quinta-feira, dezembro 28, 2006

O Dragão Cinzento (2ª Parte)

Ao ouvir o seu nome o dragão endireita-se e lança-me um olhar mais intenso e perscrutador como se estivesse a ler a minha alma. Lara e Diana fitam-me surpreendidas tentando perceber como poderia eu conhecer tão curiosa criatura enquanto que Léon aproveita a distracção de todos para investigar a toca de Beremid e apoderar-se de algum ouro ou objecto valioso.
- Esse é o meu nome, humano, mas poderei saber de onde me conheces? - pergunta o dragão com a sua voz forte.
- Sim Cav, diz-nos de onde o conheces, eu também estou curiosa. - intromete-se a demónio.
- Eu não sei, de repente esse nome veio-me à cabeça como se já nos tivéssemos cruzado antes. - respondo. - Mas de alguma forma sinto que falta alguém...
- E quem é esse alguém, humano? - pergunta o dragão ocultando um sorriso como se soubesse a resposta.
- Sim, quem? - volta a perguntar a demónio com uma crescente curiosidade na voz.
Diana nada diz, limita-se a olhar para mim esperando paciente ou impacientemente pela resposta.
- Uma mulher... - respondo absorvido em rasgos de recordações soltas e incertas. - Elia... Não me recordo do seu nome, apenas dos seus olhos... - esboço um pequeno sorriso ao lembrar-me do seu perfume e do beijo trocado sob o olhar do Universo.
- Elianne! - diz Beremid. - O seu nome é Elianne, humano. Eu lembro-me de ti, és o guerreiro que apareceu misteriosamente no seu jardim ainda há pouco. Não sei o que lhe fizeste, mas deixaste-a radiante e mereces o meu respeito por isso.
- Espera um pouco. - interrompe Diana. - Como assim ainda há pouco, ele esteve sempre connosco, não foi a jardim algum.
- Existem tantos mundos e tantas realidades em que apenas o espírito pode viajar...
- Isso quer dizer que...
- ... Que enquanto nós nos preocupávamos com o Cav, estava ele a fazer não sei o quê com a tal de Elianne. - termina a demónio olhando para mim.
- Eu não acredito! Eu a pensar no pior e tu a divertires-te! - exclama a feiticeira indignada.
- Mas eu...
Lara aproxima-se de mim beijando o meu pescoço e murmurando ao meu ouvido:
- Não sejas tão modesto Cav, partilha comigo o que lhe fizeste ou o que ela te fez. - diz ela num tom de voz doce e sedutor. - É melhor que eu na cama? Será que te dá mais prazer do que eu? Satisfaz todas as tuas fantasias?
- Lara, pára! - afasto-a irritado. - Não estou com disposição para os teus ciúmes, especialmente quando não me consigo lembrar muito bem do que aconteceu.
- Do que te lembras, então? - pergunta Diana.
- Eu não quero falar sobre isso! - respondo. - Beremid, onde está ela, porque é que não está contigo?
- Mas é por ela que vocês aqui estão, vocês querem o que está atrás desta porta, estarei certo?
- Sim, nós queremos todo o conhecimento dos Ploensis. - responde Lara.
- Mas o que queres dizer com isso do "é por ela que vocês aqui estão"? - pergunto.
- Simples, a Elianne é a última dessa antiga e poderosa raça!

sábado, dezembro 23, 2006

O Dragão Cinzento

A pequena bola de luz criada por Diana serpenteia à nossa volta afastando as trevas e iluminando o sinistro corredor. Lara segue na frente lendo o mapa, seguida de perto por Léon, eu e a feiticeira caminhamos um pouco mais atrás silenciosos e expectantes.
- Deves estar desiludido comigo, meu Cavaleiro, deves estar a pensar que sou uma medricas. - diz Diana sem olhar para mim.
- Por que haveria de pensar isso, por causa da maneira como reagiste ainda agora? - pergunto encarando-a surpreendido.
- Sim...
- Afasta esses pensamentos parvos, minha feiticeira, tu sabes bem que eu nunca iria pensar uma coisa dessas de ti. - respondo tentando animá-la. - Somos humanos, carregamos dentro de nós medos que não conseguimos entender nem controlar.
- Eu sei, mas eu sou uma feiticeira, ora bolas! eu fui treinada desde pequena para controlar os meus medos, para me manter calma quando tudo à minha volta se desmorona. - diz ela fitando-me com os seus olhos verde esmeralda. - Eu falhei, meu Cavaleiro, eu falhei!!
Páro e envolvo-a nos meus braços beijando a sua testa.
- Não sejas tão dura contigo mesma, tu não falhaste, tu salvaste-nos. Por mais poderosa que sejas, por mais disciplina que tenhas, tu nunca vais deixar de ser humana, vais ter sempre que conviver com as fraquezas que acompanham a nossa espécie.
Uma lágrima escapa-se dos seus olhos escorrendo pelo seu belo rosto.
- Eu sei, eu sei... - diz ela pousando a sua cabeça sobre o meu ombro. - Mas a imagem e o medo de te ver morto deixou-me desesperada e descontrolada... Pregaste-me um grande susto ainda agora, sabias? Ao ver-te inconsciente daquela maneira e durante tanto tempo, ai, tive tanto...
Coloco ternamente um dedo sobre os seu lábios impedindo-a de terminar a frase.
- Shh, não digas mais nada. - sorrio passando a mão sobre o seu cabelo. - Continuas precisamente na mesma, sempre preocupada comigo e a pensar no pior.
- Não consigo evitar, tu és como um irmão mais novo para mim, sinto uma profunda necessidade de te proteger. - diz ela sorrindo. - Acho que já é hábito, quando éramos mais novos estava sempre pronta para te salvar dos sarilhos em que te metias.
- Ai sim? - respondo eu surpreendido. - Mas se eu bem me lembro quem andava sempre metida em sarilhos eras tu...
- Detalhes, detalhes!! - diz ela rindo e abraçando-me com força. - Eu adoro-te, meu Cavaleiro, promete-me que nunca mais nos vamos separar.
- Eu prometo! - digo sorrindo e abraçando-a com a mesma intensidade.
- Por Lukthar! - interrompe Lara aparecendo subitamente. - Mas vocês humanos além de serem uns medricas passam a vida aos abraços e aos beijinhos?
- O que se passa, Lara, estás com ciúmes?
- Se calhar ela também quer um beijinho e um abraço. - diz Diana picando-a.
- Agora não, quem sabe mais logo, mas aí vou querer bem mais do que um simples beijo ou abraço de ambos. - diz ela sorrindo maliciosamente. - Mas de momento temos um prémio para resgatar, por isso menos lamechice e mais acção!

A escuridão vai desaparecendo lentamente e o corredor vai-se tornando cada vez mais luminoso. Chegamos por fim a uma pesada e impressionante porta de ferro, o seu aspecto é simplesmente assustador, caveiras esculpidas no metal parecem gritar num sofrimento eterno, enormes espigões avermelhados apontam na nossa direcção mostrando orgulhosamente o sangue seco que os cobre.
- Chegámos finalmente! - exclama Lara eufórica. - Agora só temos que encontrar uma maneira de abrir isto.
- O papiro o que é que diz? - pergunto mirando com desdém a aparência da porta.
- Nada, desde as sete portas que estamos a caminhar em terreno desconhecido. - diz Diana.
- Vocês já repararam nesta estátua? Parece um dragão... - diz Léon aproximando-se dela para a ver melhor.
- Um dragão!? - exclamamos os três em uníssono guiando o olhar para o local onde Léon se encontra.
- Deditos, se eu fosse a ti recuava muito lentamente.
O ladrão vira-se para a demónio irritado.
- Lara, pela milésima vez peço-te que não me voltes a tratar assim. Além do mais, porque é que deveria recuar, esta estátua pode ser a chave que procuramos.
- Pois pode... Mas já viste alguma estátua respirar, Léon? - diz a feiticeira calmamente.
- Respirar? Claro que não, as estátuas não respiram, apenas as criaturas vivas o faz... - O ladrão apercebe-se então de que a "estátua" o fita com olhos de poucos amigos e segue o conselho da demónio começando a recuar muito lentamente.
O dragão abre a sua enorme boca e solta um urro assustador propagando saliva e baba em todas as direcções.
- Esta porta está guardada por mim, criaturas inferiores, e se querem o que está lá dentro terão de me provar que são dignos.
- Bolas, mas será que aguentar este fedor e levar com um banho de baba não é razão suficiente? - murmura Lara limpando o rosto.
- Tento na língua, demónio, ou o próximo odor que irás sentir será o do meu estômago. - rosna o dragão cinzento. - Como disse, terão de me provar que são di... O que se passa humano, será que nunca viste um dragão antes?
O dragão olha para mim com curiosidade e eu não consigo deixar de pensar que já o vi em qualquer lado, a ele e a mais alguém.
- Beremid, és tu? - pergunto sem saber de onde me surgiu o nome.

Medos

Um espesso manto negro abate-se sobre nós à medida que nos embrenhamos cada vez mais pelo novo corredor, a luz das nossas tochas vai-se esmorecendo, sugada pelas trevas esfaimadas, até desaparecer por completo e lançar-nos na mais sombria escuridão. Tentamos a todo o custo reacender as nossas lanternas, mas nem uma faísca conseguimos produzir, as sombras parecem ser donas e senhoras deste local impedindo a formação da mais pequena porção de luz. As trevas começam então lentamente a mexer na nossa mente, o silêncio absoluto e o medo primário da ausência de luz forçam-nos a imaginar sons, barulhos estranhos e a ver coisas que simplesmente não existem. Tento lutar contra este temor irracional, mas é mais forte que eu, o instinto de sobrevivência obriga-me a levar a mão à espada e defender-me dos "perigos" que me cercam. Imagens e sons de monstros horrendos, de demónios sanguinários e outras criaturas, que a minha mente fértil insiste criar em questões de segundos, fitam-me por entre a escuridão, esperando apenas o momento certo para me atacar. Subitamente uns olhos dourados emergem das sombras e avançam na minha direcção, com um movimento rápido desembainho a minha espada e preparo-me para os atacar, um grito de uma mulher ecoa então pelo ar e uma forte luz branca afugenta as trevas que nos cercam.
Estremeço ao ver o rosto de Lara diante de mim, a lâmina da minha espada parou a escassos milimetros do seu pescoço.
- É melhor guardares isso, Cav, ou ainda magoas alguém. - diz ela esboçando um sorriso mas não conseguindo esconder a profunda surpresa estampada no seu olhar.
- Eu... Desculpa-me... Eu não queria...
- Eu sei, não precisas de pedir desculpa.
Sorrio para ela e olho em volta, ao que parece não fui o único a sucumbir ao medo do escuro, Léon encontra-se a poucos metros de mim olhando igualmente em volta sem saber o que lhe aconteceu, e Diana jaz no chão cercada de uma luz branca muito intensa murmurando palavras incompreensíveis e limpando os olhos mergulhados em lágrimas.
- Humanos... - comenta a demónio abanando a cabeça e sorrindo desdenhosamente ao ver-nos assim.

sábado, dezembro 16, 2006

Um Sonho?

A misteriosa mulher senta-se à minha frente fitando-me com os seus olhos curiosos, os seus lábios comprimem-se sedutoramente soprando sobre a fumegante caneca de chocolate quente que segura com ambas as mãos. Observo-a encantado sem saber o que dizer ou fazer preso àquele olhar tão doce e terno e no entanto tão misterioso.
- O que se passa - pergunta ela cortando o silêncio. - não estás com vontade de provar o chocolate que te ofereci?
As suas palavras despertam-me do seu encantamento fascinante e dou-me conta que o calor da caneca que seguro com ambas as mãos se começa a tornar insuportável.
- S-sim... Eu... Desculpa. - gaguejo atrapalhadamente. - Mas estou simplesmente encantado e fascinado com tudo o que me mostraste. Este teu castelo é... único...
- Sim... - responde ela com um sorriso. - Foi feito com amor e carinho, isso torna-o muito especial e único. Mas coloquemos o meu castelo de lado, fala-me de ti, há tanto tempo que não tenho uma visita.
- Mas como é isso possível, este lugar é extraordinário e tu és uma mulher fantástica, como podes viver assim em quase total isolamento?
- Uma mulher fantástica? Como podes afirmar uma coisa dessas se só me conheces há poucas horas? - pergunta ela pousando a caneca na mesa e tentando esconder um ligeiro rubor.
- Pelo teu olhar e pelo teu sorriso. E, desculpa por te dizer isto, mas quanto mais tempo estou contigo, mais me vem à cabeça a ideia de que te conheço de alguma forma.
- Deve ser impressão tua, guerreiro, nós nunca nos cruzámos antes...
- Eu sei... Esquece, não ligues ao que digo, deve ser da excelente hospitalidade a que estou a ser sujeito. - digo piscando-lhe o olho e provando um pouco da sua bebida. - Sou apenas um homem que gosta de viajar e viver aventuras, ajudar e conhecer pessoas novas e interessantes.
- E o que te traz aqui, alguma aventura?
- Sim... Eu, a Lara, a Diana e um outro chamado León estávamos à procura de uma câmara que supostamente guarda um conhecimento fabuloso, todo o conhecimento de uma raça chamada Ploensis.
- E para que queres tu tal conhecimento, segundo as lendas, ele é deveras poderoso e mortal, queres tornar-te senhor do Mundo? - pergunta ela enterrando o seu olhar no meu esperando impacientemente pela resposta.
Solto uma gargalhada ao ouvir tal pergunta.
- Eu, senhor do Mundo? Pelos Deuses, claro que não!! Eu já fui um senador da República e acredita, a política não é para mim, demasiada burocracia. Eu quero é viver a vida, um dia de cada vez e quem sabe viver um ou dois sonhos.
- Poderei saber com que sonhas?
- Com o amor, amar e ser amado... Por uns tempos esse sonho concretizou-se, mas depois... Depois o sonho tornou-se um pesadelo, perdi-a, perdi-me... Mas o sonho, esse, ainda se mantém, mais forte que nunca. - Volto a beber um golo do delicioso chocolate e evito o seu olhar.
- Desculpa, eu não sabia que estas minhas perguntas te fariam relembrar coisas tão dolorosas.
- Não faz mal...
- Faz sim. - ela levanta-se e pega-me pelo braço. - Anda, quero mostrar-te o meu sítio favorito, aquele para onde vou quando estou em baixo.
- Mas...
- Não há mas, nem meio mas, tu vens comigo, Cavaleiro sonhador! - diz ela com um sorriso tão doce e terno que não sou capaz de recusar. A guerreira conduz-me por várias salas e salões, por vários lances de escada até que se detém por fim diante de uma porta de madeira. - Vou pedir-te que feches os olhos, quero que fiques surpreendido quando os abrires. Confias em mim?
- Sim!
- Ainda bem. Dá-me a tua mão. - fecho os olhos e ouço a porta a abrir-se muito lentamente, logo de seguida sinto-me a ser conduzido para uma sala cujo o ar leve e fresco me dá a impressão de estar a levitar. - Podes abrir os olhos. - diz ela.
Abro-os lentamente e o cenário que se revela diante de mim faz-me estremecer e por pouco não caio no chão, tal é a fraqueza que sinto nas pernas. Encontro-me na varanda da torre mais alta do castelo, à minha frente parecem estar concentrados todos os planetas e estrelas do Universo, as constelações que tanto fazem sonhar e os cometas que viajam através do espaço sideral indiferentes ao olhar de criaturas tão pequenas e insignificantes.
- Pelos Deuses, eu só posso estar a sonhar. Eu adoro olhar para o céu de noite, de contemplar as estrelas ao longe, mas vê-las assim de tão perto são ainda mais espectaculares e mágicas do que me atrevia a imaginar...
- São sim, este cenário tão belo deixa-me sempre maravilhada e encantada.
- Sim... Compreendo-te perfeitamente...
- Cavaleiro?
- Sim?
- Ainda agora, quando me disseste que tinhas a sensação de que me conhecias de qualquer lado o meu coração disparou, a verdade é que eu também senti o mesmo.
- Sentiste?
- Sim... Por isso é que te quis mostrar este meu pequeno reino privado. Eu sinto que posso confiar em ti, sinto que já estive contigo há muito tempo...
- E no entanto nunca nos vimos antes. Como pode ser isto possível? - pergunto afagando carinhosamente o seu cabelo.
- Não sei, sinceramente não sei... - responde ela colocando os seus braços à volta do meu pescoço e aproximando os seus lábios dos meus. - Tudo o que sei é que desde que te vi que te quero fazer isto...
Diante daquela visão extraordinária trocamos um forte e demorado beijo.
- Que loucura, eu nem sei como te chamas, guerreira misteriosa.
- Não seja por isso, bravo guerreiro, o meu nome é Elia... - um grito indistinto vindo de não sei de onde impede-me de ouvir o seu nome.
- Não percebi, guerreira, repete-mo. - peço imerso num encantamento profundo.
- Elia...
- Cav!!! - volto a ouvir gritar.
- C-como?
- CAV, ACORDA!!!!
Os gritos vão se tornando mais intensos e distintos e tudo à minha volta se começa a desfazer. A guerreira tenta segurar-me, manter-me perto de si, mas uma força maior puxa-me não sei para onde, estendo o braço tentando tocar-lhe, mas ela já está longe, fora do meu alcance. As imagens vão-se desmoronando uma a uma e a última coisa que vejo são os seus olhos grandes e curiosos agora tristes e saudosos por me perder uma vez mais...

- Cav!! Cav!!! - grita a voz. Sinto uma dor aguda no rosto e depois vejo os olhos dourados de Lara diante de mim. - Humano estúpido! O que te deu para desmaiares dessa maneira?
- Desmaiei? - pergunto confuso.
- Sim, seu idiota. - continua a demónio. - Ia ficando rouca de tanto chamar por ti.
- Rouca e com a mão dorida com tantas estaladas que lhe deste. - diz Diana sorrindo.
- Está calada, feiticeira! - rosna a demónio. - O que é que te aconteceu, parvalhão?
- N-não sei... Não me lembro... - respondo confuso. - Mas obrigado por estares tão preocupada comigo. - A demónio volta a dar-me uma estalada no meu rosto já dorido. - Hey, para que é que foi isso?
- Ainda estás a dizer parvoíces, por isso foi para te acordar de vez!! - responde ela levantando-se.

sábado, dezembro 09, 2006

O Castelo nas Nuvens

O dragão ajoelha-se na erva alta permitindo à mulher que desmonte com suavidade, no olhar de ambos está estampado um profundo respeito e carinho como se uma forte amizade e amor os unisse. A guerreira deixa-se ficar perto do seu companheiro afagando o seu dorso e observando-me com viva curiosidade e atenção.
- Posso saber como vieste parar aos jardins do meu castelo, guerreiro? Neste pequeno espaço a que tenho orgulho de chamar meu, só entra quem eu quero, e se a memória não me falha, não te enviei nenhum convite...
- Peço desculpa se invadi os teus jardins, não foi por minha culpa, foi uma porta mágica que me guiou até aqui, a mim e aos meus companheiros.
- Companheiros? - pergunta o dragão na sua voz forte e poderosa. - A que companheiros te referes, humano?
- Refiro-me a mais três parceiros de viagem, dragão, uma feiticeira de nome Diana, um ladrão de nome Léon e um demónio de nome Lara.
- Um demónio!? - exclama a mulher levando a mão a uma espada até então oculta. - Pelo teu ar e pelo teu olhar imaginava-te um guerreiro do bem e da justiça, não um mercenário das hostes infernais. - O dragão imita o gesto da sua parceira colocando-se em posição de combate e abrindo a boca mostrando os seus dentes enormes.
Como que por instinto, Aragoth activa-se cobrindo todo o meu corpo com uma armadura mágica preparada para me defender do perigo.
- Eu já pensei como tu, guerreira, mas depois conheci a Lara e tudo aquilo que eu pensava conhecer sobre os demónios se desfez em pó. Baseias os teus conhecimentos em preconceitos e em meras superstições, nem todos os demónios são maus e nem todos os anjos são bons. - respondo levando por precaução a mão à espada.
- Mesmo assim, um demónio é sempre um demónio. - responde ela teimosa.
- E um dragão é sempre um dragão. - respondo encarando sem medo o olhar da besta. - Sou um Cavaleiro que já viu e passou por muita coisa, a verdade é que nem tudo é o que parece, o medo do desconhecido faz-nos temer as coisas, por vezes sem razão. - desembainho lentamente a espada e atiro-a para o chão. - Sou amigo e amante de uma demónio, sim, e não me arrependo disso! mas se na tua óptica a minha mera amizade para com ela me transforma num ser desprezível e odioso, então tenho pena de ti, pois és pobre de espírito e um poço de preconceitos.
A mulher olha para mim incrédula e depois sorri com doçura.
- És um homem corajoso, guerreiro, e ao que parece um sonhador inveterado, como eu... Peço desculpa se te ofendi de algum modo, mas nos tempos que correm todo o cuidado é pouco. És bem-vindo ao meu jardim e ao meu castelo, por favor segue-me, és meu convidado. - a guerreira volta a montar o seu dragão e no céu um castelo suspenso sobre uma gigantesca e fofa nuvem branca, aparece como que por magia.
- Espera! E os meus amigos, onde estão eles? - pergunto.
- Sinceramente não te posso responder a isso, bravo guerreiro, pois apenas tu apareceste no meu jardim. Confia em mim e segue-me, talvez as respostas que procures estejam mesmo à tua frente.
Monto no dorso do enorme dragão cinzento abraçando firmemente a cintura daquela misteriosa guerreira para não cair. O solo afasta-se rapidamente e um vento frio bate-me no rosto transportando consigo o delicioso aroma da pele suave desta mulher enigmática, fecho os olhos e por momentos esqueço-me da minha missão e do destino dos meus companheiros, em especial do da Lara, e simplesmente deixo-me guiar pela mão invisível da Fortuna.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

A Câmara do Conhecimento (3ª Parte)

As portas levitam levemente soltando suaves faíscas de pura luz branca, tentamos em cada uma delas encontrar uma pista que nos indique o caminho correcto, mas tal não é possível, entre este lado e o outro encontra-se um véu de luz brilhante que nos impede de ver e ouvir o que se encontra do outro lado. Apenas nos restam as inscrições, sete pequenas frases que espalham ainda mais a confusão e a indecisão.
- Ora bem, estamos aqui há horas e ainda não chegámos a uma conclusão, qual é para vocês o caminho correcto? - pergunta uma vez mais Diana cansada de tanto ler e reler as frases.
- Outra vez essa pergunta, feiticeira? Cada um de nós tem uma interpretação diferente, por isso acabamos sempre por escolher portas diferentes. - responde Lara sem paciência.
- Eu sei, Lara, eu sei, mas temos que escolher uma, por isso esta é a pergunta mais lógica, qual delas?
- Não é a única pergunta lógica. - respondo. - Se estamos com dificuldades em escolher a verdadeira podemos ao menos marcar desde já as erradas, isto simplificaria um pouco mais as coisas, não concordam?
- Sim, simplificaria e muito. - responde a feiticeira com um sorriso. - Podemos então concluir sem sombra de dúvida que a segunda porta é falsa, certo?
- Certo! - respondemos os três em uníssono.
- Óptimo, uma já está, faltam seis.
- Por essa ordem de ideias a sexta porta também é falsa, concordam? - pergunta Lara.
- Sim! - voltamos a responder em uníssono.
- A primeira e a quarta não me cheiram, soam-me a armadilhas. - afirma Léon.
- Sim, especialmente essa do sorriso e da voz, parece uma conversa daquelas criaturas que atraiem os viajantes para uma morte horrorosa. - diz a demónio.
- Muito bem, outras duas eliminadas. - digo sorrindo. - Agora só faltam três... Esta do Midas é tentadora, mas estamos à procura de conhecimento e não de ouro, por isso não é lógico seguir por aqui.
- Mas nós não sabemos o que podemos encontrar, até pode haver bastante ouro guardado. - diz rapidamente Léon com um brilho no olhar.
- Pode haver, mas concordo com o Cav, não é de ouro que estamos à procura, por isso para mim a porta é falsa. - argumenta Diana.
- Detesto dizer isto, mas eles têm razão, Léon, não viemos atrás de ouro, viemos atrás de algo bem mais poderoso e influente. - responde Lara. - Além disso, esta última parte cheira-me a armadilha, eu também acho q a porta é falsa.
- Mas...
- São três votos contra um, a terceira porta foi descartada, meu caro. - corta a feiticeira.
- Já viram, só nos faltam duas! - exclama Lara confiante. - Hm... Para mim a verdadeira é a sétima.
- Tem alguma lógica, o que é que está sempre connosco, não é a aprendizagem, o conhecimento, a experiência que vamos adquirindo desde o nascimento até à morte? - responde Diana.
- Sim, é de facto uma inscrição tentadora, mas soa-me a algo bem diferente. - opina Léon.
- Também acho, vendo por outro prisma esta companheira ideal parece ser a Morte... - respondo.
- Mas a outra porta fala em pesadelos, n...
- Mas também fala em sonhos, Lara, e o conhecimento não pode ser uma faca de dois gumes, um sonho e um pesadelo? - respondo.
- Talvez, mas...
- "... ou de nada ficarás ciente...", para mim é a porta verdadeira.
- Mas...
- Começo a concordar com o Cavaleiro, Lara, a quinta porta parece ser a verdadeira.
A demónio olha para cada um de nós visivelmente irritada por ser contrariada, mas acaba por se render às evidências.
- Está bem, eu aceito as vossas opiniões, a verdadeira é a porta nº 5, mas pelo sim pelo não mandamos o Léon primeiro, se lhe acontecer alguma coisa seguimos pela "minha" porta. - diz ela olhando para o ladrão com um sorriso malicioso.

O cheiro desagradável dos esgotos e o irritante zumbido das portas dão lugar a um aroma perfumado de flores do campo e ao som de água a cair. Diante de mim encontra-se um belo jardim salpicado de flores e árvores esplendorosas que emanam cheiros e odores vários, todos eles maravilhosos; uma magnífica cascata de águas cristalinas parece gritar de vida mesmo ali ao lado, dando origem a um pequeno lago soberbo e cheio de vida.
- Pelos Deuses, estarei eu no paraíso?! - exclamo ante este cenário divino.
- Claro que não, guerreiro, estás no "meu" jardim!
Viro-me na direcção da voz e encontro uma bela mulher de olhos grandes e curiosos envergando um vestido vermelho e montando um enorme dragão cinzento.

segunda-feira, novembro 27, 2006

A Câmara do Conhecimento (2ª Parte)

A sete portas mágicas parecem flutuar em pleno ar libertando uma luz branca muito viva, delas emana um leve zumbido e uma ténue vibração que faz ondular as águas estagnadas e extremamente poluídas dos esgotos. A surpresa está estampada nos rostos de cada um de nós, isto não devia ter acontecido, segundo o pergaminho apenas uma porta se devia ter aberto, a porta que conduziria ao conhecimento supremo.
- Sete portas?! Mas que brincadeira vem a ser esta!? Diana, mas o que é que tu fizeste? - pergunta Lara incrédula.
- Eu limitei-me a seguir as palavras mágicas como ensaiamos ontem, demónio, não me venhas atirar as culpas. - defende-se a feiticeira.
- Alguém tem que ser reponsável por isto, se não foste tu então quem foi? - pergunta Lara olhando desconfiadamente para Léon.
- Hey, não me venhas pôr as culpas em mim, miúda, não tenho nada a ver com isto, vocês é que percebem destas coisas, não eu. - apressa-se Léon a justificar.
A demónio rosna irritada olhando para cada uma das portas sem saber qual escolher.
- É melhor acalmares-te, Lara, de cabeça quente não vamos a lado nenhum. - digo serenamente. - Aliás, eu nem sei qual é o vosso espanto, eu estava a achar isto tudo muito fácil, para mim até é uma sorte que esses tais Ploensis não tenham posto um desafio mais perigoso.
- O que queres dizer com isso? - pergunta a demónio fixando o seu olhar dourado em mim.
- Tu achas que eles iriam deixar qualquer um ter acesso aos seus conhecimentos, às suas magias, aos seus segredos, sem ter que provar que se é merecedor? Sabes tão bem quanto eu que uma raça tão orgulhosa, como tu dizes que eles eram, teriam que colocar vários testes e puzzles.
- Tens razão, tens toda a razão. - diz Diana pensativamente. - Para cada teste tem de haver uma solução, mas onde estará ela, perdida nalgum outro pergaminho longe daqui?
- Pode estar no nosso pergaminho, talvez escondida por alguma magia poderosa. - opina Léon.
- Ou talvez aqui mesmo. - diz Lara com um sorriso nos lábios. - Lembras-te de quando ficámos presos naquele templo maldito rodeados de mortos vivos que saíam do chão? A chave estava no tecto, logo a resposta pode estar também por aqui.
Avivados por esta nova hipótese começamos a procurar nas paredes e no tecto por inscrições ou pistas que nos possam ajudar a formular uma solução, o que encontramos deixa-nos ainda mais perplexos. Ao lado de cada porta existe uma pequena frase, uma frase que supostamente traduz o que iremos encontrar, eis as incrições:

1ª Porta: Terras de Fogo, Terras de Mar, a verdade é que nunca ninguém sabe onde irá parar...
2ª Porta: Um passo para a frente, Um passo para trás, por mais que se tente daqui nunca mais sairás...
3ª Porta: Ouro queres, Ouro terás, mas não sejas muito avarento ou como Midas acabarás...
4ª Porta: A voz é doce e o Sorriso é quente, Segue-me e encontrarás um belo presente...
5ª Porta: Sonhos e Pesadelos estão mesmo à tua frente, sê célere a decidir ou de nada ficarás ciente...
6ª Porta: A Vida é uma flor, tens de a tratar com Amor, pois se a desprezas por caminhos tortuosos te enveredas...
7ª Porta: Estou contigo quando nasces, estou contigo quando cresces e envelheces, estou contigo no principio e estou contigo no final, admite, eu sou a tua companheira ideal...

- Pelos Deuses, ainda estou mais confusa que antes. - diz Lara olhando para as incrições. - E agora, qual delas indica o caminho correcto?

sexta-feira, novembro 24, 2006

A Câmara do Conhecimento (1ª Parte)

O saboroso aroma de bolinhos e café acabadinhos de fazer invade o quarto despertando-me do meu sono leve e revigorante; uma voz doce e melodiosa propaga-se pelo ar entoando uma canção élfica muito antiga e bela anunciando a aurora que está prestes a nascer. Lara ainda dorme profundamente, o seu sorriso de satisfação reflecte o prazer de uma noite exaustiva em que a loucura e o desejo se fundiram num só sentimento e nos levaram, quase literalmente, ao paraíso. Beijo-lhe a testa e levanto-me seguindo o delicioso aroma e o som encantador.
- Não mudaste nada, Diana, ainda continuas com o velho hábito de te levantares cedinho e fazeres o pequeno almoço. - digo sorrindo observando a feiticeira que segura uma travessa de bolinhos de côco ainda quentes.
- Posso ter muitos defeitos, meu Cavaleiro, mas ainda me lembro de receber bem os meus convidados e hóspedes. - responde ela limpando as mãos no seu avental amarelo. - Vem sentar-te e provar os meus bolinhos antes que comeces aí a salivar.
Sentamo-nos em frente um do outro degustando os biscoitos e o delicioso café exótico.
- Dormiste bem, minha feiticeira?
- Podia ter dormido melhor se não fossem os gemidos e os gritos do quarto ao lado. - responde ela calmamente sorvendo a sua bebida e observando a minha reacção.
A sua resposta apanha-me completamente de surpresa e engasgo-me com o café.
- Pois... Eu peço desculpa... - digo aflito atropelando-me nas palavras.
- Não há problema, ao menos há alguém que tem um pouco de acção nesta casa. - continua ela calmamente com os seus olhos verdes esmeralda fixos em mim.
- Sua safada, tu estás a adorar ver-me assim, não estás?
- Claro que estou, lembra-me os nossos tempos de juventude, em que eu te apanhava ou em que tu me apanhavas fazendo o que não devíamos. - responde ela com um sorriso pousando a chávena.
- Bons velhos tempos, não tínhamos preocupações nem responsabilidades... - digo bebendo mais um pouco do meu café.
- Sim... Olha lá, que história era aquela de me quererem levar para a cama? - pergunta ela com o seu tom de voz calmo e pausado voltando a fixar os seus olhos em mim.
Engasgo-me de novo derramando o que resta do café sobre a toalha.
- Bolas, mas tu hoje queres matar-me!? - exclamo aflito e muito corado. - Estavas a ouvir-nos!?
- Eu sou uma feiticeira, meu Cavaleiro, eu sei de tudo o que se passa aqui dentro da minha casa, tudo! - Diana volta a esboçar o seu sorriso de satisfação e de triunfo por me ter deixado completamente envergonhado como fazia quando éramos mais novos.
- Tu não és uma feiticeira, tu és é uma grande pervertida e uma voyeur!
- Olha quem fala! - diz ela rindo. - Mas está bem, eu páro, acho q já te embaracei o suficiente por hoje.
- Porque é que eu tenho o pressentimento que isso não é verdade? - respondo sorrindo.
- Parece q vais ter simplesmente que confiar em mim...

Um cheiro a podre invade as minhas narinas assim que a tampa da sarjeta é aberta, esta é, infelizmente, a única maneira de chegar à câmara onde todo o conhecimento dos Ploensis está armazenado.
- As coisas que somos obrigados a fazer para alcançar o conhecimento supremo... - comenta Diana tapando o nariz e iniciando a sua descida.
Os corredores escuros e sujos parecem estender-se por quilómetros sem fim como um labirinto traiçoeiro, os ratos e as serpentes fogem de nós assim que a luz das tochas e o brilho do bastão de Diana os ilumina; Lara segue na frente, lendo o mapa, seguida de muito perto por Léon, a feiticeira e eu seguimos um pouco mais atrás procurando acompanhar o passo ligeiro da assassina e do ladrão. Chegamos finalmente ao local indicado, uma encruzilhada de túneis que se prolongam pelas trevas adentro como se fossem gargantas de um monstro de várias cabeças.
- Segundo o mapa estamos no sítio certo. - afirma Lara com um sorriso no rosto. - Agora só temos que usar o artefacto e uma porta abrir-se-á para nós.
Diana avança para o centro segurando firmemente o objecto na sua mão direita, na noite anterior ela e Lara ensaiaram as palavras mágicas que o iriam activar, palavras essas que embora uma criatura de pura magia, como um demónio, compreendesse perfeitamente não as podia entoar, só alguém que tivesse domado a arte arcana.
As palavras são então ditas em alto e bom som, mas nada parece acontecer, Diana volta a repeti-las, mas sem sucesso, algo não está a funcionar.
- Cav, tu disseste-me que ela era uma boa feiticeira, isto deveria funcionar. - comenta a demónio impaciente.
- Eu SOU uma boa feiticeira, demónio, não é por minha culpa que o objecto não esteja a funcionar, se calhar foste tu que nos trouxeste para o sítio errado! - responde a feiticeira num tom imperial.
Lara prepara-se para responder, mas subitamente o artefacto solta um brilho estranho e começa a levitar libertando-se da mão da feiticeira, o chão estremece com uma vibração constante e um zumbido estridente vindo de não se sabe de onde ecoa pelo ar. Todos os olhos se fixam no objecto esperando pela abertura da porta, mas para grande supresa de todos, 7 portas abrem-se nas desembocaduras dos corredores.
- E agora? - pergunto. - Por qual delas devemos seguir?

quinta-feira, novembro 23, 2006

Anjos e Demónios

Lara deixa-se cair sobre mim exausta soltando os últimos gemidos de um orgasmo louco e carregado de desejo; os seus longos cabelos pretos cobrem o meu rosto e a sua boca insaciável beija e mordisca o meu peito sorvendo as gotículas de suor que escorrem sobre a minha pele; a sua cauda agita-se levemente como se pedisse por mais, os seus dedos brincam com o meu pêlo e os seus olhos dourados fixam-se nos meus brilhando com a chama do desejo. Eu apenas sorrio, um sorriso de puro deleite e satisfação.
- Hm, se eu soubesse que o mero facto de passarmos a noite no quarto de hóspedes da Diana te deixaria assim tão louca, teria feito as pazes com ela logo que chegámos à cidade.
- Não há dúvida que a feiticeira mexe comigo, será que não podias colocar a vossa amizade de lado e convidá-la para a nossa cama, como fizemos tantas vezes com a Lilian? - diz ela com uma voz sedutora e irresistível.
- Tu e a Diana juntas na mesma cama, hm, isso parece-me uma combinação explosiva, minha diabinha, mas muito, muito excitante.
- Sim, dá para notar que gostas da ideia. - responde ela com um sorriso olhando para o meu sexo que se animou ante esta fantasia. - Temos mesmo que a pôr em prática. - a demónio volta a beijar-me e a sua mão escorrega pela minha cintura abaixo.
- Por onde achas que anda a Lilian? - pergunto subitamente.
- A Lilian!? Não sei, nem me interessa, meu querido, ela abandonou-te quando mais precisaste, porque é que ainda pensas nela?
- Gostava de a ter visto como anjo, aposto que deve estar fantástica.
- Está sim, mas se queres que te diga, eu preferia a Lilian feiticeira, sempre era mais humilde e prestável.
- Qual a razão desse ódio entre anjos e demónios? Porque é que não convivem em paz?
- Queres falar sobre isso agora!? Logo agora!? Não podias ter escolhido um momento mais oportuno para termos essa conversa? - a demónio solta um suspiro e deixa-se cair de costas sobre o colchão macio. - Está bem, eu conto-te... Como já te disse anteriormente, os anjos e os demónios são duas faces de uma mesma moeda, mas nunca te expliquei o porquê. Existe uma lenda muito antiga, uma lenda que remonta aos primórdios do Universo, uma era em que raças poderosas viajavam livremente pelos planetas, criando vida ou extinguindo-a. Hoje em dia podemos chamar a essas entidades de Deuses, mas se virmos bem, os Deuses actuais são meros aprendizes quando comparados com tais criaturas... Enfim, passando à frente, um desses Deuses, uma entidade chamada Kuan, conseguiu reunir em si um poder fenomenal, um poder que lhe dava a autoridade de tornar os seus pares em seus servos. Este era um conceito completamente novo, nunca ninguém conseguira armazenar tal poder e influência, todos eram iguais, não havia nem mais nem menos, aquilo que era a neutralidade perfeita deixou de o ser e a sociedade entrou em declínio.
Kuan conseguira o que queria, o poder sem limites, mas o preço a pagar foi alto demais, a sua arrogância e a sua ambição conduziram à desgraça e à extinção da sua raça. Chegou então a altura em que ele ficou só, não havia mais ninguém para conversar, alguém para mandar, alguém para rebaixar, é aqui que as lendas mudam e divergem, umas dizem que ele enlouqueceu, outras dizem que atingiu um estado de pura perfeição, outras chegam a referir ambas as opções, a verdade ninguém sabe, tudo o que se sabe é que após a extinção do seu povo algo aconteceu, algo que o levou até ao lugar mais sagrado de todos, A Fonte da Magia, e aí o seu corpo transformou-se em luz e dividiu-se em dois, de um lado formou-se o primeiro anjo, do outro o primeiro demónio.
- Mas porque é que se odeiam tanto? - pergunto afagando o cabelo de Lara.
- Porque ambos herdámos a arrogância e a ambição de Kuan e isso leva-nos a acreditar que aquele que vencer o conflito é sua verdadeira essência. Por isso não usamos escrúpulos, apoiamo-nos em raças inferiores para combater por nós, raças que se deixam iludir pelas nossas palavras e promessas, especialmente as dos anjos, porque nós demónios não precisamos de falinhas mansas, as nossas atitudes falam por si.
- Sabes, minha diabinha, tens jeito para contar histórias.
- Pois tenho, mas eu prefiro ter jeito para outra coisa, meu querido. - a demónio sorri maliciosamente e acaricia o meu falo. - Ainda temos umas horitas até o Sol nascer, que tal aproveitarmos?
Não respondo, apenas lhe lanço um olhar provocador enquanto encaminho a minha língua em direcção ao seu sexo.

terça-feira, novembro 21, 2006

O Artefacto (2ª Parte)

Um bater insistente na porta da frente arranca a feiticeira de um sono profundo e estranho, sobre a mesa encontra-se um objecto pequeno e acastanhado cuja funcionalidade é-lhe desconhecida mas cujo poder é assustadoramente grande. O som de pancadas sucessivas e cada vez mais fortes levam Diana a erguer-se sonolenta e quase mecanicamente da cadeira e dirigir-se para a porta.
- Bolas, feiticeira, demoraste, estou aqui há quase 10 minutos a bater, o que é que estavas a fazer? - pergunta Lara assim que a porta se abre.
- L-Lara!? Mas o que é que fazes aqui, está tudo bem? - pergunta a feiticeira esfregando os olhos e olhando em redor procurando por mim.
- Está tudo óptimo! - responde a demónio entrando imediatamente aproveitando a passividade e a sonolência de Diana. - Mas ainda não me respondeste, o que é que estavas a fazer?
- A dormir, claro, o que é que tu querias que eu estivesse a fazer a uma hora destas? - diz ela fechando a porta e colocando-se apressadamente entre o hall e a sala de estar.
A demónio olha para a feiticeira de alto a baixo, esta enverga um fofo robe laranja e umas confortáveis pantufas da mesma cor, pelos contornos do tecido na sua pele Lara apercebe-se que Diana nada mais usa por debaixo e sorri sedutoramente.
- Não te faças de sonsa, Diana, sei muito bem que estiveste a estudar o artefacto que o Deditos te colocou no bolso.
A feiticeira cora mordiscando o lábio inferior e lançando um olhar de soslaio para a mesinha da sala.
- Eu estive a dormir, a sério.
- Eu não duvido, consigo ver a sonolência no teu olhar e nos teus movimentos, mas não te esqueças que sou um demónio, minha querida, uma criatura criada a partir da magia primordial, e eu consigo cheirar o poder do objecto em ti, consigo sentir o pulsar da sua energia e da sua força ali na mesa. - os olhos dourados da demónio fixam-se no objecto e um sorriso enigmático desenha-se nos seus lábios. - Ai Diana, aposto que nem imaginas aquilo que tens à tua frente.
- Tu sabes o que é? - os olhos verdes da feiticeira fixam-se igualmente no artefacto que parece subitamente ganhar um estranho brilho.
- Claro. Toma, lê isto e toma consciência da preciosidade que temos diante de nós. - diz Lara oferecendo o velho papiro à feiticeira.
- Sagrada Atena! M-mas isto é...
- ... o sonho de qualquer feiticeiro, minha querida. A chave e o mapa de todo o conhecimento dos Ploensis.
- E não só, Lara, há uma outra informação escondida neste documento.
- Que informação? - pergunta Lara surpreendida.
- Uma referência a um lugar que todos pensávamos ser uma lenda, A Fonte da Magia!
A demónio estremece e deixa-se cair pesadamente sobre a cadeira.
- O lugar onde tudo começou?
- Sim, o local onde a Vida foi criada!

- E-eu não estou a acreditar no que estou a ouvir, vocês devem estar a brincar comigo, só podem! - exclamo incrédulo bebendo um chá de camomila.
- E nós íamos brincar com uma coisa destas, meu querido? - diz Lara quase ronronando, abraçando-me por trás e mordiscando a minha orelha.
- Meu Cavaleiro, devias acreditar em nós, a Fonte existe e nós temos uma referência a ela. - diz a feiticeira sorrindo com o seu ar sedutor.
- Tudo bem, ela existe, mas ao menos sabem onde está? - pergunta Léon com um ar sério.
- Ainda não. - respondem ambas ao mesmo tempo. - Mas a localização deve estar guardada no lugar onde se encontra todo o conhecimento arcano dos Ploensis.
- "Deve" estar, vocês não sabem com toda a certeza. - continua o ladrão.
- Mesmo que não esteja, Léon, estamos prestes a fazer uma descoberta estrondosa. - respondo. - Já agora, já sabem como usar o artefacto, ou melhor, sabem onde o devem usar?
- Claro, meu querido, ao contrário de vocês machos, nós fêmeas colocamos toda a nossa energia no único cérebro que interessa.
- Ai sim, Lara? E o teu está situado onde, já agora, porque por vezes fico com a impressão que não está na tua cabeça.
A demónio sorri e beija o meu pescoço.
- Tu sabes onde está. - sussurra ela ao meu ouvido.
- Mas pegando na pergunta do Cavaleiro, onde é que se encontra guardado todo esse conhecimento? - pergunta Léon.
- Aqui na cidade, mais concretamente, debaixo da estátua de Aquileia e Éwon. - responde Diana com um sorriso.

quarta-feira, novembro 15, 2006

Interlúdio

Eu deveria estar radiante por me encontrar de novo junto dos meus, deveria sentir-me livre e invencível por ter novamente este poder divino a fervilhar nas minhas veias e a percorrer todo o meu corpo, deveria estar eufórica por carregar uma vez mais as minhas asas, as minhas belas e orgulhosas asas brancas... Mas não estou, não consigo estar, as imagens daquele dia ainda atormentam a minha mente, como pude ser tão insensível, tão egoísta? Aqui estou eu, uma pária entre os meus, isolada, envergonhada e enojada de mim própria... Será que alguma vez ele me irá perdoar? Será que EU alguma vez me irei perdoar? Claro que não, como me poderia perdoar depois de uma escolha tão egoísta, depois de um abandono tão injusto... E agora, por ironia, as minhas asas já não são o meu orgulho, a minha liberdade, tornaram-se numa prisão constante, num tormento sem palavras e num peso indescrítivel. Como estou arrependida, durante anos sonhei com elas e agora que as tenho considero-as uma maldição e uma tortura, uma lembrança constante do meu egoísmo e da minha arrogância...
Dizem que crescemos consoante as escolhas que fazemos, é bem verdade, parece que envelheci séculos nestas últimas semanas... Eu regressei a casa para tentar encontrar-me, para tentar encontrar algo que mitigasse a minha dor e justificasse a minha escolha, mas isto já nada me diz, eu já não pertenço aqui, já não me sinto bem. Está na hora de partir e traçar um novo rumo na minha vida, de cortar com o passado e escrever um novo futuro, mas para isso preciso de o ver pela última vez e enterrar a mágoa que me consome o peito, talvez assim possa finalmente erguer o rosto para o céu e sorrir gritando: "Lilian és livre de novo!!"

terça-feira, novembro 14, 2006

O Artefacto (1ª Parte)

A Lua brilha no céu espalhando a sua luz prateada sobre as ruas e vielas sombrias de Briseida. Um encantamento inquietante parece dominar a cidade lançando os seus habitantes numa letargia profunda e mergulhando a metrópole num silêncio assustador. Alheios a toda esta aura de sonolência e apatia três personagens envolvem-se num breve conflito num dos becos desertos deste local lendário.
- Muito bem, Deditos, é bom que tenhas uma boa explicação para nos estares a espiar ou garanto-te que quando acabar de tratar de ti mudarás o teu nome para, Léon OlhosRápidos. - diz a demónio ameaçadoramente atirando o pobre ladrão contra a parede.
- E-eu peço desculpa, está bem miúda? - gagueja ele massajando o maxilar dorido.
- Miúda!? Miúda!? - grita a demónio exaltada esbofeteando o desgraçado. - Tento na língua, ladrão, diriges-te a um ser superior e eu exijo-te respeito ou arranco-to à força.
Léon olha para mim na esperança que eu interceda a favor dele, mas as suas esperanças caiem por terra ao ver o meu olhar irritado.
- Não olhes para mim à espera de beneces, Léon, é melhor que comeces a inventar uma boa desculpa ou nem OlhosRápidos serás!
- Ok, ok, vocês também não me dão muitas hipóteses, né?
- Ora, ora, parece que afinal o pervertido sempre tem miolos. - a demónio olha para mim sorrindo. - Vá conta lá o que é te levou a espiar-nos.
- Primeiro que tudo eu não sou um pervertido, eu...
As suas palavras terminam abruptamente com outra estalada da demónio.
- Aconselho-te a ires directo ao assunto, já deu para ver que não estou de bom humor.
- Não só estou a ver, como também estou a sentir, miú... hm... demónio. - diz ele voltando a massajar o rosto que tomara um tom avermelhado. - Quando nos separámos tão repentinamente no porto fui forçado a deixar para trás, mais concretamente num dos bolsos da vossa companheira, um pequeno artefacto. Preciso de o resgatar, por isso espiava-os na esperança que me dessem uma pista sobre o seu paradeiro.
- Mas que tem esse artefacto de tão especial?
- Alguma vez ouviram falar de uma raça chamada Ploensis?
- Não...
- Mas eu sim! - responde Lara entusiasmada. - Esse artefacto pertence-lhes?
- Sim.
- Esperem lá, mas quem são esses plo-não-sei-quantos?
- Ploensis, meu querido, eram uma raça muito poderosa que deixou o nosso plano de existência. Eles já eram considerados Antigos quando Gaia e Terra eram apenas uma só, a sua habilidade na magia era de tal forma grande que um dos seus feitiços mais simples só pode ser lançado por feiticeiros experientes e poderosos com o risco da própria vida. Um simples artefacto deles pode valer milhões, é o sonho de qualquer praticante de magia. - os olhos de Lara brilham de excitação.
- Isso quer dizer que a Diana leva no bolso uma fortuna e nem o sabe?
- Olha que não sei, Cav, agora que penso bem, aquela desculpa do "estou muito cansada" foi um pouco forçada. Eu acho que ela nos quis despachar.
- Não me acredito nisso. - respondo lançando um ar de reprovação à demónio. - Mas já agora, o que faz aquele artefacto?
- Não sei, encontrei-o juntamente com este papel, mas está escrito numa língua que eu não conheço. - Léon retira de uma pequena bolsa de veludo um rolo de papiro já muito gasto e parcialmente consumido.
A demónio solta um gemido ao ver o selo ainda bem impresso numa das partes do manuscrito e automaticamente arranca-o das mãos do ladrão.
- O que foi? - pergunto ao ver um sorriso a desenhar-se nos seus lábios enquanto o lê.
- Cav, meu querido, saíu-nos a sorte grande!! - grita ela excitada dando-me um beijo e correndo em direcção à casa da feiticeira.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Criaturas da Noite

Diana, ainda surpreendida com a súbita aparição desta nova personagem, abre a boca para responder, mas uns gritos furiosos vindos da viela para onde ainda há pouco os três marinheiros irritados se dirigiam cortam-lhe a palavra.
- Ora bolas! - diz Léon apressadamente olhando para trás. - Lamento ter que me despedir assim tão depressa, bonitona, mas o amor à pele fala mais alto.
- Bonitona!? - repete a feiticeira.
- Eu nunca me esquecerei de um rosto tão belo e tenho a certeza que nos voltaremos a encontrar. - diz ele saltando do barril e sorrindo encantadoramente para ela. - Afinal de contas ainda não me disseste o teu nome. - ao terminar de dizer isto Léon puxa a feiticeira para si e dá-lhe um valente beijo na boca antes de se esgueirar rapidamente pelo cais e desaparecer nas sombras.
- Que tipo tão estranho e atrevido! - diz Diana ligeiramente irritada passando os dedos sobre os lábios.
- Sim, e aposto que aquele beijo deve ter sido detestável. - diz Lara sarcasticamente.
- Então não se nota que foi? Já viste como ela ficou "vermelha de raiva". - digo sorrindo.
- Vocês devem ter a mania que têm piada, não é? Pois eu não gostei nem um pouco, achei aquele "miúdo" insolente e muito atrevido e se porventura o voltar a ver e ele me tentar beijar de novo, eu juro que lhe lanço um feitiço. - a feiticeira olha para nós com cara de poucos amigos e com um brilho estranho no olhar.

- Obrigado pela tua ajuda hoje de manhã, minha amiga, sem ti nunca teríamos encontrado o nosso homem mistério, infelizmente as coisas não correram tão bem como esperávamos. - digo assim que chegamos a casa da feiticeira.
- É verdade, mas amanhã é outro dia e quem sabe se a Fortuna não nos sorri. Aliás, pressinto que algo vai acontecer a esta cidade e o facto de hoje termos visto Aquileia chorar é uma prova disso.
- Isso é apenas uma lenda, Diana, nada mais.
- As lendas têm sempre um fundo de verdade, meu Cavaleiro, por vezes para as entendermos não podemos pensar com o cérebro mas sim com o coração. - a feiticeira sorri e abre a porta de casa. - Convidar-vos-ia para tomar um chá, mas peço que me perdoem, é que estou muito cansada, preciso mesmo de descansar.
- Não há problema, Diana, foi um longo dia e todos nós merecemos um pouco de descanso. - sorrio para ela e beijo-lhe a testa. - Até amanhã e dorme bem.
- Até amanhã, feiticeira, e sonha com o deditos. - diz Lara sorrindo maliciosamente.
A feiticeira sorri e olha para mim.
- Não desistas do sonho, pois uma pessoa que não sonha, nada é nesta vida.
- Eu sei, Diana, eu sei.
A feiticeira fecha a porta deixando-nos sozinhos numa rua deserta.
- Sabes, bem que lhe podias ter perguntado se podíamos dormir aqui hoje, estou farta daquele cubículo a que chamas quarto. - começa Lara.
- Pois vais ter que te habituar, minha cornuda, a não ser que queiras dormir na rua.
- Se só tenho essas duas hipóteses então escolho a primeira, humano, mas exijo-te algo em troca.
- Claro e já estou mesmo a ver o que é.
- Serei assim tão óbvia?
- Muito! - digo beijando os seus lábios e encostando-a a um pequeno muro.
- Aqui? No meio da rua? - pergunta a demónio retribuindo os beijos e mordiscando o meu pescoço.
- E porque não? Os cidadãos desta cidade têm medo do escuro, por isso não seremos interrompidos. - as minhas mãos percorrem o seu corpo desapertando as fivelas da sua armadura de couro.
- Adoro quando ficas assim, humano, tens a certeza que não tens sangue de demónio a correr nessas veias? - diz ela arrancando-me a camisa e mordendo vorazmente o meu peito.
- Absoluta! - a minha resposta é abafada pelos gemidos de Lara que vai ficando cada vez mais fora de si.
- Espera! - a demónio pára subitamente, os seus olhos movem-se em todas as direcções procurando algo que parece não existir. - Não estamos sós, Cav, algo nos observa.
- Tens a certeza? - pergundo puxando as calças para cima.
- Achas que iria parar de fazer o que eu mais gosto se não tivesse a certeza, humano? - responde ela com um sorriso malandro. - Deixa-me apenas concentrar que eu já apanho o voyeur. - o seu olhar volta a mover-se em todas as direcções detendo-se de repente num canto escuro e sujo da rua. - Ali!
A demónio desaparece subitamente nas sombras e volta a aparecer quase instantaneamente no local onde o seu olhar se deteve. Uma breve rixa foi tudo o que bastou para se desembaraçar do nosso espião pervertido.
- Já viste quem eu apanhei, meu querido, o nosso beijoqueiro de serviço, Léon DedosRápidos.

terça-feira, novembro 07, 2006

Anoitecer em Briseida

O pôr do Sol em Briseida é um evento no mínimo avassalador, o grande astro afunda-se majestosa e lentamente sobre as águas azuis e cristalinas que banham o Porto das Nereidas lançando sobre elas mil e uma cores antes de desaparecer por completo no horizonte.
- Uau, que espectáculo! - exclamo de boca aberta perante este cenário quase divino.
- Eu disse-te que ias gostar. - diz a feiticeira sorrindo. - Quando o dia não me corre bem, venho para aqui e contemplo este momento maravilhoso e, por breves minutos, esqueço tudo e sorrio.
- Mas qual é a piada disto? - interrompe Lara extremamente aborrecida e reprimindo um bocejo. - Não vai ser um pôr do Sol que irá criar um clima em volta de um casal, são os olhares, os movimentos corporais e o tom de voz usado que irão despertar o desejo e a luxúria. Mas vocês humanos têm de encontrar sempre algo mais, têm de encontrar algo mágico e maravilhoso para mostrar e transmitir os vossos sentimentos, que lamechas!
- Como podes dizer uma coisa dessas? - pergunta Diana escandalizada. - Como podes resumir tão insensivelmente sentimentos e momentos tão mágicos para nós, humanos? Nem tudo gira à volta do sexo, existe algo mais do que isso, algo bem mais interessante e satisfatório. Se não consegues ver isso, então tenho pena de ti, demónio, pois és pobre de espírito.
- Pena de mim? Pobre de espírito? Como te atreves a dizer-me isso, humana, esqueces-te que falas com um ser superior? - diz a demónio endireitando-se e lançando à feiticeira um olhar fulminante de poucos amigos.
- Um ser superior? Como te podes declarar superior a mim quando te reges por instintos primordiais, quando te deixas levar cegamente pelas vontades do teu corpo? Superior? Talvez apenas em termos de físico e agilidade, porque em termos de mentalidade és bastante inferior a mim, uma humana. - diz a feiticeira calmamente, mas com uma força na voz, encarando o olhar fatal da demónio.
Lara observa incrédula a feiticeira, aquela sua calma deixou-a completamente desarmada.
- Ou és louca, ou incrivelmente corajosa, para falares assim a um demónio. - diz ela.
- A loucura e a coragem andam de mãos dadas, Lara, e além disso, não sou engraxadora ou hipócrita, digo o que penso e o que sinto, sou muito honesta nesse sentido, um defeito que me tem isolado profundamente.
- És corajosa, humana, e gosto disso. - diz a demónio esboçando um sorriso que me deixa surpreendido. - Diana, acho que nos vamos dar lindamente.
Sorrio e deito-me sobre a areia observando as estrelas que começam timidamente a aparecer no céu, esta demónio não pára de me surpreender, quem diria que ela iria reagir desta forma...

Caminhamos os três de regresso à cidade tomando como rota o Porto das Nereidas quando subitamente os sons de uma violenta discussão fazem-se ouvir vindos de uma taberna chamada Barbas de Poseídon. Três marinheiros com caras de poucos amigos irrompem então de dentro da taberna e correm para uma viela preparados para uma luta.
- Eles já se foram? - pergunta uma voz vinda de um barril assim que o som dos passos se dissipa.
- Sim, já. - responde a feiticeira.
- Óptimo! - de dentro do barril sai um jovem de 20 anos, muito sorridente e bem disposto. - Obrigado pela dica, miúda, tava a ver que ia desta para melhor.
- Miúda!? - repete a feiticeira surpreendida.
- Já agora, sou o Léon DedosRápidos. - continua ele. - E tu quem és?

sexta-feira, novembro 03, 2006

O Jornal

A praça central é o principal afluente da cidade, todos os dias passam por ali milhares de pessoas que com um passo geralmente apressado se dirigem para os seus empregos ou para os seus compromissos. Aqui encontra-se um dos mais belos jardins de toda a região e a célebre estátua dos dois amantes que muitos juram que está encantada, à volta desta esplêndida praça podemos encontrar bancas de comerciantes ambulantes e várias casas de convívio que servem uma bebida exótica com um estranho nome, café. Completamente desiludidos com o desfecho da nossa investigação sentamo-nos numa das esplanadas e pedimos três destas bebidas tão esquisitas.
- Estamos num beco sem saída, quem quer que tenha morto o outro tipo, matou também o nosso homem mistério. - diz Lara desapontada bebendo um golinho deste líquido misterioso.
- Vocês têm a certeza que querem continuar esta investigação, é que se estão a meter com alguém muito poderoso. - pergunta Diana bebendo com mais à vontade o seu café.
- Claro! - responde Lara apressadamente. - Eu não gosto de ser manipulada e vou exigir explicações a quem quer que esteja por detrás de tudo isto.
A feiticeira vira-se para mim para tentar saber qual é a minha opinião.
- Faço minhas as palavras da Lara, Diana.
Ficamos por uns momentos em silêncio saboreando o café e uns bolinhos caseiros bastante apetitosos.
- Extra! Extra! Guerra cívil na República! Extra! - apregoa um vendedor de jornais.
Lara e eu olhamos um para o outro.
- Cav, tu não achas que...
- Tenho quase a certeza, Lara. Rapaz, um jornal.
- Tens a certeza do quê? - pergunta Diana sem perceber nada da conversa.
- É uma longa história. - respondo abrindo o jornal.

Parece incrível, mas após quase 2000 anos de paz a velha República entrou em guerra cívil. As notícias que nos chegam da capital são escassas e muito contraditórias, ao que parece tudo começou quando um homem tomou conta do Senado há alguns meses, desde então uma enorme instabilidade política tomou conta da República. Deram-se várias tentativas para depor este indivíduo misterioso que se auto-intitula de Iulius Caesar Magnus, mas todas falharam, ao que parece este homem possui um estranho sexto sentido que lhe permite reconhecer armadilhas.

- Sexto sentido uma ova, ele possui é o Olho! - diz Lara zangada.

Iniciou-se então um período bastante sangrento, uma era de prescrições como as realizadas pelo antigo Ditador romano Lucius Cornelius Sulla. Aqueles que não juravam fidelidade incondicional ao novo Imperador eram julgados e condenados à morte em plena praça pública. Os que conseguiram escapar criaram a facção republicana e reuniram um exército para destruir este vil homem.
O Mundo está dividido em dois e espera impaciente pelo resultado final. Será este o fim do mundo que conhecemos? Que consequências trará esta guerra para as cidades estado independentes como Briseida? Este jornalista não tem respostas para estas perguntas e muitas outras, só espera que todo este conflito termine rapidamente e que Gaia respire paz uma vez mais.


- És senador, não és, Cav? O que vais fazer, vais juntar-te à facção republicana? - pergunta a feiticeira.
- Desde a morte da Ela que esse mundo ficou para trás, sou um sonhador e acredito piamente em Roma e tudo o que representa, mas esta já não é a minha luta...
- Mas a Ela não morreu, está viva.
- Para mim continua morta, o que ela fez não tem perdão, pelo menos não ainda.
A feiticeira coloca a sua mão sobre a minha e sorri.
- Tás tão diferente, tão diferente.
Sorrio e coloco a minha outra mão sobre a dela.
- Como tu disseste, já não temos 15 anos.
- Vocês já olharam bem para o rosto da Aquileia? - interrompe Lara. - Ela está a chorar!

quinta-feira, novembro 02, 2006

O Homem Mistério

As investigações de Diana levam-nos à parte mais rica da cidade, uma zona composta por jardins magníficos e exuberantes e por luxuosas vivendas e villas. De acordo com as informações da feiticeira a casa que procuramos fica mesmo em frente ao Jardim dos Descobrimentos, um parque muito belo repleto de flores e árvores exóticas erigido em homenagem às descobertas de Aquileia e Éwon.
- Então é aqui que se esconde o nosso homem mistério? - pergunta Lara admirando o desenho e a arquitectura da villa.
- Sim. - responde Diana. - Mas como já vos disse não creio que este homem seja um feiticeiro, não senti magia na sua aura.
- Tens a certeza? Olha que a magia que matou o homem que recebeu o pacote parecia ser muito poderosa. - digo desconfiado.
- E era, mas de uma coisa tenho a certeza, não foi este homem que a criou.
- Então existe alguém por detrás de tudo isto? Alguém a quem este homem muito certamente serve? - pergunta Lara fitando a feiticeira.
- Sem dúvida.

A porta abre-se e um criado muito velho e curvado aparece no interior.
- O que desejam? - pergunta ele numa voz estranhamente forte.
- Falar com o teu senhor. - responde Lara altivamente entrando sem cerimónia.
- O que está a fazer? Retire-se imediatamente, não recebeu nenhuma autorização para entrar!
- Eu tenho assuntos sérios para tratar com o teu senhor, velho, por isso faz-te útil e vai chamá-lo, ok? - diz a demónio num tom que não tolera contestação.
- Como se atreve! - o velho servo agarra a demónio pelo manto e puxa-o com uma força surpreendente revelando o seu rosto. - Um demónio! - exclama ele assustado.
- Faz o que te mando! - remata Lara aproveitando a sua reacção. O servo afasta-se rapidamente indo cumprir as ordens desta visita inesperada. - Aqui está uma criatura inferior que conhece o seu lugar, se ao menos todos fossem assim...
- Ainda bem que não somos. - digo sorrindo.
A feiticeira aproxima-se de mim e sem que a demónio note sussurra-me ao ouvido.
- Ela é sempre assim?
- Nem por isso, ela hoje até está bem disposta.
Momentos depois surge o nosso homem mistério acompanhado pelo seu fiel servo, ao ver-nos fica ligeiramente nervoso.
- O que desejam? - pergunta ele numa voz bem mais frágil do que a do seu velho servo.
A demónio sem pensar duas vezes lança-se a ele agarrando-o pelo pescoço e encosta-o à parede.
- Sabes bem o que é que nós desejamos. - diz ela com uma voz autoritária.
- Bem disposta? - pergunta-me a feiticeira.
- Sim...
- Hm, imagino então como será ela maldisposta.
- E-eu, e-eu não tive a culpa, foram as ordens que recebi, por favor tentem entender, eu até vos paguei muito bem.
- Tu pagaste para entregar um pacote, não para matar um tipo. Diz-nos para quem trabalhas!
- E-eu n-não posso, se o fizer sou um homem morto. - o homem começa a suar em bica e a tremer desenfreadamente.
- Se não o fizeres também és um homem morto. - diz Lara sacando um punhal e apontando-o à barriga dele. - Sabias que sou uma assassina? Conheço muito bem a anatomia de todas as raças de Gaia, por exemplo, se te cravar o punhal aqui morres em questões de segundos, mas se por acaso to cravar aqui morres bem lentamente e com muitas dores. Por isso meu caro, é bom que cuspas o que sabes.
- V-vocês vão deixar que ela me mate? N-não têm piedade? - grita o homem para mim e para a Diana quase a perder os sentidos.
- Cav, tens a certeza que não é melhor intervires? - pergunta a feiticeira preocupada.
- Tenho, é tudo bluff, acredita.
- Cospe o que sabes. - rosna Lara pressionando o pescoço do homem já exasperada.
- Está bem, eu conto.
Lara sorri triunfantemente e liberta-o afastando-se uns passos. O homem massaja o seu pescoço dorido e olha para nós com um misto de raiva e de medo.
- Eu não tenho escolha, pois não? Pois bem, não fui eu o causador da morte daquele homem, eu fui apenas um intermediário.
- Quem era ele? - pergunto.
- Eu não sei bem, sei apenas que andou a meter o nariz onde não era chamado, a fazer muitas perguntas e a criar instabilidade na cidade.
- Quem o matou? - pergunta Lara impaciente.
O homem abre a boca para responder mas nenhum som se escapa da sua boca, ao principio parece que se sente com falta de ar, mas pouco depois a sua cara começa a ficar muito vermelha e o homem cai de joelhos no chão agarrando-se ao pescoço e tentando a todo o custo respirar.
- Magia! - grita Lara.
- E poderosa! - diz Diana.
Assim que tentamos fazer algo para o ajudar um som distinto de um pescoço a quebrar-se propaga-se pelo o ar e o homem cai no chão morto fitando o vazio.

terça-feira, outubro 31, 2006

Um Novo Membro

O suave crepitar da lareira misturado com o doce aroma das ervas aromáticas tornavam o ar da salinha de estar simplesmente irresistível e acolhedor. Fecho os olhos e deixo-me enterrar profundamente na confortável poltrona de pele enquanto espero pacientemente pela anfitriã.
- Vejo que não fizeste cerimónia e já estás bem instalado. - diz ela entrando na salinha segurando um tabuleiro com duas xícaras de chá, um bule com água a ferver e uns bolinhos de manteiga.
- Sim, isto recorda-me os velhos tempos, parece que nada mudou. - digo sorrindo servindo-me de chá e bolinhos.
- Estás a iludir-te, muita coisa mudou, já não temos 15 anos, estamos mais maduros, mais experientes. - diz ela sentando-se à minha frente observando-me por entre a leve névoa que se elevava da sua xícara.
- Tens razão...
A conversa morre repentinamente dando origem a um silêncio desconfortável que nenhum dos dois ousa quebrar.
- Tive saudades tuas. - digo repentinamente. - Saudades do teu olhar, da tua voz, do teu perfume, da tua presença. Agora que olho para trás, aquela discussão parece-me tão estúpida.
- E foi, mas como se costuma dizer, a verdadeira amizade não morre tão facilmente e também eu tive saudades tuas. - diz ela com um sorriso bebendo um pouco mais do seu chá de baunilha. - Como está a tua mulher?
- Estamos separados, ai Diana, aconteceu tanta coisa na minha vida que não sei como é que continuo são.
- Conta-me, afinal de contas sempre fomos confidentes.
- Eu sei, mas eu nem sei por onde começar e nem te quero maçar com os meus problemas.
- Não digas parvoíces, tu não me vais maçar, bem pelo contrário, essa tua voz é um bálsamo para os meus ouvidos. - os seus olhos verdes brilham ao dizer estas palavras e eu coro ligeiramente.
- Com tais argumentos quem é que pode resistir, está bem, eu conto. - início então o meu relato desde a nossa separação até ao nosso reencontro. - E foi assim...
- Eu nem sei o que dizer, até me fazes sentir um bocadinho culpada por não estar presente quando mais precisaste.
- Não fiques assim, estávamos separados. - digo sorrindo. - E tu, o que tens feito?
A feiticeira suspira, bebe mais um golo do seu chá e olha para mim intensamente.
- Prefiro não dizer nada por agora, numa outra altura eu conto-te, se não te importas é claro.
- Não, eu não me importo, mas tu não te escapas, minha feiticeira, vais ter de me contar. - digo sorrindo deliciando-me com os seus bolinhos de manteiga.
- Suponho então que a tal ajuda que me pediste ainda há pouco refere-se a esse suposto feiticeiro, certo?
- Certo! Segundo sei, para encontrar um feiticeiro, só um outro feiticeiro, por isso vim ter contigo.
- Tens alguma coisa dele? Um pedaço de roupa, um cabelo ou simplesmente algo que ele tenha tocado?
- Sim, os restos do tal pacote que te falei, toma. - entrego-lhe o que resta do embrulho. - Só mais uma coisa, como é que consegues viver nesta cidade, é tão diferente das lendas, as pessoas são intolerantes e xenófobas e parece que vivem com medo de algo, especialmente à noite onde ninguém anda nas ruas.
- Eu depois conto-te, Cav, agora preciso de me concentrar para te dar as informações de que precisas. - a feiticeira levanta-se e dirige-se para a porta. - Antes de ires, tenho que te avisar de uma coisa, não confies em ninguém nesta cidade pois nada é o que parece.
- Por essa ordem de ideias nem em ti devia confiar, Diana. - digo piscando o olho e beijando-lhe o rosto. - Já sabes onde me encontrar, até logo!

- Bolas, já não era sem tempo, Cav, por onde é que tu andaste? - pergunta a demónio assim que abro a porta.
- Estive com a minha amiga como te tinha dito, estavas preocupada?
- Com a tua amiga? Este tempo todo? De certeza que estiveram a "matar" saudades, não foi? - continua ela.
- Não foi esse tipo de saudades, sua pervertida, mas sim, estivemos a pôr a conversa em dia.
- Pois... - diz ela desconfiada.
- Acaso estás com ciúmes?
- Ciúmes, eu? Claro que não, apenas estou curiosa. Quero saber se ela é bonita, interessante e acima de tudo se gosta de demónios.
- Não sei, vais ter de lhe perguntar isso.
- Oh, vá lá, diz-me quais são as suas fantasias, com o que é que se excita, que posições gosta e com que sexos é que gosta de ter prazer.
- Tu és incrível, estamos a tentar resolver o nosso problema e tu só pensas em levá-la para a cama! - exclamo atirando-me para cima do colchão.
- Hey, a vida não são só problemas, temos de descontrair de vez em quando e para mim não há nada como uma boa queca. - diz ela deitando-se ao meu lado beijando o meu pescoço.
- Tu não mudas, pois não? - digo sorrindo.
- Nunca, meu querido, nunca! - diz ela lambendo o meu queixo.
- Já agora, ela aceitou em ajudar-nos.
- Isso é bom, mas agora faz o favor de estar calado, está bem? - e sem mais palavras beija-me.

segunda-feira, outubro 30, 2006

Reencontro

A porta abre-se violentamente e uma demónio furiosa entra de rompante.
- Eu vou matá-lo! Eu vou esganá-lo! - grita ela atirando-se para cima da cama e agarrando-se à almofada.
- Tem calma, primeiro temos de o encontrar. - respondo fechando a porta atrás de mim.
- Como queres que tenha calma, ele usou-nos, Cav, usou-nos para fazer o seu trabalho sujo.
- Eu sei, mas não podes agir assim, tens de ter calma e pensar bem antes de tomar uma decisão precipitada. - sento-me ao lado dela massajando-lhe os ombros tensos. - É óbvio que a pessoa que nos abordou não é um indivíduo qualquer, é alguém ligado ao oculto e às artes arcanas, pois ninguém na estalagem se lembra de o ter visto e isso é muito estranho.
- Hmmm... - exclama ela deliciada. - Feiticeiro ou não quando eu o encontrar bem pode rezar a todos os seus Deuses e invocar todas as suas magias, isso não vai servir de nada, vai sentir na pele o preço de enganar um demónio.
- És sempre a mesma, Lara, tu não mudas. - respondo sorrindo e beijando-lhe a nuca.
A demónio vira-se para mim e beija-me nos lábios.
- Esta cidade é muito estranha, reparaste que mesmo depois do estrondo ninguém veio ver o que se passava? As ruas continuavam desertas, os estores fechados e nem sinal da guarda... Cav, estou a ter o mesmo pressentimento que tive em Unyard, algo não está bem e receio que o nosso homem mistério é apenas a ponta do icebergue.
- Eu penso o mesmo, Lara, eu penso o mesmo... - digo levantando-me e dirigindo-me para a porta.
- Onde vais? - Pergunta Lara levantando-se também.
- Ter com uma amiga.
- Uma amiga? Mas tu conheces alguém nesta cidade?
- Sim...
A demónio olha para mim desconfiada.
- Então andámos este tempo todo à procura de um quarto para nada, podíamos ter ido para casa dessa tua "amiga".
- A verdade é que eu não estava à espera de a voltar a ver, estamos de relações cortadas por uma idiotice, mas parece que vou ter de engolir o meu orgulho e dar o braço a torcer.
- Eu vou contigo. - diz a demónio colocando o manto.
- Não! Eu prefiro tratar disto sozinho. Até já.

O meu coração bate de ansiedade quando encontro finalmente a casa dela, as memórias há muito esquecidas das nossas aventuras percorrem uma vez mais a minha mente, entre elas está aquela discussão estúpida que nos separou durante todos este anos. O Destino tem destas coisas, afasta-nos de certos caminhos para depois nos lançar de volta para eles.
Ouço passos no interior caminhando na minha direcção e a porta abre-se lentamente momentos depois. Os nossos olhares cruzam-se pela primeira vez desde a nossa separação e o meu coração explode de emoção.
- Cav!? - Exclama ela surpreendida.
- Olá Diana. - Respondo meio embaraçado.
- Não estava à espera de te ver. - diz ela nervosamente ajeitando o cabelo. - O que fazes por aqui?
- Preciso de ajuda, será que podes ajudar um velho amigo?
A feiticeira sorri e abre a porta de par em par.
- É claro que te ajudo, entra. Já agora, queres um chá?

segunda-feira, outubro 23, 2006

O Pacote (2ª Parte)

Os candeeiros a óleo iluminam as ruas e vielas sombrias de Briseida, por onde quer que olhemos não encontramos vivalma, como se o turbilhão de pessoas que se movimentam pelas ruas durante o dia tivesse simplesmente desaparecido sem deixar rasto.
- Que esquisito, seria de esperar ver alguém nas ruas, assim como vemos em Roma e noutras grandes metrópoles, afinal de contas, ainda não é assim tão tarde e há sempre quem goste do ar da noite... - Comento olhando em volta.
- Sei lá, estes tipos são umas aberrações autênticas, se calhar têm medo do papão. - responde Lara sorrindo. - Ao menos lá arranjámos um trabalhinho, 30 moedas só para entregar este pacote, uff, o tipo devia estar desesperado.
- Pois devia, é muito dinheiro para uma tarefa assim tão simples. O que achas que está aí dentro?
- Não sei, mas aposto que deve ser algum presente para a amante. Machos, são sempre os mesmos, a esta hora deve estar com a sua mulher a dar uma festa importante, enquanto a sua rameira cuida dos bastardos.
- Não generalizes, não somos todos assim.
- Não? Meu querido, lá por tu não seres assim não quer dizer que os outros não sejam, vocês só pensam com o que têm entre as pernas e quem disser o contrário é um hipócrita e um mentiroso.
- Olha quem fala, tu és fêmea e ages exactamente da mesma maneira.
- Mas eu sou diferente! - diz a demónio arrogantemente.
- Claro, és diferente... Não existe um ditado que diz, "pela boca morre o peixe"?
- Cav, tu não me queiras comparar a seres inferiores, eu sou um demónio, tenho um apetite voraz e ninguém tem nada a ver com aquilo que eu faço ou deixo de fazer. Aliás, quando eu gosto de alguém eu sou... como é que vocês dizem, fiel?
Desmancho-me a rir ao ouvir a demónio a dizer aquilo.
- Tu, fiel? Oh Lara, só tu para me fazeres rir. Quem não te conheça que te compre, és demais!
- É a verdade, o problema é que eu ainda não encontrei alguém que goste. - responde ela com um sorriso enigmático nos lábios.
- Como assim que gostes, vocês demónios não amam, pelo menos é isso que me estás sempre a dizer.
- Mas quem é que falou de amor? Refiro-me a outro tipo de gosto.
- Não existe outro tipo de gosto, a não ser é claro o desejo sexual.
- Pois...
- Ui, essa doeu, isso quer dizer então que não estás muito satisfeita comigo.
- Eu não disse isso...
- Mas tu não me és "fiel", logo deduzo que não te satisfaça.
- De certa forma até sou, mas à minha maneira.
- À tua maneira, claro... - respondo sorrindo.
- E com esta conversa da treta lá chegámos nós ao nosso destino.

A porta abre-se e um homem rude e de mau aspecto aparece diante de nós.
- Trouxeram-no? - pergunta ele com maus modos.
- Sim, aqui está.
O pacote é-nos arrancado das mãos e a porta fecha-se num estrondo.
- Uma vez mais fomos alvo da "simpatia" das pessoas desta cidade. - diz Lara sarcasticamente.
- Sim, mas como vês o pacote não era para amante alguma, era para aquele tipo.
- Se calhar era "o" amante.
Começamo-nos a rir, mas de repente os nossos risos são abafados por um enorme estrondo que vem de dentro da casa onde acabámos de entregar o misterioso pacote.
Corremos o mais depressa que podemos de volta ao local, arrombamos a porta e deparamo-nos com um espectáculo horrível, todo o interior estava carbonizado como se tivesse deflagrado um grande incêndio, no chão jaz um corpo carbonizado segurando ainda o pequeno pacote que lhe havíamos entregue minutos antes e nas paredes, marcado a letras vivas cor de sangue encontra-se a seguinte mensagem:

Este é o preço a pagar a quem ousa desafiar-me!

sábado, outubro 21, 2006

O Pacote (1ª Parte)

As horas passam e a nossa busca por uma estalagem que aceite demónios parece estar condenada ao fracasso, é incrível, mas numa cidade onde segundo a lenda todas as raças deveriam ser bem vindas só encontramos é racismo e uma profunda intolerância. Em quase todas as estalagens, bares, bordeis e alguns templos, encontramos afixados nas janelas ou nas portas avisos de interdição para uma determinada raça, infelizmente todos estes avisos, embora sejam diferentes em alguns aspectos, parecem concordar num ponto: "não atendemos demónios!".
- Estou a começar a ficar farta disto! - grita Lara batendo com a porta da estalagem Crescente Vermelho após ter quase esganado o dono depois de a sua entrada ter sido recusada.
- Estás tu e estou eu, mas que cidade tão intolerante.
- Percorremos todas as estalagens e hotéis, não há nenhum que me aceite! Como se atrevem eles a negar a entrada a demónios, afinal de contas, nem todas estas raças juntas chegam aos meus calcanhares.
- Eles lá têm as suas razões e de certa forma até os compreendo, os demónios no passado causaram muita destruição nesta zona e nem todos eles são de fiar.
- Pelos vistos não foi suficiente, devíamos ter arrasado esta cidade!
- Bom, vamos continuar à procura, mas o melhor é usares este manto e tapares as tuas feições.
- Estás a propor que eu me esconda? Que me cubra como uma fugitiva só para arranjar um quarto? Insultas-me, Cav!
- Olha, Lara, põe de parte esse teu orgulho estúpido que já irrita e faz o que te peço, assim não dás muito nas vistas e talvez consigamos o que queremos. Afinal de contas, tu que és uma Assassina, sabes bem que em certas alturas convém estar disfarçado.
A demónio resmunga qualquer coisa, mas lá acaba por aceitar o manto.
- Desculpem. - diz uma figura que aparece subitamente das sombras. - Eu sem querer ouvi a vossa conversa e creio que vos posso ajudar. Conheço um local onde poderão ficar, vai custar-vos um pouco mais caro que o normal e os quartos não serão grande coisa, mas terão comida e calor.
- E porque razão nos queres ajudar quando todos os outros nos fecham as portas? - pergunto desconfiado.
- Porque Briseida foi erigida para ser um porto de abrigo para todas as raças, e como podem ver tornou-se tudo menos isso.
Lara e eu olhamos um para o outro para decidir o que fazer.
- Aceitamos! - dizemos em conjunto.

O homem não se tinha enganado, o local para onde nos levou deixa muito a desejar, mas ao menos temos um quarto e comida à nossa disposição. Após um bom banho e um jantar delicioso decidimos descer até à sala comum, esta está impregnada de odores vários e de um ambiente simplesmente fantástico. Todos parecem divertir-se ao som de um bardo que conta uma história cómica, Lara e eu não nos fazemos esquisitos e sentamo-nos numa das mesas e juntamo-nos à diversão.
- Desculpem incomodar-vos. - diz uma voz momentos depois. - Mas vocês parecem ser aventureiros com alguma experiência, será que estariam interessados num trabalhinho?
Lara e eu viramo-nos para confrontar a voz, é um homem de meia idade, cabelo azul e olhos roxos, pelas suas roupas parece viver bem e pelo sinete que trás num dos dedos parece ser alguém de poder.
- Depende do teor do trabalho. - responde Lara bebendo um trago de cerveja caseira.
- É simples, preciso apenas que se dirijam à Rua das Amoras e entreguem este pequeno pacote no nº35.
- Se é assim tão simples porque é que não o entrega pessoalmente?
- Sou um homem de posses e detenho algum poder nesta cidade, como vocês já devem ter reparado, e há coisas que uma pessoa como eu deve evitar fazer pessoalmente para não criar conversas e boatos indesejáveis. - o homem tira de uma das mangas uma pequena bolsa. - Aqui estão 30 moedas de ouro, penso que é o suficiente para uma tarefa tão simples.
- Está bem! - diz Lara pegando na bolsinha e sentindo-lhe o peso. - E para quando é a entrega?
- Para esta noite. - diz o homem aliviado.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Briseida

Após longos dias de viagem chegamos finalmente à bela cidade de Briseida. A cidade é basicamente uma ilha enorme, muito bem fortificada e criada de modo a garantir aos seus habitantes uma defesa inexpugnável. Existem apenas dois pontos de entrada e/ou saída da cidade, o primeiro é através da entrada a Norte, cujos viandantes terão que atravessar a Ponte de Cristal, a única entrada via terrestre, o segundo é através do Porto das Nereidas no Sul, onde navios de todos os cantos de Gaia atracam diariamente trazendo consigo viajantes e mercadorias mirabolantes.
Por ironia, ou talvez não, Briseida pode ser considerada como uma cidade-estado, como aquelas da Grécia Antiga, possui um exército muito bem armado e disciplinado e uma marinha forte que controla os mares em redor. De acordo com a lenda, todas as criaturas são bem vindas, tanto as terrestres como as aquáticas ou qualquer outro tipo, pois sobre toda a cidade paira uma magia muito forte que permite a sobrevivência de todo o tipo de espécies.
Mesmo no centro da cidade encontra-se uma estátua de pedra muito bem conservada, a estátua representa Aquileia emergindo do mar com o seu amor, já sem vida, nos braços. A imagem daquele momento tão dramático está tão bem reproduzida que por vezes muitos observadores afirmam a pés juntos que lágrimas de dor rolam do rosto de pedra daquela jovem mulher. Verdade ou não, isso não se sabe, talvez a fé em demasia faça ver coisas que não existam, mas muitos acreditam que quando Aquileia chora é sinal de grandes mudanças na cidade...

Após atravessar a Ponte de Cristal, Lara e eu dirigimo-nos para a estalagem mais próxima, estamos fartos de dormir sob as estrelas e depois de Unyard decidimos nunca mais arriscar a parar em aldeias isoladas. Entramos numa que parece ser boa e acessível, O Tritão de Ouro, o seu aspecto exterior chama a atenção e o bafo quente que vem de dentro recheado de um aroma divinal, convencem-nos de imediato. Assim que entramos a música e as conversas animadas cessam por completo e todos os olhares convergem para nós.
- Cav, trata do pagamento que eu vou já para o quarto, preciso de um banho, estou imunda. - diz Lara indiferente aos espectadores e tomando a direcção das escadas.
- Lamento, mas estamos cheios! - diz o estalajadeiro imediatamente, bloqueando o acesso aos quartos.
- Está a brincar, a estalagem é grande e pelo que me parece só tem pelo menos meia dúzia de hóspedes. - digo.
- Pois... Mas está a ver, é que...
- É que nós não queremos essa laia na nossa cidade! - diz um dos hóspedes levantando-se e cuspindo para o chão enquanto fita desprezivelmente a demónio.
- Laia!? LAIA!? Ouve lá, ó amostra de criatura, quem és tu para me falares dessa maneira!? - rosna Lara furiosa.
- Eu sou um cidadão de Briseida e não quero ter de aguentar o cheiro de demónios nojentos nos locais que frequento.
Lara fica vermelha de cólera, seus olhos dourados parecem libertar chispas de raiva.
- Como te atreves a falar-me dessa maneira, é melhor que retires o que acabaste de dizer ou daqui a poucos minutos irás é aguentar a longa fila de espera no Mundo dos Mortos.
Dito isto mais quatro individuos se levantam preparados para auxiliar o seu amigo em caso de luta. O estalajadeiro desaparece na direcção das cozinhas e pouco tempo depois reaparece com um facalhão na mão.
- Se eu fosse a ti pensava duas vezes antes de avançar mais um passo. - digo-lhe desembainhando a espada e colocando a lâmina bem perto do seu pescoço gordo.
O homem recua e foge de volta para as cozinhas.
- Metes-me nojo, como podes defender uma coisa destas. - diz o hóspede fitando-me com desdém.
- Para já, a coisa tem nome, chama-se Lara, e depois, confio mais nela do que em qualquer humano deste Mundo.
- Mas...
- Caluda! O teu problema é comigo, por isso diriges-te só a mim, entendido? - diz a demónio sacando um pequeno punhal da bota.
O hóspede sorri desdenhosamente confiante nos seus quatro companheiros, mas antes de ter tempo de dizer alguma coisa já o punhal de Lara voa pelos ares indo cravar-se a poucos milimetros dos seus genitais. O homem fica pálido como cal e o som de gases a serem expelidos faz-se ouvir ruidosamente no salão.
- Como eu pensava, não passas de um cobardolas que nem sequer sabe controlar os seus intestinos. - diz Lara sorrindo desdenhosamente. - Dá-te por muito feliz por eu hoje estar demasiado cansada, ou obrigava-te a comer aquilo que acabaste de expelir. Ah, podes ficar com o punhal, é um presente meu. - e rindo a bandeiras despregadas vira-lhe as costas e sai calmamente da estalagem.
- Só mais uma coisa - digo tapando o nariz. - queixavas-te do cheiro dela, mas olha que o teu é bem pior...

- Estás bem? - pergunto assim que abandono a estalagem.
- Estou exausta e sem paciência alguma para estas criaturinhas que pensam que são gente só porque se governam a si mesmos. Preciso de um quarto para dormir e para tomar um bom banho! - suspira Lara.
- O que não falta por aí são estalagens, tenho a certeza que encontraremos uma que aceite demónios.
- Espero bem, senão Briseida vai tremer ante a minha fúria. - diz ela sorrindo e piscando-me o olho.

domingo, outubro 15, 2006

Aquileia e Éwon (3ª Parte)

"A feiticeira da ilha de Lum era uma bela mulher, aparentava ter apenas 26/27 anos, a sua pele era macia e estava impregnada num adocicado aroma que deixava qualquer homem, ou mulher, loucos de paixão e desejo, os seus cabelos negros com vários rasgos de azul caíam pelas suas costas dando-lhe um aspecto místico, os seus olhos verdes como uma esmeralda eram simplesmente irresistíveis mas escondiam na sua íris uma alma perversa, fria, calculista e desprovida de qualquer sentimento. Era uma mulher poderosa que passava a maior parte dos seus dias criando novos feitiços e poções, lançando encantamentos e maldições e traçando e elaborando planos para aumentar a sua esfera de influência.
Ninguém sabe quais eram os seus planos para Éwon, mas todos puderam constatar a sua raiva e a sua fúria no dia a seguir à sua fuga com Aquileia. Um grito enorme varreu a aldeia e pouco depois seguiu-se uma gigantesca onda que a engoliu, destruindo-a por completo e matando todos os seus habitantes. A partir daquele momento a feiticeira jurou vingança e transformou Aquileia em sua inimiga mortal.

Os anos passaram e tanto Éwon como Aquileia viviam imersos numa felicidade sem limites desconhecendo o destino da aldeia e da inimiga que haviam adquirido. Éwon mudara um pouco, tornara-se mais maduro e deixara crescer a barba, no seu ombro direito encontrava-se agora uma tatuagem de uma mulher cavalgando um golfinho e no seu peito uma profunda cicatriz marcava-lhe a pele dourada. Aquileia, essa, em nada mudara, continuava bela como sempre, talvez até ainda mais encantadora, apenas tinha olhos para o seu amado e em especial para aquela tatuagem e cicatriz.
- O vento do Norte traz-me notícias de mudanças, meu amor. - diz Aquileia subitamente.
- Como assim? - pergunta Éwon abraçando com mais força a sua mulher.
- Não sei, é um pressentimento que tenho, algo vai acontecer...
- Algo de bom, espero eu.
- Não, sinto um gelo nos meus ossos, não é bom o que está para vir.
Éwon olha preocupado para Aquileia e beija a sua testa.
- Seja o que for enfrentá-lo-emos juntos, como sempre o fizemos.
- Eu sei, meu amor, eu sei... - diz ela sorrindo e enroscando-se ainda mais nos braços fortes dos seu amado.

O pressentimento de Aquileia não podia estar mais correcto, poucos dias após aquela conversa uma temível tempestade abate-se sobre eles. Raios e trovões tomam conta dos céus negros, ventos fortíssimos arrancam os mastros e rasgam as velas e ondas enormes engolem o navio levando tudo à sua passagem. Aquileia e Éwon tentam combater a fúria da tempestade, mas os seus esforços são em vão, por mais que tentem o navio parece estar a ser conduzido pelos caprichos do mar. Subitamente dois raios atingem o barco, um cai sobre um dos mastros partidos e o outro sobre uma das velas rasgadas, originando um terrível incêndio. Éwon olha para Aquileia sem saber o que fazer, esta apenas sorri e dá a mão ao seu amado dizendo-lhe, «Segue-me», ele não hesita e sem pensar duas vezes e sem largar a mão dela atiram-se para as águas furiosas do oceano.
Debaixo de água tudo é calmo, o barulho da tempestade cessa e as ondas enormes deixam de espalhar o seu terror, ao seu lado sempre sorridente está Aquileia que nem por um segundo lhe larga a mão, de tempos a tempos ela aproxima-se dele e beija-o dando-lhe o ar que ele tanto necessita para sobreviver neste mundo estranho. Por momentos tudo parece bem, tudo parece tranquilo e seguro, mas de repente algo acontece, uma força inexplicável prende-lhe o calcanhar e começa a puxá-lo para baixo, nervoso Éwon tenta escapar, mas a força é demasiado poderosa. Aquileia tenta ajudá-lo, mas os seus esforços são em vão, o que prende o seu amado não pode ser destruído, é uma magia demasiado poderosa para ela, tão poderosa que começa a puxá-la para longe, Aquileia tenta resistir, tenta manter-se presa à mão do seu amor com todas as forças do seu corpo, mas mesmo sendo filha de Aquiles, mesmo sendo bisneta de um titã, as forças falham-lhe e é levada para longe. Apenas se pode imaginar a dor que ambos sentiram naquele momento decisivo em que as suas peles deixaram de se tocar e ambos se separaram para sempre."

Calo-me subitamente lembrando-me do momento em que Eleanora morria nos meus braços e eu nada podia fazer.

"Assim que se sentiu livre daquela força misteriosa, Aquileia nadou a toda a velocidade para junto do seu amor, mas já era tarde, Éwon estava morto. Desesperada a jovem pegou no corpo do seu amado e transportou-o de volta à superfície, para sua surpresa descobriu que se encontrava precisamento no mesmo local onde anos antes o tinha visto pela primeira vez. Aquileia tentou de tudo para resgatar o seu amor das garras da morte, mas de nada lhe valeu, Éwon partira para sempre e não havia nada a fazer. As lágrimas jorravam dos seus olhos como um rio imparável, as suas mãos trémulas acariciavam o corpo imóvel do seu amado e os seus lábios beijavam a sua pele salgada e a sua boca que outrora os recebeu com tanto amor e carinho.
- Éwon, Éwon, que irei eu agora fazer sem ti? Como poderei continuar a viver sem o teu sorriso, sem o teu olhar confiante e sem a tua voz maravilhosa, como irei eu aguentar sem tornar a sentir o doce aroma da tua pele e o teu abraço forte nas noites sem luar? - Aquileia pousa a sua cabeça no peito dourado do seu amado. - Jurámos um ao outro que enfrentaríamos tudo juntos, não foi? Então o que faço eu aqui? Como posso eu deixar-te caminhar sozinho no mundo dos mortos? - sem pensar duas vezes, a jovem desembainha o pequeno punhal q se encontra no cinto do seu amado e crava-o directamente no coração.
No alto da sua torre a feiticeira apenas sorri ante o final destes dois desafortunados amantes.

Os Deuses assistiram a tudo, Vénus abençoou aquela praia e Nereu, bisavô de Aquileia ergueu em sua honra uma cidade encantada, uma cidade onde criaturas marinhas e criaturas terrestres pudessem conviver juntas. Essa cidade recebeu o nome de Briseida, pois era este o nome da filha que iria nascer do amor entre Aquileia e Éwon."

- E o que aconteceu à feiticeira? - pergunta Lara.
- Ninguém sabe, alguns dizem que os Deuses a castigaram, outros dizem que ainda se encontra viva perpetuando os seus planos maquiavélicos.
- Temos de descobrir, gostava de a conhecer.
- Ai sim? E porquê, posso saber?
- Gosto de desafios, meu querido, e ela parece-me ser um belo desafio. - Lara sorri e fita-me com os seus olhos dourados. - Farias o mesmo por mim?
- Fazer o quê? - pergunto-lhe confuso.
- Se eu morresse irias aos Infernos resgatar-me como fizeste com a Ela?
- Isso não vai acontecer, minha demónio, eu nunca te deixaria morrer. - digo sorrindo.
- Não me respondeste, Cav.
- Iria sim, Lara, sem hesitar.
A demónio sorri maliciosamente, mas sinto um estranho brilho no seu olhar que me deixa a pensar...

sábado, outubro 14, 2006

Aquileia e Éwon (2ª Parte)

"Tanto Aquileia como Éwon estavam felizes, ambos haviam encontrado aquilo que muito poucos encontram, um amor verdadeiro, cada hora, cada minuto, cada segundo que passavam sem estar perto um do outro era uma tortura sem fim, uma dor que não tinha explicação. Éwon descuidava-se nos seus deveres, muitas vezes encontravam-no a olhar para o vazio ou sorrindo para as ondas, ninguém percebia o porquê deste seu comportamento e a pouco e pouco começavam a desconfiar se o rapaz não fora alvo de um feitiço ou se simplesmente enlouquecera. Assim, os seus pais observando o estranho comportamento do seu filho e vendo-o desaparecer durante largas horas todos os dias decidiram segui-lo, o que viram deixou-os surpreendidos. Ali sobre o extenso areal dourado encontrava-se Éwon, mas este não estava sozinho, ao seu lado estava Aquileia, nua como sempre e usando na cabeça uma coroa de flores feita pelo seu amado. Ambos trocavam beijos e palavras de amor eterno, ambos sorriam um para o outro e por vezes assim ficavam, sem dizer uma só palavra, comunicando apenas com o olhar e com o desejo das suas mãos. No final, e após um longo e demorado beijo, ambos se separam, Aquileia regressa ao mar e Éwon prepara-se uma vez mais para ir para casa, nos seus olhos estava estampada a angústia e o sofrimento da separação, mal sabia ele aquilo que o esperava.

- Não vais voltar àquele sítio, meu rapaz! - Gritava o pai furioso.
- Mas porquê, o que fiz eu de mal? - Éwon tentava a todo o custo perceber o que se passava, sentia-se como se lhe tivessem cravado um punhal no peito e só de pensar que podia nunca mais ver Aquileia empalidecia mortalmente.
- Ainda perguntas? Foste enfeitiçado por aquela coisa, por aquela criatura em forma de mulher que te vai levar para a perdição.
- Como podem dizer uma coisa dessas, a Aquileia é uma rapariga tão meiga, tão doce, ela nunca me faria mal, estamos apaixonados.
- Não voltas para lá e acabou-se, meu menino! Amanhã vamos levar-te à feiticeira que vive na ilha de Lum e ela levantará esse feitiço de cima de ti.
- Mas... - Éwon cala-se, sabe que os seus pais já estão decididos e não há nada a fazer, apenas tem duas hipóteses, ou foge, ou nunca mais volta a ver Aquileia.

O coração fala sempre mais alto e Éwon nunca conseguiria viver sem ter Aquileia do seu lado, por isso pela calada da noite faz a sua trouxa e foge para a enseada. Ali encontra a sua amada sentada numa pedra observando a Lua e esperando ansiosamente pelo nascer do dia para uma vez mais encontrar o seu amor.
- Aquileia! - grita Éwon ao vê-la. - Meu amor, estás aqui!
A rapariga vira-se surpreendida e um sorriso com um misto de preocupação e de alegria sem fim desenha-se nos seus lábios.
- O que fazes aqui a estas horas, está tudo bem? - Pergunta ela atirando-se nos seus braços.
- Não, não está, meu amor, os meus pais seguiram-me ontem e pensam que tu me enfeitiçaste e me queres fazer mal, querem separar-nos para sempre.
- Eu nunca te faria mal, eu amo-te mais que a minha própria vida. Queres que fale com eles?
- Não vai valer a pena, eles são casmurros, se te apanham ainda são capazes de te matar. Eu não quero que isso aconteça, quero-te para sempre, meu amor, para sempre. - Ele abraça-a com força ao dizer estas palavras. - Queres fugir comigo?
- Quero sim! - diz ela radiante. - Mas não irás sentir falta da tua cidade, dos teus pais e amigos?
- Aquileia, eu prefiro a morte do que estar separado um segundo sequer de ti.

A jovem convoca dois cavalos marinhos e juntos partem para bem longe iniciando assim as suas aventuras. Percorrem toda a Gaia conhecendo gente nova, fazendo inúmeras descobertas, enfrentando criaturas desconhecidas e dando origem a uma lenda. Infelizmente ambos desconheciam o que os esperava, a feiticeira da ilha de Lum, a tal a que os pais de Éwon queriam levar, tinha planeado um final bem diferente para este romance, pois afinal de contas Éwon tinha-lhe sido prometido em casamento mesmo antes de nascer como paga por ter curado a infertilidade dos seus pais..."

- E depois? - Pergunta Lara fitando-me com os seus olhos dourados completamente perdida na história.
- Amanhã, amanhã conto-te o final. - digo sorrindo.
- Mas isso foi o que disseste ontem! Vá, conta lá o final, adoro estas tuas histórias se bem que tenham pouco sangue e sexo, mas mesmo assim estão bem contadas...
- E depois eu é que sou pervertido, não é?
A demónio sorri e atira-se para cima de mim.
- Claro que és, queres ver a prova? - diz sorrindo e começando a desapertar-me o cinto.

terça-feira, outubro 10, 2006

Aquileia e Éwon (1ª Parte)

"Reza a lenda que do amor entre Aquiles e Briseida nasceu uma bela rapariga de nome Aquileia, a sua beleza e o seu espírito guerreiro tornaram-se numa lenda e todos na Grécia Antiga desejavam desposar esta jovem provocante e irreverente. Infelizmente a sua beleza que cativava tanto Homens como Deuses criou-lhe inimigas inesperadas e poderosas, Afrodite que se sentia repudiada pelo seu amante, Ares, e até pelo seu marido, Hefesto, resolveu lançar sobre a pobre jovem toda a sua fúria e ciúme. Assim, num dia de calor enquanto Aquileia nadava nas águas calmas de um rio perto da sua casa, Afrodite prepara-se para lançar sobre ela uma terrível maldição, mas Hera ao aperceber-se do triste destino que esperava a neta da sua querida amiga Tétis, a nereida, decide intervir e envia-a para Gaia.
Talvez Aquileia tenha sido a primeira humana a pisar o solo de Gaia, mas devido à sua ascendência divina, à sua beleza sem igual e aos seus poderes marinhos, a maioria das pessoas considerou-a uma semi-deusa ou até mesmo uma nova Deusa. Ninguém lhe ficava indiferente, era do estilo de pessoa que ou se adora sem limites ou se detesta com todas as forças do nosso ser.

Uns anos após ter chegado a Gaia, Aquileia abandonou quase por completo a terra firme, passava a maior parte dos dias dentro de água nadando livremente e conversando alegremente com as criaturas marinhas. Um dia estava ela sentada num extenso areal completamente nua e penteando os seus longos cabelos castanhos e enfeitando-os com fios de pérolas quando subitamente aparece num carreiro há muito abandonado um jovem rapaz. Aquileia envergonhada atira-se imediatamente para a água, mas talvez por mera curiosidade não conseguiu partir e ficou ali escondida, atrás de uma rocha observando em segredo o jovem.
O rapaz de nome Éwon era um simples marinheiro que desde criança fugia para aquela enseada secreta com o intuito de passar algum tempo a sós e fazer aquilo que mais gostava, cantar. Mas Aquileia ainda não se tinha apercebido da voz do rapaz, os seus olhos estavam presos no seu rosto doce e firme e no seu tronco nú bem esculpido. Pela primeira vez em toda a sua vida a jovem sentiu-se erubescer, o seu coração disparou e da sua boca saiu um tímido "uau".
Éwon era de facto um rapaz muito belo, a sua farta cabeleira loira cobria os seus olhos doces e perspicazes de uma forma quase indomável, a sua pele dourada pelo Sol brilhava de saúde e sensualidade e os seus músculos e peitorais firmes e bem delineados davam-lhe um ar quase divino. Sem saber que estava a ser observado, Éwon sentou-se na areia e começa a cantar, a sua voz melodiosa funciona como ingrediente final na paixão que começava a nascer dentro do peito de Aquileia, durante horas ela ali fica, observando-o e ouvindo as suas músicas, rindo e chorando conforme o teor da letra. O dia começa a entardecer e sem que ela se dê conta já as estrelas brilham no céu e a Lua dá o ar da sua graça, finalmente as melodias acabam e Éwon regressa acasa sem nunca ter percebido que estava a ser vigiado.
Nos dias seguintes, Aquileia regressa à enseada procurando e esperando pacientemente por aquele jovem, mas ele não aparece, durante 6 dias e 6 noites ela o espera, mas nem sinal dele, até que por fim, no sétimo dia ele aparece uma vez mais vindo do carreiro abandonado, senta-se precisamente no mesmo local e volta a cantar.

- Que belo rapaz! - diz ela suspirando envolvida naquela música tão acolhedora e quente sem se aperceber que falara em alta voz.
Éwon ouve-a e pára imediatamente de cantar, levanta-se num salto e olha em todas as direcções perguntando naquela voz doce e sensual:
- Quem está aí?
Aquileia acorda abruptamente daquele sonho mágico e apercebe-se do que fez, o seu coração dispara e pela primeira vez na sua vida não sabe o que fazer ou o que dizer.
- Quem está aí? - pergunta de novo Éwon. - Eu ouvi-te, é melhor mostrares-te!
Coberta de vergonha Aquileia emerge das águas nua e extremamente embaraçada.
- Fui eu quem falei, por favor perdoa-me, mas a tua voz é tão bela que eu não pude deixar de me levar por ela.
Éwon esperava tudo menos aquela rapariga tão bela que acabava de sair das águas, o seu coração dispara ao ver o seu olhar e as suas formas sensuais e naquele momento recebe a fatal seta do Cupido no seu coração. Pode parecer incrível, mas ambos se apaixonaram um pelo outro no preciso momento em que se viram e embora nunca se tenham visto parecia que se conheciam à séculos. Éwon balbucia algo sem sentido, sorrindo e coçando o seu cabelo, Aquileia fixa o seu olhar num pedaço de madeira que jaz na areia e mordisca o seu lábio inferior. Sem que ambos se apercebam, depressa se encontram bem pertos um do outro, tão perto que até sentem a respiração pesada um do outro, mas por vergonha ou medo as coisas terminam por aqui e ambos correm como dois miúdos de volta para o seu mundo..."

Deito-me sobre o meu saco cama e fito as estrelas.
- Ai, Cav, não páres agora, continua. - diz Lara beliscando-me o ombro.

"Embora tenham fugido a este primeiro encontro, a verdade é que a curiosidade e a atracção tomou conta deles e no dia seguinte lá estavam os dois de novo naquele areal maravilhoso. Desta vez nenhum deles fugiu, embora nervosos, ambos fecharam os olhos e trocaram o seu primeiro beijo, um beijo cheio de ternura e de descoberta, aquele que fica na nossa memória até ao resto dos nossos dias por nos sentirmos tão parvos na altura em que o demos. Esse seria o primeiro de muitos e o início de uma grande e bela história de amor."

- Amanhã conto-te o final da história da fundação de Briseida, mas agora estou muito cansado e quero é dormir. - digo beijando os lábios da demónio.
- Humanos, sempre cansados... Mas conta-me, essa enseada ainda existe?
- Sim, tomou o nome de Enseada dos Amantes.