teu feeling está errado. - opina Diana bebendo um pouco da sua bebida caseira.
- Não sei, Diana, a Lara tem um sexto sentido muito apurado, se ela diz que há algo de errado é melhor acreditares.
- Já nos bastou a encrenca em Unyard, não foi Cav? - diz ela bebendo também um pouco da bebida caseira.
- Oh sim, pensei sinceramente que aquela seria a nossa última aventura, nunca agradeci tanto à Bona Dea o facto de meteres ao bolso aquilo que não te pertence. - respondo com um sorriso.
- E ainda os tenho, os brincos e a gargantilha são para ficar e nunca mais tirar!!! - remata Lara rindo.
- Mas e o que fazemos agora? - pergunta Diana.
- Estou a pensar abandonar Briseida, já não há nada para fazer aqui.
- Como podes dizer uma coisa dessas, ainda não descobrimos quem matou o nosso homem mistério.
- E eu estou mortinha para ajustar contas com essa pessoa, ninguém passa a perna a um demónio e sai vivo para contar!
- Mas no fundo esse é um problema interno, não há ninguém que nos tenha pedido ajuda, nós nem sabemos em que negócios estava aquele homem envolvido, podemos muito bem estar a perseguir gambuzinos. Além disso, não sei se vocês leram o jornal de hoje mas a guerra está a correr muito mal para os republicanos, o auto-proclamado Imperador está na posse do Olho de Osíris, lembram-se? Temos que destruir aquela gema de uma vez por todas!!
- Ora Cav, não inventes desculpas, estás mortinho para sair da cidade por causa da Elianne, não é verdade? Queres deixar para trás tudo o que te lembra dela, não é? - responde Lara exaltada. - Pois deixa-me que te diga, mas estás a ser egoísta, onde está aquele Cav bonzinho que até enjoava, aquele humano sempre preparado para lutar até ao fim por uma boa causa?
- Esse Cav está praticamente morto e enterrado, Lara. Esse humano tem o peito completamente dilacerado, primeiro foi a Ela, depois a Meg, a Lilian e agora a Elianne. Começo a ficar farto do destino que os Deuses criaram para mim, por mais forte que um homem seja há sempre um limite e acho q estou prestes a atingir o meu!!
- Não digas essas coisas, meu Cavaleiro. Eu sei que nestes últimos tempos tens passado por muito, mas por favor, não te deixes morrer, não deixes que o teu coração se encha de ódio ou de auto-piedade. Luta!! Eu estou e estarei sempre aqui ao teu lado. - diz Diana levantando-se e abraçando-me.
- E eu também, humano.
- Vês, tens aqui duas mulheres que nunca te irão abandonar, por isso se quiseres partir, diz e eu faço as minhas malas e parto contigo.
Esbocejo um ligeiro sorriso.
- Sou um sortudo por vos ter ao meu lado, mas vocês têm razão, o nosso trabalho aqui ainda não terminou, vamos encontrar a tal pessoa que parece controlar esta cidade e mostrar-lhe que se meteu com o grupo errado.
- Ora aí está algo que merece um brinde. - diz Diana enchendo os copos. - A uma nova aventura!!
- A UMA NOVA AVENTURA!!! - dizemos em uníssono.

terça-feira, janeiro 23, 2007

Recomeçar

As ondas investem violentamente contra os rochedos da falésia salpicando-me com a sua espuma branca e espalhando no ar o intenso cheiro a maresia. O Sol de fim de tarde desce no horizonte lançando os seus raios avermelhados sobre as embarcações de pesca que se dirigem para o porto após um longo dia no mar. No céu as gaivotas voam em círculo acompanhando os pescadores e atirando-se de vez em quando para a água para apanhar algumas sobras que estes atiram borda fora.
Observo em silêncio todo este cenário indiferente aos sons distantes de uma cidade fervilhante que o vento teima em transportar consigo. Suspiro e aperto firmemente nas minhas mãos o presente que me foi dado pela última dos Ploensis, uma soberba espada, a espada de Elianne, a Lua Dançante. Desembainho-a e exponho a sua lâmina prateada aos últimos raios de luz que percorrem o horizonte, não consigo deixar de sorrir ao sentir a espada vibrar, ao observar os estranhos caracteres marcados no aço brilharem magicamente. Pequenas gotas de água caiem sobre a lâmina e olho instintivamente para o céu procurando as nuvens de onde caíram, mas o céu está limpo e as gotas não são de chuva, mas sim de lágrimas derramadas por mim.
Choro uma vez mais...

- Não chores, meu doce Cavaleiro, não chores. - diz Elianne afagando o meu rosto e sorrindo para mim.
- Como posso não chorar, minha doce Elianne, trouxe-te do Mundo da Ilusão, daquele teu Castelo nas Nuvens apenas para te ver desaparecer à minha frente sem poder fazer nada. - respondo apertando-a nos meus braços. - Não é justo...
- Eu sei, mas a Vida por vezes é cruel e no momento em que menos esperamos escapa-se-nos por entre os dedos... Perdoa-me, mon cher, teria adorado viver novos sonhos e aventuras ao teu lado.
- Não fales como se tivesse tudo acabado, minha sonhadora, por favor luta, reage!! Deixa-me ajudar-te! - olho em volta desesperado procurando por ajuda. - Diana faz qualquer coisa!!
- Eu... Eu lamento, meu Cavaleiro, mas não posso fazer nada... - responde a feiticeira numa voz baixa.
- Lara, dragão, por favor, ajudem-na!! - as lágrimas brotam com cada vez mais intensidade silenciando quase por completo a minha voz.
- Lamento humano, não há nada que eu possa fazer. - responde Lara.
Beremid nada diz.
- Os teus companheiros não podem fazer nada, este é o preço a pagar por ter tentado manipular energias demasiado poderosas. São elas que neste momento me consomem e cobram o favor que lhes exigi.
- Mas...
- Dizem que a espada é a alma de um guerreiro, não sei se é verdade ou não, mas quero acreditar que sim, por isso entrego-te a minha com todo o meu coração.
- Eu não posso aceitar...
- Por favor, aceita, pois estou a entregar-te simbolicamente toda a minha essência. Adoro-te, meu Cavaleiro, adoro-te! - a guerreira puxa-me para si e beija-me sentidamente, sinto o seu corpo contorcer-se uma última vez e desfazer-se em mil e um pontos de luz verde que se desvanecem no ar.
- Eu também te adoro, Elianne... - respondo.

Embainho a espada e volto a contemplar o pôr-do-Sol enxugando os olhos ainda marejados de lágrimas.
- Nunca te esquecerei, Elianne. - murmuro esboçando um ligeiro sorriso.
- Então estás aqui, meu Cavaleiro, estava preocupada contigo. - diz Diana aparecendo atrás de mim.
- Não precisavas, minha feiticeira, eu estou bem. - respondo virando-me para ela.
- Estiveste a chorar, tens os olhos vermelhos.
- Já passou. - digo. - Sabes, tou com uma fome de lobo, o que fizeste para jantar.
- Tu também? Mas tu e a Lara pensam que lá por ser feiticeira também tenho que ser a cozinheira?
- Vá não sejas assim, diz lá o que fizeste para jantar. - digo com um sorriso abraçando a feiticeira e deixando para trás aquele maravilhoso pôr-do-Sol.

domingo, janeiro 14, 2007

Com Eterna Saudade



As lágrimas teimam em cair pelo meu rosto como um rio inesgotável... Ainda me custa a crer que tenhas partido, minha doce sonhadora, que tenhas abandonado este "paraíso" terrestre e voado com o teu dragão, Beremid, para o teu castelo nas nuvens, aquele construíste na estrela que criaste para mim... Vou sentir tanto a tua falta, falta das nossas conversas, dos teus poemas, do teu sorriso, das tuas adoradas covinhas que teimavam em aparecer quando sorrias, da tua voz, do teu olhar e do nosso chocolate quente...
As lágrimas caiem com maior intensidade e as minhas palavras falham-me... Como romântico que sou acredito que tudo acontece por um motivo e que o nosso "encontro", no Inverno da tua vida, não foi uma simples coincidência. Adoro-te Elianne, adoro-te de verdade, continuarei a sonhar contigo usando a personagem que criei pensando em ti e dando cada vez mais vida à Lara, a demónio que tanto adoravas e que no fundo, e sem eu o saber, é como tu. Afinal, a mulher dos meus sonhos sempre existia...
Deixa as portas do teu castelo bem abertas, pois um dia quando eu partir irei à tua procura. ;)

Um beijo bem terno e eterno, salpicado com a doçura do nosso chocolate quente e acompanhado por um abraço forte e por um singelo, mas sentido, até já!
Sou e serei sempre o teu Cavaleiro!
João

quinta-feira, janeiro 11, 2007

O Despertar

As fumegantes canecas de chocolate quente acabadinho de fazer espalham o seu doce e sedutor aroma por todas as divisões do vasto castelo flutuante. Um fogo lento e pachorrento arde na lareira da principal sala de estar consumindo dois pesados troncos de madeira, a sua luz intermitente e dançante ilumina os impressionantes sofás de pele de veado andorino. Pelos extensos corredores uma luz pálida da tímida Lua brilha sobre o mármore azulado do pavimento e realça de uma forma assustadora as sombras das armaduras que permanecem em sentido, presas à parede, como se estivessem numa formação. O silêncio é apenas quebrado pela brisa do vento que teima em penetrar por uma das janelas semi-abertas de um destes corredores e bater suavemente num dos espanta-espíritos pendurado sobre a porta do quarto privado de Elianne.
Por detrás desta porta três velas iluminam toda a divisão revelando com a sua fraca luz peças de roupa jogadas no chão de qualquer maneira; nas paredes as sombras de dois corpos movendo-se e tornando-se num só tomam dimensões invulgares, os sons e os gemidos por eles expelidos são abafados pelo Tic-Tac constante de um antigo, mas possante, relógio de pêdulo encostado a uma das paredes.
O soar das doze badaladas mascara de certa forma o culminar do reencontro dos dois amantes, os seus corpos fundidos um no outro e os seus lábios entregues a uma dança de desejo e paixão são o espelho de que aquele momento é único e eterno.
- Como é bom que estejas de novo aqui ao pé de mim. - diz Elianne aninhando-se em meus braços e pousando a sua cabeça sobre o meu peito. - Senti tanto a tua falta, meu doce Cavaleiro.
- Mas eu não vou ficar aqui para sempre, minha guerreira misteriosa, em breve terei de partir de novo. - respondo passando a mão pelos seus cabelos encaracolados.
- Eu sei, eu sei. Sinto um peso enorme no coração por saber que em breve me irás deixar outra vez. - diz ela abraçando-me com força.
- Vem comigo, Elianne, vem comigo para Gaia.
- Eu... Eu não posso... Este lugar é a minha casa, aqui sinto-me bem, tenho o meu espaço, o meu silêncio, as minhas coisas... Eu já não pertenço ao teu mundo, faço parte de algo que já se extinguiu há muito tempo...
- Não digas isso, a tua raça desapareceu, mas tu sobreviveste por alguma razão. Está na hora de pôr o passado de lado e regressar.
- Tu não entendes, meu Cavaleiro, tu não entendes pelo que eu passei, pelo que eu tive de fazer. O meu mundo desmoronou-se à minha volta, pedra por pedra, pilar por pilar, tudo ruíu e eu, de certa forma, caí com ele.
- Eu compreendo que tenhas passado por um grande sofrimento, mas fugir não nos leva a lado nenhum, há alturas na nossa vida que temos que enfrentar o destino que os Deuses nos reservaram.
- Fugir? Mas eu nunca fugi de nada, meu guerreiro, eu enfrentei tudo o que havia para enfrentar. Eu... Tu não compreendes, nunca irias compreender...
- Explica-me então, conta-me o que aconteceu.
Elianne olha para mim e uma lágrima escorre-lhe pelo rosto.
- Não posso, não consigo... Perdoa-me. - diz ela levantando-se e vestindo um robe avermelhado.
- Elianne!
A guerreira apenas olha para mim e sai do quarto. Levanto-me de imediato vestindo as calças e abrindo a porta esperando encontrá-la ainda no corredor, mas ela havia desaparecido, apenas o som dos seus passos céleres permanece ecoando através dos corredores vazios. Lembro-me então daquilo que Beremid disse, que nestas alturas ela se refugiava na torre mais alta do castelo, a torre onde trocámos o primeiro beijo, e sem pensar duas vezes corro para lá.

A pesada porta de madeira encontra-se firmemente fechada, encosto o meu ouvido a ela e ouço alguém a soluçar e murmurar palavras.
- Elianne! - chamo em alta voz. - Abre a porta, por favor! - Lá dentro os soluços param e um silêncio enorme toma conta da sala. - Elianne, por favor, abre a porta! - repito. Os meus pedidos ficam sem resposta e da varanda nem um som se escapa.
Sem grande alternativa viro-me para as escadas e preparo-me para voltar para o quarto, mas algo me impede, uma sensação estranha, talvez, ou um pensamento maluco que me passa pela cabeça avisando-me que se me for embora poderei nunca mais a ver. Dominado por esse pressentimento volto a bater de novo à porta e a chamar pelo seu nome, o seu silêncio leva-me a bater com mais força aumentando a vontade de deitar a porta abaixo e descobrir o que se passa, inconscientemente é isso que faço e sem dar-me conta começo a bater com o ombro tentando arrombá-la. A pesada porta vai cedendo e ignorando a dor e o sangue quente que me vai escorrendo pelo braço atinjo o meu objectivo, com uma última e forte pancada ela cede totalmente e abre-se atirando-me com força para o chão gelado da varanda. Levanto-me a grande custo tentando estancar a hemorragia e olhando em volta procurando por ela, Elianne encontra-se no ponto mais afastado, rodeada por estrelas e luzes estranhas.
- Meu Cavaleiro, o que fizeste? - pergunta ela olhando para mim com o rosto encharcado.
- Uma loucura, pelos vistos. - respondo fazendo uma careta de dor e encostando-me à parede ofegante. - Desculpa-me, eu sei que este é o teu espaço, mas eu não podia ir-me embora assim. Tive um pressentimento esquisito.
- Que tipo de pressentimento?
- Que nunca mais te voltaria a ver. - cambaleio até ela.
- Estás ferido... - diz ela olhando para o meu ombro. - Deixa-me tratar disso. - Com uma simples passagem da sua mão sobre a minha ferida o sangue pára de escorrer e a pele fecha-se num ápice. - Já está!
- Elianne, vem comigo. - peço.
- Eu não posso...
- Podes sim, basta apenas confiares em mim. - respondo com um sorriso. - Eu estarei sempre contigo, sempre ao teu lado.
- Mas...
- Isto é tudo uma ilusão, Elianne, - digo descrevendo um arco com a mão. - nada disto é real, é apenas um sonho, um sonho monótono e repetido. Está na altura de viveres um novo sonho, um sonho inesquecível e excitante, recheado de novas aventuras e salpicado com pessoas novas e interessantes. Vem e sonha comigo, juntos poderemos transformar Gaia num mundo melhor, basta apenas confiares em mim.
- Eu não sei o que dizer, é tu...
- Diz apenas que sim. - interrompo estendendo-lhe a mão. - Confia...
- Eu confio! - diz ela pegando na minha mão e abraçando-me. - Confio com todas as forças do meu ser.
Com um beijo a imagem da varanda e do cenário fantástico começa a desvanecer-se até desaparecer por completo.

Abro lentamente os olhos e olho em redor procurando por um sinal de Elianne, esta encontra-se ainda adormecida sobre os membros fortes de Beremid, Diana acaricia gentilmente o meu cabelo e beija a minha testa, enquanto que Lara observa-me de longe.
- Voltaste! - diz Diana com um sorriso.
- Sim, e voltou com a Elianne. - diz o dragão com orgulho afagando o cabelo desta e observando com ternura o seu despertar.

domingo, janeiro 07, 2007

De Volta ao Castelo

Uma espessa nuvem de fumo branco paira sobre os nossos joelhos ocultando o piso húmido e escorregadio da câmara circular. O caixão jaz sobre um altar de pedra intensamente iluminado por raios de luz amarela provenientes de vários cristais presos no tecto. A luz é habilmente reflectida pelo âmbar incidindo em certos pontos da parede e fazendo aparecer na pedra nua textos e imagens de tempos há muito esquecidos e distantes.
- Uau! Que bonito! - exclama Diana maravilhada observando encantada cada imagem que vai aparecendo à sua frente. - O que significam?
- São histórias muito antigas, lendas, contos infantis, poemas... Coisas que a Elianne adorava escrever e descrever. - responde Beremid. - Infelizmente estão escritos numa língua que só ela conhecia, uma língua ancestral que acabou por se perder.
- Que pena, adoraria ler tudo isto.
- Não desesperes, feiticeira, a Elianne em breve acordará e eu tenho a certeza que terá o maior prazer em partilhar connosco todos estes seus textos. - sossega o dragão admirando com curiosidade e orgulho os desenhos perfeitos e a caligrafia tão estranha, mas ao mesmo tempo tão bem feita.
Enquanto Beremid e Diana se deleitam ao observar as imagens e os escritos, Lara e eu aproximamo-nos do caixão para ver de perto aquela que sobreviveu à, suposta, Grande Catástrofe.
- Hm, com que então esta é que é a famosa Elianne. - diz Lara admirando-a de cima a baixo. - É bonita e bastante atraente, agora compreendo porque é que demoraste tanto tempo para acordar. - a demónio olha para mim de soslaio com um sorriso malandro nos lábios.
- Infelizmente uma certa desmancha prazeres acordou-me na melhor altura, não foi, Lara?
- Ai sim? E posso saber que altura era essa? - pergunta ela endireitando-se e cravando os seus olhos dourados nos meus.
- Não tens nada com isso. - respondo ignorando por completo o seu olhar.
- Não precisas de responder, sei exactamente o que aconteceu entre vocês.
- Ai sim? E o que é que aconteceu entre nós?
- Não é óbvio? A rapariguinha estava sem homem há tanto tempo que assim que te viu saltou-te para cima, não foi?
- Lara...
- Ou se calhar já estava farta de "brincar" com o seu dragão e decidiu experimentar sangue novo.
- Lara...
- Ou talvez até te tenha convidado para entrar na brincadeira com ela e o dragão, sim afinal tu nessas coisas não és lá muito esquisito, nã...
- Lara!!! - grito irritado. Beremid e Diana calam-se e olham para nós, Lara simplesmente sorri deliciada por me ver exaltado. - Mas será que tu só pensas nisso? Estou a começar a ficar farto desses teus ciúmes!!
- Ciúmes!? Eu!? Deves estar a ficar parvo, humano, achas que alguma vez iria ter ciúmes teus, ciúmes de uma criatura tão baixa que nem para me lamber as botas é digna? - explode a demónio extremamente ofendida. - Sou uma demónio de puro sangue e como tal, sentimentos como esse não me afectam, humano.
- Ai sim, tens a certeza? É que em certas alturas, pela maneira como falas e ages, até parece que estás completamente apaixonad... - a demónio dá-me uma estalada com toda a força impedindo-me de terminar a frase.
- Não te atrevas a terminar essa frase, Cav! - grita ela enraivecida. - Eu sou um demónio, ouviste? Um demónio!! Eu sou superior a esses sentimentos reles e ordinários. O amor e a paixão é própria de vocês, humanos, criaturas baixas e mesquinhas. Mete de uma vez por todas nessa cabeça de serradura que os motivos que me movem não são iguais aos teus, pouco me importa o destino dessa tipa, por mim vendia-a a um comerciante de escravos por um bom preço, ou enviava-a para os Infernos onde me serviria como serva e concubina.
- Sempre o mesmo discurso, não é Lara? - respondo afagando o rosto dorido. - Quantas vezes me pergunto se de facto isso é tão verdade como tu dizes, ou se simplesmente o usas para fugir ao que verdadeiramente sentes.
Uma vez mais a demónio tenta bater-me, mas desta vez bloqueio-lhe o golpe e apanho-lhe o pulso.
- Eu não sinto nada por ti, humano, nada! és apenas alguém que eu permito que partilhe a minha cama. - responde ela mostrando os caninos.
- Serei? - respondo cravando os meus olhos nos dela.
A demónio debate-se libertando o seu pulso e sem dizer uma palavra afasta-se enfrentando sempre o meu olhar.
- Estás bem, meu Cavaleiro? - pergunta Diana aproximando-se e examinando o meu rosto.
- Estou sim, foi apenas mais uma das nossas muitas discussões, não te preocupes. - respondo sorrindo.
- Não sabia que vocês costumavam discutir muito. - diz ela olhando para a demónio.
- Nem imaginas. - digo sorrindo. - Mas felizmente acabamos sempre por fazer as pazes.

Com os ânimos mais calmos, Beremid aproxima-se do caixão de âmbar e com extremo cuidado e carinho retira o corpo adormecido de Elianne lá de dentro. O seu olhar é quente e terno e reflecte bem a amizade e ternura que o une àquela guerreira enigmática.
- Mas ela ainda dorme, o que é preciso para a acordar? - pergunta Diana olhando com extrema curiosidade para a última dos Ploensis.
- Um de vós terá que entrar no "Mundo dos sonhos" e trazê-la consigo, é a única maneira. - responde ele sem tirar os olhos da sua protegida.
- E porque é que não fazes tu isso, dragão? - pergunta Lara desconfiada.
- Porque alguém tem de os guiar de volta e o único capaz disso sou eu.
- E quem irá? - pergunto.
- Tu, humano, ela já te conhece e confia em ti, serás o enviado perfeito. Aceitas?
- Sim, eu acei...
Antes de terminar a frase sinto uma tontura enorme e tudo à minha volta torna-se turvo antes de desaparecer por completo.
- Cavaleiro, estás bem? - pergunta uma voz doce e terna. Umas gotas de água fria escorrem pela minha testa refrescando-me e despertando-me daquilo que parecia um sonho. Abro os olhos e vejo-a de novo, sorrindo para mim com duas covinhas no rosto e com o seu olhar meigo preso no meu.
- Elianne!

quinta-feira, janeiro 04, 2007

O Dragão Cinzento (3ª Parte)

- O QUÊ!!?? - exclama Lara ao ouvir aquela revelação. - Estás a querer dizer que o grande legado dos Ploensis é uma mulher!?
- Sim, demónio. - responde Beremid calmamente. - Não estou a perceber qual é o teu espanto, o conhecimento de toda uma raça pode estar contido num livro, num artefacto, ou até mesmo no último membro da sua espécie.
- Sim, sim, eu sei, mas as lendas...
- ... As lendas baseiam-se em factos reais, mas contêm muita fantasia, só um tolo é que acredita nelas piamente.
A demónio lança um olhar fulminante ao dragão ao ouvir aquelas palavras.
- E perdemos nós este tempo todo só para nos encontrarmos com uma velha gágá que certamente nem se lembra do próprio nome! - rosna a demónio virando-nos as costas e dando um pontapé na sólida porta de ferro.
- Acalma-te, Lara, tenho a certeza que essa tal de Elianne é muito dotada, senão não a teriam escolhido para ficar neste Mundo. - intervém Diana.
- Mas ninguém a escolheu, ela foi a única que sobreviveu à Grande Catástrofe. - diz Beremid sem perceber o que queria Diana dizer com aquilo.
- Que catástrofe? - perguntamos os três em uníssono olhando uns para os outros.
- Aquela que dizimou todos os Ploensis, vocês não estudaram isso na escola? - pergunta Beremid surpreendido.
- Mas toda a gente sabe que os Ploensis se cansaram deste Mundo e partiram para outro, esse período da nossa História está definido como a Terceira Grande Migração. - respondo.
- Eu não sei que dizer. - responde o dragão. - Mas vocês estão todos enganados, foram ludibriados, os Ploensis não partiram para outras terras, extinguiram-se, foram consumidos pela sua sede de poder.
- Não pode ser, dragão, deves ter batido com a cabeça em qualquer lado, temos provas da sua partida e a palavra de honra de cada um dos membros do antigo Conselho dos Onze. - contrapõe Lara.
- E o testemunho vivo de alguns dragões que presenciaram o momento em primeira mão. - diz Diana.
- Não, não, não! Estão todos a mentir, eu estive lá, eu assisti a tudo! - diz Beremid abanando a sua cabeça e olhando para o vazio como se estivesse a relembrar algo. - Eu lembro-me de tudo como se tivesse acontecido ontem, observei grandes actos de coragem, presenciei intrigas mesquinhas e cobardes, assisti às traições mais infames e ri e chorei conforme o desenrolar da trama... - o dragão cala-se por uns instantes e uma pesada lágrima escorre pelo seu focinho cinzento. - Eu... Eu compreendo porque quiseram esquecer, porque tentaram mudar o passado... Foi uma época de grande sofrimento, dor e mágoa... Teria sido o fim de tudo se Elianne e o seu amado Johan não tivessem intervido...
- Será que nos podes contar o que aconteceu? - pede Diana sentindo uma profunda simpatia pelo dragão.
- Talvez noutra altura, não agora, não me sinto em condições para contar toda essa história.
- Mas podes ao menos contar-nos porque é que a Elianne foi a única sobrevivente? - pergunto com curiosidade.
- Sinceramente não te sei responder a isso, humano, também eu anseio em sabê-lo, mas ela fecha-se em copas quando lhe pergunto e tranca-se na varanda mais alta do seu castelo.
- Castelo!? Mas que castelo!? Encontramo-nos num lugar esquecido pelos próprios Deuses, tu estás é louco dragão e alguém devia acabar com o teu sofrimento de uma vez por todas. - diz Lara sem acreditar numa só palavra.
- Demónio! - diz Beremid arfando irritado. - Estou a começar a ficar farto de ti.
- Mas desculpa que te diga, mas ela tem uma certa razão, falas de algo que para nós nunca aconteceu e afirmas que existe por aqui um castelo quando a única coisa que vemos é esta horrível porta de ferro. Por favor, tenta compreender o nosso cepticismo. - diz Diana defendendo a sua companheira.
Beremid solta um pesado suspiro.
- Eu compreendo... O castelo de que falo não se encontra nesta realidade, situa-se noutra onde apenas os nossos espíritos podem entrar, numa espécie de "mundo dos sonhos", digamos assim.
- E o que está por detrás desta porta? - pergunto.
- Vê por ti mesmo.

As paredes dos corredor tremem ligeiramente e um agudo som metálico de um trinco propaga-se pelo ar. A pesada porta de ferro range e geme ensurdecedoramente e lentamente começa a abrir-se. Um espesso fumo branco é libertado do seu interior e um gelo insuportável espalha-se à nossa volta fazendo-nos estremecer involuntariamente. Uma luz amarelada acende-se imediatamente focando-se sobre um belo e ornamentado caixão de âmbar. No seu interior encontra-se uma mulher muito bela que aparentemente dorme profundamente.
- Prepara-te, ó príncipe, pois a tua Bela Adormecida espera pelo teu beijo. - diz Lara num tom jocoso e dando-me um empurrão.