segunda-feira, janeiro 14, 2008

A Viagem

A viagem de regresso ao campo de treino demorou sete dias. Após os combates na arena fomos conduzidos a duas possantes jaulas ambulantes que pouco faziam para nos proteger do vento e do Sol impiedoso. Fui colocado juntamente com os restantes combatentes masculinos na primeira jaula enquanto que na segunda foram colocadas as combatentes femininas e alguns dos homens mais efeminados e/ou eunucos. Durante todo o percurso conversámos e jogámos dados para nos entretermos durante aquela fastidiosa viagem. Fiquei a conhecer melhor Ajax, descobri que é oriundo das estepes de Vendilar onde na sua aldeia exercia a profissão de ferreiro e de sacerdote de Ishtar. A sua mulher e as suas duas filhas foram assassinadas durante um ataque de um grupo de "recolectores de escravos", como ele lhes chamou, e ao que parece apenas ele e mais outros quinze homens foram capturados vivos, o resto da tribo foi brutalmente assassinada e reduzida a cinzas. Enquanto me falava do triste fim do seu povo reparei que o seu olhar tornara-se mais duro, a sua voz tremelicava um pouco e a sua possante mão cerrara-se de tal forma que se tornou branca e um ligeiro fio de sangue se lhe escapou por entre os dedos. Fiquei a conhecer também vários dos meus novos companheiros, incluindo o núbio a cujo o combate assisti, cujo nome é Jerrod e que é oriundo dos desertos de Gize; um tipo corpulento e musculado com bastante pêlo no seu enorme peito, cabelos compridos cor de palha e uma barba e bigode, bem aparados, de igual cor. Apesar de dizer pouca coisa e de o seu olhar de um azul intenso estar permanente fixo num ponto distante no horizonte fiquei a saber que o seu nome é Kull. Quanto aos meus outros companheiros apenas fixei alguns dos seus nomes, tais como Reno de Faxos, Leandro de Nimeia e um personagem intrigante que me chamou a atenção pelo seu porte altivo e nobre e pela sua clara ascendência élfica que se apresentou simplesmente como Thernion, o errante.
- Conheces alguma coisa sobre este, Thernion? - perguntei a Ajax após a breve e enigmática apresentação deste estranho gladiador.
- Não sei muito, aliás, além do seu nome não sei praticamente nada a seu respeito. - responde sem tirar os olhos do chão coberto de palha. - Sei que apareceu misteriosamente durante uma noite de Lua Nova e que apesar da sua aparência inofensiva é bastante rápido e letal.
- Como assim?
- Bom, apesar dos seus combates serem restritos, o que é algo já por si estranho, visto que nós somos pagos para entreter a multidão e não apenas um punhado de gente, como é o caso deste nosso caro colega, a verdade é que certa vez consegui assistir a um dos seus combates. - um sorriso malandro cresce no rosto de Ajax. - Foi tudo graças a uma certa escrava, sabes. Ui nunca vi uma mulher tão...
- Sim, percebo, mas vai direito ao assunto, ok?
- Pronto, pronto! Bom, como eu estava a dizer, um dia consegui assistir a um dos seus combates e o que vi deixou-me de boca aberta.
- E o que é que tu viste?
- Ali estava ele, em plena arena, apenas armado com um facalhão de, praí, quinze centímetros, sem protecção alguma a enfrentar um gigante com três vezes o seu tamanho, armado com um enorme machado e protegido dos pés à cabeça por uma cota de malha belissimamente trabalhada. E acredita que eu sei do que estou a falar, pois como ferreiro fiz muitas e sei distinguir bem a qualidade da porcaria.
- Sim...
- Pois. Ora ali estava ele sem nada no corpo e com um facalhão de quinze centímetros a lutar contra aquele gigante quando de repente, num abrir e fechar de olhos, tudo termina. O gigante cai no chão sem razão aparente e ele é declarado vencedor.
- Hm, será magia?
- Não sei, mas isso não é o mais estranho.
- Não?
- Não. O mais estranho é que o vi tratar por tu o nosso senhor. Tu sabes, aquele que nos comprou.
- Sim, e o que é que isso tem assim de tão estranho?
- És novo aqui por isso não sabes, mas o nosso senhor é um sanguinário demente, é capaz de te esventrar apenas por olhares de frente para ele. E no entanto ele trata-o por tu e não acontece nada, bem pelo contrário, o nosso senhor, e eu juro por Ishtar que é verdade, pareceu-me estremecer, como se tivesse medo dele.
- Hm...
- Aquele tipo esconde alguma coisa, ele nem dorme na nossa caserna, tem um quarto particular dentro da mansão do nosso senhor.
- Estou a ver... De facto é estranho. - olho na direcção de Thernion que, ao que parece alheio à nossa conversa, ao colidir os seus olhos com os meus me esboça um sorriso quente e sedutor.
A nossa carruagem pára subitamente dando passagem à segunda que vinha atrás de nós. Lá dentro encontram-se as combatentes femininas, mas no meio delas apenas duas me chamam a atenção. A primeira é uma mulher de pele prateada, e cabelos negros como a noite que após um maior exame me apercebo de que se trata de uma demónio, muito parecida com a Lara. A segunda é uma mulher alta de cabelos loiros muito bem tratados que estão presos num simples rabo de cavalo. O seus olhos azuis brilham intensamente como se estivessem a ser alimentados por um fogo interior. Por momentos os nossos olhares cruzam-se e ela parece estudar-me de alto a baixo desviando momentos depois o seu olhar não escondendo o seu asco e desprezo pela minha pessoa.
- Ui! - exclama Ajax. - Parece que algo em ti atraiu a atenção da amazona.
- Como assim? - pergunto espantado. - Não viste a maneira desprezível como ela olhou para mim?
- Sim, vi. - responde ele com um sorriso nos lábios. - E aí é que está, ela nunca olha para ninguém, não somos dignos do seu olhar. Somos homens, somos aquilo que as amazonas desprezam.
- Mas quem é ela?
- Não sei, apenas sei que se chama Cassandra e que a última vez que um dos homens teve a ousadia de lhe dirigir a palavra ficou sem os seus genitais e sem a língua.
- Tás a brincar!
- Não! Ela foi castigada, levou vinte chicotadas e nem uma das vezes gritou, bem pelo contrário, eu diria que adorou.
- Caramba, mas onde é que eu vim parar?
- A um lugar esquecido pelos Deuses, meu caro. - diz Ajax sorrindo.
Momentos depois entramos no complexo de treino. A nossa viagem terminara.

2 comentários:

um sonho disse...

Apesar de ser um lugar esquecido pelos deuses não duvido que seja um lugar para imensas aventuras...

As tuas palavras contracenam com mestria... mas ainda assim tenho saudades da tua Lara :)

Um beijo doce

Denise Dória disse...

Agora entendi a cisma pelo Thernion. Muito estranho mesmo.

Conheço uma amazona, talvez seja parente da Cassandra. Quiçá um dia te relate algumas de suas aventuras. Só adianto que ela odeia centauros.

Bem, mas isso é outra história... e em terras muito distantes.

P.S.: Esse Cav é terrível!!! Não pode ver fêmea, seja de que raça for, fica logo arisco. Estou gostando dele.

Abraços.