quinta-feira, dezembro 28, 2006

O Dragão Cinzento (2ª Parte)

Ao ouvir o seu nome o dragão endireita-se e lança-me um olhar mais intenso e perscrutador como se estivesse a ler a minha alma. Lara e Diana fitam-me surpreendidas tentando perceber como poderia eu conhecer tão curiosa criatura enquanto que Léon aproveita a distracção de todos para investigar a toca de Beremid e apoderar-se de algum ouro ou objecto valioso.
- Esse é o meu nome, humano, mas poderei saber de onde me conheces? - pergunta o dragão com a sua voz forte.
- Sim Cav, diz-nos de onde o conheces, eu também estou curiosa. - intromete-se a demónio.
- Eu não sei, de repente esse nome veio-me à cabeça como se já nos tivéssemos cruzado antes. - respondo. - Mas de alguma forma sinto que falta alguém...
- E quem é esse alguém, humano? - pergunta o dragão ocultando um sorriso como se soubesse a resposta.
- Sim, quem? - volta a perguntar a demónio com uma crescente curiosidade na voz.
Diana nada diz, limita-se a olhar para mim esperando paciente ou impacientemente pela resposta.
- Uma mulher... - respondo absorvido em rasgos de recordações soltas e incertas. - Elia... Não me recordo do seu nome, apenas dos seus olhos... - esboço um pequeno sorriso ao lembrar-me do seu perfume e do beijo trocado sob o olhar do Universo.
- Elianne! - diz Beremid. - O seu nome é Elianne, humano. Eu lembro-me de ti, és o guerreiro que apareceu misteriosamente no seu jardim ainda há pouco. Não sei o que lhe fizeste, mas deixaste-a radiante e mereces o meu respeito por isso.
- Espera um pouco. - interrompe Diana. - Como assim ainda há pouco, ele esteve sempre connosco, não foi a jardim algum.
- Existem tantos mundos e tantas realidades em que apenas o espírito pode viajar...
- Isso quer dizer que...
- ... Que enquanto nós nos preocupávamos com o Cav, estava ele a fazer não sei o quê com a tal de Elianne. - termina a demónio olhando para mim.
- Eu não acredito! Eu a pensar no pior e tu a divertires-te! - exclama a feiticeira indignada.
- Mas eu...
Lara aproxima-se de mim beijando o meu pescoço e murmurando ao meu ouvido:
- Não sejas tão modesto Cav, partilha comigo o que lhe fizeste ou o que ela te fez. - diz ela num tom de voz doce e sedutor. - É melhor que eu na cama? Será que te dá mais prazer do que eu? Satisfaz todas as tuas fantasias?
- Lara, pára! - afasto-a irritado. - Não estou com disposição para os teus ciúmes, especialmente quando não me consigo lembrar muito bem do que aconteceu.
- Do que te lembras, então? - pergunta Diana.
- Eu não quero falar sobre isso! - respondo. - Beremid, onde está ela, porque é que não está contigo?
- Mas é por ela que vocês aqui estão, vocês querem o que está atrás desta porta, estarei certo?
- Sim, nós queremos todo o conhecimento dos Ploensis. - responde Lara.
- Mas o que queres dizer com isso do "é por ela que vocês aqui estão"? - pergunto.
- Simples, a Elianne é a última dessa antiga e poderosa raça!

sábado, dezembro 23, 2006

O Dragão Cinzento

A pequena bola de luz criada por Diana serpenteia à nossa volta afastando as trevas e iluminando o sinistro corredor. Lara segue na frente lendo o mapa, seguida de perto por Léon, eu e a feiticeira caminhamos um pouco mais atrás silenciosos e expectantes.
- Deves estar desiludido comigo, meu Cavaleiro, deves estar a pensar que sou uma medricas. - diz Diana sem olhar para mim.
- Por que haveria de pensar isso, por causa da maneira como reagiste ainda agora? - pergunto encarando-a surpreendido.
- Sim...
- Afasta esses pensamentos parvos, minha feiticeira, tu sabes bem que eu nunca iria pensar uma coisa dessas de ti. - respondo tentando animá-la. - Somos humanos, carregamos dentro de nós medos que não conseguimos entender nem controlar.
- Eu sei, mas eu sou uma feiticeira, ora bolas! eu fui treinada desde pequena para controlar os meus medos, para me manter calma quando tudo à minha volta se desmorona. - diz ela fitando-me com os seus olhos verde esmeralda. - Eu falhei, meu Cavaleiro, eu falhei!!
Páro e envolvo-a nos meus braços beijando a sua testa.
- Não sejas tão dura contigo mesma, tu não falhaste, tu salvaste-nos. Por mais poderosa que sejas, por mais disciplina que tenhas, tu nunca vais deixar de ser humana, vais ter sempre que conviver com as fraquezas que acompanham a nossa espécie.
Uma lágrima escapa-se dos seus olhos escorrendo pelo seu belo rosto.
- Eu sei, eu sei... - diz ela pousando a sua cabeça sobre o meu ombro. - Mas a imagem e o medo de te ver morto deixou-me desesperada e descontrolada... Pregaste-me um grande susto ainda agora, sabias? Ao ver-te inconsciente daquela maneira e durante tanto tempo, ai, tive tanto...
Coloco ternamente um dedo sobre os seu lábios impedindo-a de terminar a frase.
- Shh, não digas mais nada. - sorrio passando a mão sobre o seu cabelo. - Continuas precisamente na mesma, sempre preocupada comigo e a pensar no pior.
- Não consigo evitar, tu és como um irmão mais novo para mim, sinto uma profunda necessidade de te proteger. - diz ela sorrindo. - Acho que já é hábito, quando éramos mais novos estava sempre pronta para te salvar dos sarilhos em que te metias.
- Ai sim? - respondo eu surpreendido. - Mas se eu bem me lembro quem andava sempre metida em sarilhos eras tu...
- Detalhes, detalhes!! - diz ela rindo e abraçando-me com força. - Eu adoro-te, meu Cavaleiro, promete-me que nunca mais nos vamos separar.
- Eu prometo! - digo sorrindo e abraçando-a com a mesma intensidade.
- Por Lukthar! - interrompe Lara aparecendo subitamente. - Mas vocês humanos além de serem uns medricas passam a vida aos abraços e aos beijinhos?
- O que se passa, Lara, estás com ciúmes?
- Se calhar ela também quer um beijinho e um abraço. - diz Diana picando-a.
- Agora não, quem sabe mais logo, mas aí vou querer bem mais do que um simples beijo ou abraço de ambos. - diz ela sorrindo maliciosamente. - Mas de momento temos um prémio para resgatar, por isso menos lamechice e mais acção!

A escuridão vai desaparecendo lentamente e o corredor vai-se tornando cada vez mais luminoso. Chegamos por fim a uma pesada e impressionante porta de ferro, o seu aspecto é simplesmente assustador, caveiras esculpidas no metal parecem gritar num sofrimento eterno, enormes espigões avermelhados apontam na nossa direcção mostrando orgulhosamente o sangue seco que os cobre.
- Chegámos finalmente! - exclama Lara eufórica. - Agora só temos que encontrar uma maneira de abrir isto.
- O papiro o que é que diz? - pergunto mirando com desdém a aparência da porta.
- Nada, desde as sete portas que estamos a caminhar em terreno desconhecido. - diz Diana.
- Vocês já repararam nesta estátua? Parece um dragão... - diz Léon aproximando-se dela para a ver melhor.
- Um dragão!? - exclamamos os três em uníssono guiando o olhar para o local onde Léon se encontra.
- Deditos, se eu fosse a ti recuava muito lentamente.
O ladrão vira-se para a demónio irritado.
- Lara, pela milésima vez peço-te que não me voltes a tratar assim. Além do mais, porque é que deveria recuar, esta estátua pode ser a chave que procuramos.
- Pois pode... Mas já viste alguma estátua respirar, Léon? - diz a feiticeira calmamente.
- Respirar? Claro que não, as estátuas não respiram, apenas as criaturas vivas o faz... - O ladrão apercebe-se então de que a "estátua" o fita com olhos de poucos amigos e segue o conselho da demónio começando a recuar muito lentamente.
O dragão abre a sua enorme boca e solta um urro assustador propagando saliva e baba em todas as direcções.
- Esta porta está guardada por mim, criaturas inferiores, e se querem o que está lá dentro terão de me provar que são dignos.
- Bolas, mas será que aguentar este fedor e levar com um banho de baba não é razão suficiente? - murmura Lara limpando o rosto.
- Tento na língua, demónio, ou o próximo odor que irás sentir será o do meu estômago. - rosna o dragão cinzento. - Como disse, terão de me provar que são di... O que se passa humano, será que nunca viste um dragão antes?
O dragão olha para mim com curiosidade e eu não consigo deixar de pensar que já o vi em qualquer lado, a ele e a mais alguém.
- Beremid, és tu? - pergunto sem saber de onde me surgiu o nome.

Medos

Um espesso manto negro abate-se sobre nós à medida que nos embrenhamos cada vez mais pelo novo corredor, a luz das nossas tochas vai-se esmorecendo, sugada pelas trevas esfaimadas, até desaparecer por completo e lançar-nos na mais sombria escuridão. Tentamos a todo o custo reacender as nossas lanternas, mas nem uma faísca conseguimos produzir, as sombras parecem ser donas e senhoras deste local impedindo a formação da mais pequena porção de luz. As trevas começam então lentamente a mexer na nossa mente, o silêncio absoluto e o medo primário da ausência de luz forçam-nos a imaginar sons, barulhos estranhos e a ver coisas que simplesmente não existem. Tento lutar contra este temor irracional, mas é mais forte que eu, o instinto de sobrevivência obriga-me a levar a mão à espada e defender-me dos "perigos" que me cercam. Imagens e sons de monstros horrendos, de demónios sanguinários e outras criaturas, que a minha mente fértil insiste criar em questões de segundos, fitam-me por entre a escuridão, esperando apenas o momento certo para me atacar. Subitamente uns olhos dourados emergem das sombras e avançam na minha direcção, com um movimento rápido desembainho a minha espada e preparo-me para os atacar, um grito de uma mulher ecoa então pelo ar e uma forte luz branca afugenta as trevas que nos cercam.
Estremeço ao ver o rosto de Lara diante de mim, a lâmina da minha espada parou a escassos milimetros do seu pescoço.
- É melhor guardares isso, Cav, ou ainda magoas alguém. - diz ela esboçando um sorriso mas não conseguindo esconder a profunda surpresa estampada no seu olhar.
- Eu... Desculpa-me... Eu não queria...
- Eu sei, não precisas de pedir desculpa.
Sorrio para ela e olho em volta, ao que parece não fui o único a sucumbir ao medo do escuro, Léon encontra-se a poucos metros de mim olhando igualmente em volta sem saber o que lhe aconteceu, e Diana jaz no chão cercada de uma luz branca muito intensa murmurando palavras incompreensíveis e limpando os olhos mergulhados em lágrimas.
- Humanos... - comenta a demónio abanando a cabeça e sorrindo desdenhosamente ao ver-nos assim.

sábado, dezembro 16, 2006

Um Sonho?

A misteriosa mulher senta-se à minha frente fitando-me com os seus olhos curiosos, os seus lábios comprimem-se sedutoramente soprando sobre a fumegante caneca de chocolate quente que segura com ambas as mãos. Observo-a encantado sem saber o que dizer ou fazer preso àquele olhar tão doce e terno e no entanto tão misterioso.
- O que se passa - pergunta ela cortando o silêncio. - não estás com vontade de provar o chocolate que te ofereci?
As suas palavras despertam-me do seu encantamento fascinante e dou-me conta que o calor da caneca que seguro com ambas as mãos se começa a tornar insuportável.
- S-sim... Eu... Desculpa. - gaguejo atrapalhadamente. - Mas estou simplesmente encantado e fascinado com tudo o que me mostraste. Este teu castelo é... único...
- Sim... - responde ela com um sorriso. - Foi feito com amor e carinho, isso torna-o muito especial e único. Mas coloquemos o meu castelo de lado, fala-me de ti, há tanto tempo que não tenho uma visita.
- Mas como é isso possível, este lugar é extraordinário e tu és uma mulher fantástica, como podes viver assim em quase total isolamento?
- Uma mulher fantástica? Como podes afirmar uma coisa dessas se só me conheces há poucas horas? - pergunta ela pousando a caneca na mesa e tentando esconder um ligeiro rubor.
- Pelo teu olhar e pelo teu sorriso. E, desculpa por te dizer isto, mas quanto mais tempo estou contigo, mais me vem à cabeça a ideia de que te conheço de alguma forma.
- Deve ser impressão tua, guerreiro, nós nunca nos cruzámos antes...
- Eu sei... Esquece, não ligues ao que digo, deve ser da excelente hospitalidade a que estou a ser sujeito. - digo piscando-lhe o olho e provando um pouco da sua bebida. - Sou apenas um homem que gosta de viajar e viver aventuras, ajudar e conhecer pessoas novas e interessantes.
- E o que te traz aqui, alguma aventura?
- Sim... Eu, a Lara, a Diana e um outro chamado León estávamos à procura de uma câmara que supostamente guarda um conhecimento fabuloso, todo o conhecimento de uma raça chamada Ploensis.
- E para que queres tu tal conhecimento, segundo as lendas, ele é deveras poderoso e mortal, queres tornar-te senhor do Mundo? - pergunta ela enterrando o seu olhar no meu esperando impacientemente pela resposta.
Solto uma gargalhada ao ouvir tal pergunta.
- Eu, senhor do Mundo? Pelos Deuses, claro que não!! Eu já fui um senador da República e acredita, a política não é para mim, demasiada burocracia. Eu quero é viver a vida, um dia de cada vez e quem sabe viver um ou dois sonhos.
- Poderei saber com que sonhas?
- Com o amor, amar e ser amado... Por uns tempos esse sonho concretizou-se, mas depois... Depois o sonho tornou-se um pesadelo, perdi-a, perdi-me... Mas o sonho, esse, ainda se mantém, mais forte que nunca. - Volto a beber um golo do delicioso chocolate e evito o seu olhar.
- Desculpa, eu não sabia que estas minhas perguntas te fariam relembrar coisas tão dolorosas.
- Não faz mal...
- Faz sim. - ela levanta-se e pega-me pelo braço. - Anda, quero mostrar-te o meu sítio favorito, aquele para onde vou quando estou em baixo.
- Mas...
- Não há mas, nem meio mas, tu vens comigo, Cavaleiro sonhador! - diz ela com um sorriso tão doce e terno que não sou capaz de recusar. A guerreira conduz-me por várias salas e salões, por vários lances de escada até que se detém por fim diante de uma porta de madeira. - Vou pedir-te que feches os olhos, quero que fiques surpreendido quando os abrires. Confias em mim?
- Sim!
- Ainda bem. Dá-me a tua mão. - fecho os olhos e ouço a porta a abrir-se muito lentamente, logo de seguida sinto-me a ser conduzido para uma sala cujo o ar leve e fresco me dá a impressão de estar a levitar. - Podes abrir os olhos. - diz ela.
Abro-os lentamente e o cenário que se revela diante de mim faz-me estremecer e por pouco não caio no chão, tal é a fraqueza que sinto nas pernas. Encontro-me na varanda da torre mais alta do castelo, à minha frente parecem estar concentrados todos os planetas e estrelas do Universo, as constelações que tanto fazem sonhar e os cometas que viajam através do espaço sideral indiferentes ao olhar de criaturas tão pequenas e insignificantes.
- Pelos Deuses, eu só posso estar a sonhar. Eu adoro olhar para o céu de noite, de contemplar as estrelas ao longe, mas vê-las assim de tão perto são ainda mais espectaculares e mágicas do que me atrevia a imaginar...
- São sim, este cenário tão belo deixa-me sempre maravilhada e encantada.
- Sim... Compreendo-te perfeitamente...
- Cavaleiro?
- Sim?
- Ainda agora, quando me disseste que tinhas a sensação de que me conhecias de qualquer lado o meu coração disparou, a verdade é que eu também senti o mesmo.
- Sentiste?
- Sim... Por isso é que te quis mostrar este meu pequeno reino privado. Eu sinto que posso confiar em ti, sinto que já estive contigo há muito tempo...
- E no entanto nunca nos vimos antes. Como pode ser isto possível? - pergunto afagando carinhosamente o seu cabelo.
- Não sei, sinceramente não sei... - responde ela colocando os seus braços à volta do meu pescoço e aproximando os seus lábios dos meus. - Tudo o que sei é que desde que te vi que te quero fazer isto...
Diante daquela visão extraordinária trocamos um forte e demorado beijo.
- Que loucura, eu nem sei como te chamas, guerreira misteriosa.
- Não seja por isso, bravo guerreiro, o meu nome é Elia... - um grito indistinto vindo de não sei de onde impede-me de ouvir o seu nome.
- Não percebi, guerreira, repete-mo. - peço imerso num encantamento profundo.
- Elia...
- Cav!!! - volto a ouvir gritar.
- C-como?
- CAV, ACORDA!!!!
Os gritos vão se tornando mais intensos e distintos e tudo à minha volta se começa a desfazer. A guerreira tenta segurar-me, manter-me perto de si, mas uma força maior puxa-me não sei para onde, estendo o braço tentando tocar-lhe, mas ela já está longe, fora do meu alcance. As imagens vão-se desmoronando uma a uma e a última coisa que vejo são os seus olhos grandes e curiosos agora tristes e saudosos por me perder uma vez mais...

- Cav!! Cav!!! - grita a voz. Sinto uma dor aguda no rosto e depois vejo os olhos dourados de Lara diante de mim. - Humano estúpido! O que te deu para desmaiares dessa maneira?
- Desmaiei? - pergunto confuso.
- Sim, seu idiota. - continua a demónio. - Ia ficando rouca de tanto chamar por ti.
- Rouca e com a mão dorida com tantas estaladas que lhe deste. - diz Diana sorrindo.
- Está calada, feiticeira! - rosna a demónio. - O que é que te aconteceu, parvalhão?
- N-não sei... Não me lembro... - respondo confuso. - Mas obrigado por estares tão preocupada comigo. - A demónio volta a dar-me uma estalada no meu rosto já dorido. - Hey, para que é que foi isso?
- Ainda estás a dizer parvoíces, por isso foi para te acordar de vez!! - responde ela levantando-se.

sábado, dezembro 09, 2006

O Castelo nas Nuvens

O dragão ajoelha-se na erva alta permitindo à mulher que desmonte com suavidade, no olhar de ambos está estampado um profundo respeito e carinho como se uma forte amizade e amor os unisse. A guerreira deixa-se ficar perto do seu companheiro afagando o seu dorso e observando-me com viva curiosidade e atenção.
- Posso saber como vieste parar aos jardins do meu castelo, guerreiro? Neste pequeno espaço a que tenho orgulho de chamar meu, só entra quem eu quero, e se a memória não me falha, não te enviei nenhum convite...
- Peço desculpa se invadi os teus jardins, não foi por minha culpa, foi uma porta mágica que me guiou até aqui, a mim e aos meus companheiros.
- Companheiros? - pergunta o dragão na sua voz forte e poderosa. - A que companheiros te referes, humano?
- Refiro-me a mais três parceiros de viagem, dragão, uma feiticeira de nome Diana, um ladrão de nome Léon e um demónio de nome Lara.
- Um demónio!? - exclama a mulher levando a mão a uma espada até então oculta. - Pelo teu ar e pelo teu olhar imaginava-te um guerreiro do bem e da justiça, não um mercenário das hostes infernais. - O dragão imita o gesto da sua parceira colocando-se em posição de combate e abrindo a boca mostrando os seus dentes enormes.
Como que por instinto, Aragoth activa-se cobrindo todo o meu corpo com uma armadura mágica preparada para me defender do perigo.
- Eu já pensei como tu, guerreira, mas depois conheci a Lara e tudo aquilo que eu pensava conhecer sobre os demónios se desfez em pó. Baseias os teus conhecimentos em preconceitos e em meras superstições, nem todos os demónios são maus e nem todos os anjos são bons. - respondo levando por precaução a mão à espada.
- Mesmo assim, um demónio é sempre um demónio. - responde ela teimosa.
- E um dragão é sempre um dragão. - respondo encarando sem medo o olhar da besta. - Sou um Cavaleiro que já viu e passou por muita coisa, a verdade é que nem tudo é o que parece, o medo do desconhecido faz-nos temer as coisas, por vezes sem razão. - desembainho lentamente a espada e atiro-a para o chão. - Sou amigo e amante de uma demónio, sim, e não me arrependo disso! mas se na tua óptica a minha mera amizade para com ela me transforma num ser desprezível e odioso, então tenho pena de ti, pois és pobre de espírito e um poço de preconceitos.
A mulher olha para mim incrédula e depois sorri com doçura.
- És um homem corajoso, guerreiro, e ao que parece um sonhador inveterado, como eu... Peço desculpa se te ofendi de algum modo, mas nos tempos que correm todo o cuidado é pouco. És bem-vindo ao meu jardim e ao meu castelo, por favor segue-me, és meu convidado. - a guerreira volta a montar o seu dragão e no céu um castelo suspenso sobre uma gigantesca e fofa nuvem branca, aparece como que por magia.
- Espera! E os meus amigos, onde estão eles? - pergunto.
- Sinceramente não te posso responder a isso, bravo guerreiro, pois apenas tu apareceste no meu jardim. Confia em mim e segue-me, talvez as respostas que procures estejam mesmo à tua frente.
Monto no dorso do enorme dragão cinzento abraçando firmemente a cintura daquela misteriosa guerreira para não cair. O solo afasta-se rapidamente e um vento frio bate-me no rosto transportando consigo o delicioso aroma da pele suave desta mulher enigmática, fecho os olhos e por momentos esqueço-me da minha missão e do destino dos meus companheiros, em especial do da Lara, e simplesmente deixo-me guiar pela mão invisível da Fortuna.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

A Câmara do Conhecimento (3ª Parte)

As portas levitam levemente soltando suaves faíscas de pura luz branca, tentamos em cada uma delas encontrar uma pista que nos indique o caminho correcto, mas tal não é possível, entre este lado e o outro encontra-se um véu de luz brilhante que nos impede de ver e ouvir o que se encontra do outro lado. Apenas nos restam as inscrições, sete pequenas frases que espalham ainda mais a confusão e a indecisão.
- Ora bem, estamos aqui há horas e ainda não chegámos a uma conclusão, qual é para vocês o caminho correcto? - pergunta uma vez mais Diana cansada de tanto ler e reler as frases.
- Outra vez essa pergunta, feiticeira? Cada um de nós tem uma interpretação diferente, por isso acabamos sempre por escolher portas diferentes. - responde Lara sem paciência.
- Eu sei, Lara, eu sei, mas temos que escolher uma, por isso esta é a pergunta mais lógica, qual delas?
- Não é a única pergunta lógica. - respondo. - Se estamos com dificuldades em escolher a verdadeira podemos ao menos marcar desde já as erradas, isto simplificaria um pouco mais as coisas, não concordam?
- Sim, simplificaria e muito. - responde a feiticeira com um sorriso. - Podemos então concluir sem sombra de dúvida que a segunda porta é falsa, certo?
- Certo! - respondemos os três em uníssono.
- Óptimo, uma já está, faltam seis.
- Por essa ordem de ideias a sexta porta também é falsa, concordam? - pergunta Lara.
- Sim! - voltamos a responder em uníssono.
- A primeira e a quarta não me cheiram, soam-me a armadilhas. - afirma Léon.
- Sim, especialmente essa do sorriso e da voz, parece uma conversa daquelas criaturas que atraiem os viajantes para uma morte horrorosa. - diz a demónio.
- Muito bem, outras duas eliminadas. - digo sorrindo. - Agora só faltam três... Esta do Midas é tentadora, mas estamos à procura de conhecimento e não de ouro, por isso não é lógico seguir por aqui.
- Mas nós não sabemos o que podemos encontrar, até pode haver bastante ouro guardado. - diz rapidamente Léon com um brilho no olhar.
- Pode haver, mas concordo com o Cav, não é de ouro que estamos à procura, por isso para mim a porta é falsa. - argumenta Diana.
- Detesto dizer isto, mas eles têm razão, Léon, não viemos atrás de ouro, viemos atrás de algo bem mais poderoso e influente. - responde Lara. - Além disso, esta última parte cheira-me a armadilha, eu também acho q a porta é falsa.
- Mas...
- São três votos contra um, a terceira porta foi descartada, meu caro. - corta a feiticeira.
- Já viram, só nos faltam duas! - exclama Lara confiante. - Hm... Para mim a verdadeira é a sétima.
- Tem alguma lógica, o que é que está sempre connosco, não é a aprendizagem, o conhecimento, a experiência que vamos adquirindo desde o nascimento até à morte? - responde Diana.
- Sim, é de facto uma inscrição tentadora, mas soa-me a algo bem diferente. - opina Léon.
- Também acho, vendo por outro prisma esta companheira ideal parece ser a Morte... - respondo.
- Mas a outra porta fala em pesadelos, n...
- Mas também fala em sonhos, Lara, e o conhecimento não pode ser uma faca de dois gumes, um sonho e um pesadelo? - respondo.
- Talvez, mas...
- "... ou de nada ficarás ciente...", para mim é a porta verdadeira.
- Mas...
- Começo a concordar com o Cavaleiro, Lara, a quinta porta parece ser a verdadeira.
A demónio olha para cada um de nós visivelmente irritada por ser contrariada, mas acaba por se render às evidências.
- Está bem, eu aceito as vossas opiniões, a verdadeira é a porta nº 5, mas pelo sim pelo não mandamos o Léon primeiro, se lhe acontecer alguma coisa seguimos pela "minha" porta. - diz ela olhando para o ladrão com um sorriso malicioso.

O cheiro desagradável dos esgotos e o irritante zumbido das portas dão lugar a um aroma perfumado de flores do campo e ao som de água a cair. Diante de mim encontra-se um belo jardim salpicado de flores e árvores esplendorosas que emanam cheiros e odores vários, todos eles maravilhosos; uma magnífica cascata de águas cristalinas parece gritar de vida mesmo ali ao lado, dando origem a um pequeno lago soberbo e cheio de vida.
- Pelos Deuses, estarei eu no paraíso?! - exclamo ante este cenário divino.
- Claro que não, guerreiro, estás no "meu" jardim!
Viro-me na direcção da voz e encontro uma bela mulher de olhos grandes e curiosos envergando um vestido vermelho e montando um enorme dragão cinzento.