terça-feira, janeiro 23, 2007

Recomeçar

As ondas investem violentamente contra os rochedos da falésia salpicando-me com a sua espuma branca e espalhando no ar o intenso cheiro a maresia. O Sol de fim de tarde desce no horizonte lançando os seus raios avermelhados sobre as embarcações de pesca que se dirigem para o porto após um longo dia no mar. No céu as gaivotas voam em círculo acompanhando os pescadores e atirando-se de vez em quando para a água para apanhar algumas sobras que estes atiram borda fora.
Observo em silêncio todo este cenário indiferente aos sons distantes de uma cidade fervilhante que o vento teima em transportar consigo. Suspiro e aperto firmemente nas minhas mãos o presente que me foi dado pela última dos Ploensis, uma soberba espada, a espada de Elianne, a Lua Dançante. Desembainho-a e exponho a sua lâmina prateada aos últimos raios de luz que percorrem o horizonte, não consigo deixar de sorrir ao sentir a espada vibrar, ao observar os estranhos caracteres marcados no aço brilharem magicamente. Pequenas gotas de água caiem sobre a lâmina e olho instintivamente para o céu procurando as nuvens de onde caíram, mas o céu está limpo e as gotas não são de chuva, mas sim de lágrimas derramadas por mim.
Choro uma vez mais...

- Não chores, meu doce Cavaleiro, não chores. - diz Elianne afagando o meu rosto e sorrindo para mim.
- Como posso não chorar, minha doce Elianne, trouxe-te do Mundo da Ilusão, daquele teu Castelo nas Nuvens apenas para te ver desaparecer à minha frente sem poder fazer nada. - respondo apertando-a nos meus braços. - Não é justo...
- Eu sei, mas a Vida por vezes é cruel e no momento em que menos esperamos escapa-se-nos por entre os dedos... Perdoa-me, mon cher, teria adorado viver novos sonhos e aventuras ao teu lado.
- Não fales como se tivesse tudo acabado, minha sonhadora, por favor luta, reage!! Deixa-me ajudar-te! - olho em volta desesperado procurando por ajuda. - Diana faz qualquer coisa!!
- Eu... Eu lamento, meu Cavaleiro, mas não posso fazer nada... - responde a feiticeira numa voz baixa.
- Lara, dragão, por favor, ajudem-na!! - as lágrimas brotam com cada vez mais intensidade silenciando quase por completo a minha voz.
- Lamento humano, não há nada que eu possa fazer. - responde Lara.
Beremid nada diz.
- Os teus companheiros não podem fazer nada, este é o preço a pagar por ter tentado manipular energias demasiado poderosas. São elas que neste momento me consomem e cobram o favor que lhes exigi.
- Mas...
- Dizem que a espada é a alma de um guerreiro, não sei se é verdade ou não, mas quero acreditar que sim, por isso entrego-te a minha com todo o meu coração.
- Eu não posso aceitar...
- Por favor, aceita, pois estou a entregar-te simbolicamente toda a minha essência. Adoro-te, meu Cavaleiro, adoro-te! - a guerreira puxa-me para si e beija-me sentidamente, sinto o seu corpo contorcer-se uma última vez e desfazer-se em mil e um pontos de luz verde que se desvanecem no ar.
- Eu também te adoro, Elianne... - respondo.

Embainho a espada e volto a contemplar o pôr-do-Sol enxugando os olhos ainda marejados de lágrimas.
- Nunca te esquecerei, Elianne. - murmuro esboçando um ligeiro sorriso.
- Então estás aqui, meu Cavaleiro, estava preocupada contigo. - diz Diana aparecendo atrás de mim.
- Não precisavas, minha feiticeira, eu estou bem. - respondo virando-me para ela.
- Estiveste a chorar, tens os olhos vermelhos.
- Já passou. - digo. - Sabes, tou com uma fome de lobo, o que fizeste para jantar.
- Tu também? Mas tu e a Lara pensam que lá por ser feiticeira também tenho que ser a cozinheira?
- Vá não sejas assim, diz lá o que fizeste para jantar. - digo com um sorriso abraçando a feiticeira e deixando para trás aquele maravilhoso pôr-do-Sol.

domingo, janeiro 14, 2007

Com Eterna Saudade



As lágrimas teimam em cair pelo meu rosto como um rio inesgotável... Ainda me custa a crer que tenhas partido, minha doce sonhadora, que tenhas abandonado este "paraíso" terrestre e voado com o teu dragão, Beremid, para o teu castelo nas nuvens, aquele construíste na estrela que criaste para mim... Vou sentir tanto a tua falta, falta das nossas conversas, dos teus poemas, do teu sorriso, das tuas adoradas covinhas que teimavam em aparecer quando sorrias, da tua voz, do teu olhar e do nosso chocolate quente...
As lágrimas caiem com maior intensidade e as minhas palavras falham-me... Como romântico que sou acredito que tudo acontece por um motivo e que o nosso "encontro", no Inverno da tua vida, não foi uma simples coincidência. Adoro-te Elianne, adoro-te de verdade, continuarei a sonhar contigo usando a personagem que criei pensando em ti e dando cada vez mais vida à Lara, a demónio que tanto adoravas e que no fundo, e sem eu o saber, é como tu. Afinal, a mulher dos meus sonhos sempre existia...
Deixa as portas do teu castelo bem abertas, pois um dia quando eu partir irei à tua procura. ;)

Um beijo bem terno e eterno, salpicado com a doçura do nosso chocolate quente e acompanhado por um abraço forte e por um singelo, mas sentido, até já!
Sou e serei sempre o teu Cavaleiro!
João

quinta-feira, janeiro 11, 2007

O Despertar

As fumegantes canecas de chocolate quente acabadinho de fazer espalham o seu doce e sedutor aroma por todas as divisões do vasto castelo flutuante. Um fogo lento e pachorrento arde na lareira da principal sala de estar consumindo dois pesados troncos de madeira, a sua luz intermitente e dançante ilumina os impressionantes sofás de pele de veado andorino. Pelos extensos corredores uma luz pálida da tímida Lua brilha sobre o mármore azulado do pavimento e realça de uma forma assustadora as sombras das armaduras que permanecem em sentido, presas à parede, como se estivessem numa formação. O silêncio é apenas quebrado pela brisa do vento que teima em penetrar por uma das janelas semi-abertas de um destes corredores e bater suavemente num dos espanta-espíritos pendurado sobre a porta do quarto privado de Elianne.
Por detrás desta porta três velas iluminam toda a divisão revelando com a sua fraca luz peças de roupa jogadas no chão de qualquer maneira; nas paredes as sombras de dois corpos movendo-se e tornando-se num só tomam dimensões invulgares, os sons e os gemidos por eles expelidos são abafados pelo Tic-Tac constante de um antigo, mas possante, relógio de pêdulo encostado a uma das paredes.
O soar das doze badaladas mascara de certa forma o culminar do reencontro dos dois amantes, os seus corpos fundidos um no outro e os seus lábios entregues a uma dança de desejo e paixão são o espelho de que aquele momento é único e eterno.
- Como é bom que estejas de novo aqui ao pé de mim. - diz Elianne aninhando-se em meus braços e pousando a sua cabeça sobre o meu peito. - Senti tanto a tua falta, meu doce Cavaleiro.
- Mas eu não vou ficar aqui para sempre, minha guerreira misteriosa, em breve terei de partir de novo. - respondo passando a mão pelos seus cabelos encaracolados.
- Eu sei, eu sei. Sinto um peso enorme no coração por saber que em breve me irás deixar outra vez. - diz ela abraçando-me com força.
- Vem comigo, Elianne, vem comigo para Gaia.
- Eu... Eu não posso... Este lugar é a minha casa, aqui sinto-me bem, tenho o meu espaço, o meu silêncio, as minhas coisas... Eu já não pertenço ao teu mundo, faço parte de algo que já se extinguiu há muito tempo...
- Não digas isso, a tua raça desapareceu, mas tu sobreviveste por alguma razão. Está na hora de pôr o passado de lado e regressar.
- Tu não entendes, meu Cavaleiro, tu não entendes pelo que eu passei, pelo que eu tive de fazer. O meu mundo desmoronou-se à minha volta, pedra por pedra, pilar por pilar, tudo ruíu e eu, de certa forma, caí com ele.
- Eu compreendo que tenhas passado por um grande sofrimento, mas fugir não nos leva a lado nenhum, há alturas na nossa vida que temos que enfrentar o destino que os Deuses nos reservaram.
- Fugir? Mas eu nunca fugi de nada, meu guerreiro, eu enfrentei tudo o que havia para enfrentar. Eu... Tu não compreendes, nunca irias compreender...
- Explica-me então, conta-me o que aconteceu.
Elianne olha para mim e uma lágrima escorre-lhe pelo rosto.
- Não posso, não consigo... Perdoa-me. - diz ela levantando-se e vestindo um robe avermelhado.
- Elianne!
A guerreira apenas olha para mim e sai do quarto. Levanto-me de imediato vestindo as calças e abrindo a porta esperando encontrá-la ainda no corredor, mas ela havia desaparecido, apenas o som dos seus passos céleres permanece ecoando através dos corredores vazios. Lembro-me então daquilo que Beremid disse, que nestas alturas ela se refugiava na torre mais alta do castelo, a torre onde trocámos o primeiro beijo, e sem pensar duas vezes corro para lá.

A pesada porta de madeira encontra-se firmemente fechada, encosto o meu ouvido a ela e ouço alguém a soluçar e murmurar palavras.
- Elianne! - chamo em alta voz. - Abre a porta, por favor! - Lá dentro os soluços param e um silêncio enorme toma conta da sala. - Elianne, por favor, abre a porta! - repito. Os meus pedidos ficam sem resposta e da varanda nem um som se escapa.
Sem grande alternativa viro-me para as escadas e preparo-me para voltar para o quarto, mas algo me impede, uma sensação estranha, talvez, ou um pensamento maluco que me passa pela cabeça avisando-me que se me for embora poderei nunca mais a ver. Dominado por esse pressentimento volto a bater de novo à porta e a chamar pelo seu nome, o seu silêncio leva-me a bater com mais força aumentando a vontade de deitar a porta abaixo e descobrir o que se passa, inconscientemente é isso que faço e sem dar-me conta começo a bater com o ombro tentando arrombá-la. A pesada porta vai cedendo e ignorando a dor e o sangue quente que me vai escorrendo pelo braço atinjo o meu objectivo, com uma última e forte pancada ela cede totalmente e abre-se atirando-me com força para o chão gelado da varanda. Levanto-me a grande custo tentando estancar a hemorragia e olhando em volta procurando por ela, Elianne encontra-se no ponto mais afastado, rodeada por estrelas e luzes estranhas.
- Meu Cavaleiro, o que fizeste? - pergunta ela olhando para mim com o rosto encharcado.
- Uma loucura, pelos vistos. - respondo fazendo uma careta de dor e encostando-me à parede ofegante. - Desculpa-me, eu sei que este é o teu espaço, mas eu não podia ir-me embora assim. Tive um pressentimento esquisito.
- Que tipo de pressentimento?
- Que nunca mais te voltaria a ver. - cambaleio até ela.
- Estás ferido... - diz ela olhando para o meu ombro. - Deixa-me tratar disso. - Com uma simples passagem da sua mão sobre a minha ferida o sangue pára de escorrer e a pele fecha-se num ápice. - Já está!
- Elianne, vem comigo. - peço.
- Eu não posso...
- Podes sim, basta apenas confiares em mim. - respondo com um sorriso. - Eu estarei sempre contigo, sempre ao teu lado.
- Mas...
- Isto é tudo uma ilusão, Elianne, - digo descrevendo um arco com a mão. - nada disto é real, é apenas um sonho, um sonho monótono e repetido. Está na altura de viveres um novo sonho, um sonho inesquecível e excitante, recheado de novas aventuras e salpicado com pessoas novas e interessantes. Vem e sonha comigo, juntos poderemos transformar Gaia num mundo melhor, basta apenas confiares em mim.
- Eu não sei o que dizer, é tu...
- Diz apenas que sim. - interrompo estendendo-lhe a mão. - Confia...
- Eu confio! - diz ela pegando na minha mão e abraçando-me. - Confio com todas as forças do meu ser.
Com um beijo a imagem da varanda e do cenário fantástico começa a desvanecer-se até desaparecer por completo.

Abro lentamente os olhos e olho em redor procurando por um sinal de Elianne, esta encontra-se ainda adormecida sobre os membros fortes de Beremid, Diana acaricia gentilmente o meu cabelo e beija a minha testa, enquanto que Lara observa-me de longe.
- Voltaste! - diz Diana com um sorriso.
- Sim, e voltou com a Elianne. - diz o dragão com orgulho afagando o cabelo desta e observando com ternura o seu despertar.

domingo, janeiro 07, 2007

De Volta ao Castelo

Uma espessa nuvem de fumo branco paira sobre os nossos joelhos ocultando o piso húmido e escorregadio da câmara circular. O caixão jaz sobre um altar de pedra intensamente iluminado por raios de luz amarela provenientes de vários cristais presos no tecto. A luz é habilmente reflectida pelo âmbar incidindo em certos pontos da parede e fazendo aparecer na pedra nua textos e imagens de tempos há muito esquecidos e distantes.
- Uau! Que bonito! - exclama Diana maravilhada observando encantada cada imagem que vai aparecendo à sua frente. - O que significam?
- São histórias muito antigas, lendas, contos infantis, poemas... Coisas que a Elianne adorava escrever e descrever. - responde Beremid. - Infelizmente estão escritos numa língua que só ela conhecia, uma língua ancestral que acabou por se perder.
- Que pena, adoraria ler tudo isto.
- Não desesperes, feiticeira, a Elianne em breve acordará e eu tenho a certeza que terá o maior prazer em partilhar connosco todos estes seus textos. - sossega o dragão admirando com curiosidade e orgulho os desenhos perfeitos e a caligrafia tão estranha, mas ao mesmo tempo tão bem feita.
Enquanto Beremid e Diana se deleitam ao observar as imagens e os escritos, Lara e eu aproximamo-nos do caixão para ver de perto aquela que sobreviveu à, suposta, Grande Catástrofe.
- Hm, com que então esta é que é a famosa Elianne. - diz Lara admirando-a de cima a baixo. - É bonita e bastante atraente, agora compreendo porque é que demoraste tanto tempo para acordar. - a demónio olha para mim de soslaio com um sorriso malandro nos lábios.
- Infelizmente uma certa desmancha prazeres acordou-me na melhor altura, não foi, Lara?
- Ai sim? E posso saber que altura era essa? - pergunta ela endireitando-se e cravando os seus olhos dourados nos meus.
- Não tens nada com isso. - respondo ignorando por completo o seu olhar.
- Não precisas de responder, sei exactamente o que aconteceu entre vocês.
- Ai sim? E o que é que aconteceu entre nós?
- Não é óbvio? A rapariguinha estava sem homem há tanto tempo que assim que te viu saltou-te para cima, não foi?
- Lara...
- Ou se calhar já estava farta de "brincar" com o seu dragão e decidiu experimentar sangue novo.
- Lara...
- Ou talvez até te tenha convidado para entrar na brincadeira com ela e o dragão, sim afinal tu nessas coisas não és lá muito esquisito, nã...
- Lara!!! - grito irritado. Beremid e Diana calam-se e olham para nós, Lara simplesmente sorri deliciada por me ver exaltado. - Mas será que tu só pensas nisso? Estou a começar a ficar farto desses teus ciúmes!!
- Ciúmes!? Eu!? Deves estar a ficar parvo, humano, achas que alguma vez iria ter ciúmes teus, ciúmes de uma criatura tão baixa que nem para me lamber as botas é digna? - explode a demónio extremamente ofendida. - Sou uma demónio de puro sangue e como tal, sentimentos como esse não me afectam, humano.
- Ai sim, tens a certeza? É que em certas alturas, pela maneira como falas e ages, até parece que estás completamente apaixonad... - a demónio dá-me uma estalada com toda a força impedindo-me de terminar a frase.
- Não te atrevas a terminar essa frase, Cav! - grita ela enraivecida. - Eu sou um demónio, ouviste? Um demónio!! Eu sou superior a esses sentimentos reles e ordinários. O amor e a paixão é própria de vocês, humanos, criaturas baixas e mesquinhas. Mete de uma vez por todas nessa cabeça de serradura que os motivos que me movem não são iguais aos teus, pouco me importa o destino dessa tipa, por mim vendia-a a um comerciante de escravos por um bom preço, ou enviava-a para os Infernos onde me serviria como serva e concubina.
- Sempre o mesmo discurso, não é Lara? - respondo afagando o rosto dorido. - Quantas vezes me pergunto se de facto isso é tão verdade como tu dizes, ou se simplesmente o usas para fugir ao que verdadeiramente sentes.
Uma vez mais a demónio tenta bater-me, mas desta vez bloqueio-lhe o golpe e apanho-lhe o pulso.
- Eu não sinto nada por ti, humano, nada! és apenas alguém que eu permito que partilhe a minha cama. - responde ela mostrando os caninos.
- Serei? - respondo cravando os meus olhos nos dela.
A demónio debate-se libertando o seu pulso e sem dizer uma palavra afasta-se enfrentando sempre o meu olhar.
- Estás bem, meu Cavaleiro? - pergunta Diana aproximando-se e examinando o meu rosto.
- Estou sim, foi apenas mais uma das nossas muitas discussões, não te preocupes. - respondo sorrindo.
- Não sabia que vocês costumavam discutir muito. - diz ela olhando para a demónio.
- Nem imaginas. - digo sorrindo. - Mas felizmente acabamos sempre por fazer as pazes.

Com os ânimos mais calmos, Beremid aproxima-se do caixão de âmbar e com extremo cuidado e carinho retira o corpo adormecido de Elianne lá de dentro. O seu olhar é quente e terno e reflecte bem a amizade e ternura que o une àquela guerreira enigmática.
- Mas ela ainda dorme, o que é preciso para a acordar? - pergunta Diana olhando com extrema curiosidade para a última dos Ploensis.
- Um de vós terá que entrar no "Mundo dos sonhos" e trazê-la consigo, é a única maneira. - responde ele sem tirar os olhos da sua protegida.
- E porque é que não fazes tu isso, dragão? - pergunta Lara desconfiada.
- Porque alguém tem de os guiar de volta e o único capaz disso sou eu.
- E quem irá? - pergunto.
- Tu, humano, ela já te conhece e confia em ti, serás o enviado perfeito. Aceitas?
- Sim, eu acei...
Antes de terminar a frase sinto uma tontura enorme e tudo à minha volta torna-se turvo antes de desaparecer por completo.
- Cavaleiro, estás bem? - pergunta uma voz doce e terna. Umas gotas de água fria escorrem pela minha testa refrescando-me e despertando-me daquilo que parecia um sonho. Abro os olhos e vejo-a de novo, sorrindo para mim com duas covinhas no rosto e com o seu olhar meigo preso no meu.
- Elianne!

quinta-feira, janeiro 04, 2007

O Dragão Cinzento (3ª Parte)

- O QUÊ!!?? - exclama Lara ao ouvir aquela revelação. - Estás a querer dizer que o grande legado dos Ploensis é uma mulher!?
- Sim, demónio. - responde Beremid calmamente. - Não estou a perceber qual é o teu espanto, o conhecimento de toda uma raça pode estar contido num livro, num artefacto, ou até mesmo no último membro da sua espécie.
- Sim, sim, eu sei, mas as lendas...
- ... As lendas baseiam-se em factos reais, mas contêm muita fantasia, só um tolo é que acredita nelas piamente.
A demónio lança um olhar fulminante ao dragão ao ouvir aquelas palavras.
- E perdemos nós este tempo todo só para nos encontrarmos com uma velha gágá que certamente nem se lembra do próprio nome! - rosna a demónio virando-nos as costas e dando um pontapé na sólida porta de ferro.
- Acalma-te, Lara, tenho a certeza que essa tal de Elianne é muito dotada, senão não a teriam escolhido para ficar neste Mundo. - intervém Diana.
- Mas ninguém a escolheu, ela foi a única que sobreviveu à Grande Catástrofe. - diz Beremid sem perceber o que queria Diana dizer com aquilo.
- Que catástrofe? - perguntamos os três em uníssono olhando uns para os outros.
- Aquela que dizimou todos os Ploensis, vocês não estudaram isso na escola? - pergunta Beremid surpreendido.
- Mas toda a gente sabe que os Ploensis se cansaram deste Mundo e partiram para outro, esse período da nossa História está definido como a Terceira Grande Migração. - respondo.
- Eu não sei que dizer. - responde o dragão. - Mas vocês estão todos enganados, foram ludibriados, os Ploensis não partiram para outras terras, extinguiram-se, foram consumidos pela sua sede de poder.
- Não pode ser, dragão, deves ter batido com a cabeça em qualquer lado, temos provas da sua partida e a palavra de honra de cada um dos membros do antigo Conselho dos Onze. - contrapõe Lara.
- E o testemunho vivo de alguns dragões que presenciaram o momento em primeira mão. - diz Diana.
- Não, não, não! Estão todos a mentir, eu estive lá, eu assisti a tudo! - diz Beremid abanando a sua cabeça e olhando para o vazio como se estivesse a relembrar algo. - Eu lembro-me de tudo como se tivesse acontecido ontem, observei grandes actos de coragem, presenciei intrigas mesquinhas e cobardes, assisti às traições mais infames e ri e chorei conforme o desenrolar da trama... - o dragão cala-se por uns instantes e uma pesada lágrima escorre pelo seu focinho cinzento. - Eu... Eu compreendo porque quiseram esquecer, porque tentaram mudar o passado... Foi uma época de grande sofrimento, dor e mágoa... Teria sido o fim de tudo se Elianne e o seu amado Johan não tivessem intervido...
- Será que nos podes contar o que aconteceu? - pede Diana sentindo uma profunda simpatia pelo dragão.
- Talvez noutra altura, não agora, não me sinto em condições para contar toda essa história.
- Mas podes ao menos contar-nos porque é que a Elianne foi a única sobrevivente? - pergunto com curiosidade.
- Sinceramente não te sei responder a isso, humano, também eu anseio em sabê-lo, mas ela fecha-se em copas quando lhe pergunto e tranca-se na varanda mais alta do seu castelo.
- Castelo!? Mas que castelo!? Encontramo-nos num lugar esquecido pelos próprios Deuses, tu estás é louco dragão e alguém devia acabar com o teu sofrimento de uma vez por todas. - diz Lara sem acreditar numa só palavra.
- Demónio! - diz Beremid arfando irritado. - Estou a começar a ficar farto de ti.
- Mas desculpa que te diga, mas ela tem uma certa razão, falas de algo que para nós nunca aconteceu e afirmas que existe por aqui um castelo quando a única coisa que vemos é esta horrível porta de ferro. Por favor, tenta compreender o nosso cepticismo. - diz Diana defendendo a sua companheira.
Beremid solta um pesado suspiro.
- Eu compreendo... O castelo de que falo não se encontra nesta realidade, situa-se noutra onde apenas os nossos espíritos podem entrar, numa espécie de "mundo dos sonhos", digamos assim.
- E o que está por detrás desta porta? - pergunto.
- Vê por ti mesmo.

As paredes dos corredor tremem ligeiramente e um agudo som metálico de um trinco propaga-se pelo ar. A pesada porta de ferro range e geme ensurdecedoramente e lentamente começa a abrir-se. Um espesso fumo branco é libertado do seu interior e um gelo insuportável espalha-se à nossa volta fazendo-nos estremecer involuntariamente. Uma luz amarelada acende-se imediatamente focando-se sobre um belo e ornamentado caixão de âmbar. No seu interior encontra-se uma mulher muito bela que aparentemente dorme profundamente.
- Prepara-te, ó príncipe, pois a tua Bela Adormecida espera pelo teu beijo. - diz Lara num tom jocoso e dando-me um empurrão.