domingo, janeiro 07, 2007

De Volta ao Castelo

Uma espessa nuvem de fumo branco paira sobre os nossos joelhos ocultando o piso húmido e escorregadio da câmara circular. O caixão jaz sobre um altar de pedra intensamente iluminado por raios de luz amarela provenientes de vários cristais presos no tecto. A luz é habilmente reflectida pelo âmbar incidindo em certos pontos da parede e fazendo aparecer na pedra nua textos e imagens de tempos há muito esquecidos e distantes.
- Uau! Que bonito! - exclama Diana maravilhada observando encantada cada imagem que vai aparecendo à sua frente. - O que significam?
- São histórias muito antigas, lendas, contos infantis, poemas... Coisas que a Elianne adorava escrever e descrever. - responde Beremid. - Infelizmente estão escritos numa língua que só ela conhecia, uma língua ancestral que acabou por se perder.
- Que pena, adoraria ler tudo isto.
- Não desesperes, feiticeira, a Elianne em breve acordará e eu tenho a certeza que terá o maior prazer em partilhar connosco todos estes seus textos. - sossega o dragão admirando com curiosidade e orgulho os desenhos perfeitos e a caligrafia tão estranha, mas ao mesmo tempo tão bem feita.
Enquanto Beremid e Diana se deleitam ao observar as imagens e os escritos, Lara e eu aproximamo-nos do caixão para ver de perto aquela que sobreviveu à, suposta, Grande Catástrofe.
- Hm, com que então esta é que é a famosa Elianne. - diz Lara admirando-a de cima a baixo. - É bonita e bastante atraente, agora compreendo porque é que demoraste tanto tempo para acordar. - a demónio olha para mim de soslaio com um sorriso malandro nos lábios.
- Infelizmente uma certa desmancha prazeres acordou-me na melhor altura, não foi, Lara?
- Ai sim? E posso saber que altura era essa? - pergunta ela endireitando-se e cravando os seus olhos dourados nos meus.
- Não tens nada com isso. - respondo ignorando por completo o seu olhar.
- Não precisas de responder, sei exactamente o que aconteceu entre vocês.
- Ai sim? E o que é que aconteceu entre nós?
- Não é óbvio? A rapariguinha estava sem homem há tanto tempo que assim que te viu saltou-te para cima, não foi?
- Lara...
- Ou se calhar já estava farta de "brincar" com o seu dragão e decidiu experimentar sangue novo.
- Lara...
- Ou talvez até te tenha convidado para entrar na brincadeira com ela e o dragão, sim afinal tu nessas coisas não és lá muito esquisito, nã...
- Lara!!! - grito irritado. Beremid e Diana calam-se e olham para nós, Lara simplesmente sorri deliciada por me ver exaltado. - Mas será que tu só pensas nisso? Estou a começar a ficar farto desses teus ciúmes!!
- Ciúmes!? Eu!? Deves estar a ficar parvo, humano, achas que alguma vez iria ter ciúmes teus, ciúmes de uma criatura tão baixa que nem para me lamber as botas é digna? - explode a demónio extremamente ofendida. - Sou uma demónio de puro sangue e como tal, sentimentos como esse não me afectam, humano.
- Ai sim, tens a certeza? É que em certas alturas, pela maneira como falas e ages, até parece que estás completamente apaixonad... - a demónio dá-me uma estalada com toda a força impedindo-me de terminar a frase.
- Não te atrevas a terminar essa frase, Cav! - grita ela enraivecida. - Eu sou um demónio, ouviste? Um demónio!! Eu sou superior a esses sentimentos reles e ordinários. O amor e a paixão é própria de vocês, humanos, criaturas baixas e mesquinhas. Mete de uma vez por todas nessa cabeça de serradura que os motivos que me movem não são iguais aos teus, pouco me importa o destino dessa tipa, por mim vendia-a a um comerciante de escravos por um bom preço, ou enviava-a para os Infernos onde me serviria como serva e concubina.
- Sempre o mesmo discurso, não é Lara? - respondo afagando o rosto dorido. - Quantas vezes me pergunto se de facto isso é tão verdade como tu dizes, ou se simplesmente o usas para fugir ao que verdadeiramente sentes.
Uma vez mais a demónio tenta bater-me, mas desta vez bloqueio-lhe o golpe e apanho-lhe o pulso.
- Eu não sinto nada por ti, humano, nada! és apenas alguém que eu permito que partilhe a minha cama. - responde ela mostrando os caninos.
- Serei? - respondo cravando os meus olhos nos dela.
A demónio debate-se libertando o seu pulso e sem dizer uma palavra afasta-se enfrentando sempre o meu olhar.
- Estás bem, meu Cavaleiro? - pergunta Diana aproximando-se e examinando o meu rosto.
- Estou sim, foi apenas mais uma das nossas muitas discussões, não te preocupes. - respondo sorrindo.
- Não sabia que vocês costumavam discutir muito. - diz ela olhando para a demónio.
- Nem imaginas. - digo sorrindo. - Mas felizmente acabamos sempre por fazer as pazes.

Com os ânimos mais calmos, Beremid aproxima-se do caixão de âmbar e com extremo cuidado e carinho retira o corpo adormecido de Elianne lá de dentro. O seu olhar é quente e terno e reflecte bem a amizade e ternura que o une àquela guerreira enigmática.
- Mas ela ainda dorme, o que é preciso para a acordar? - pergunta Diana olhando com extrema curiosidade para a última dos Ploensis.
- Um de vós terá que entrar no "Mundo dos sonhos" e trazê-la consigo, é a única maneira. - responde ele sem tirar os olhos da sua protegida.
- E porque é que não fazes tu isso, dragão? - pergunta Lara desconfiada.
- Porque alguém tem de os guiar de volta e o único capaz disso sou eu.
- E quem irá? - pergunto.
- Tu, humano, ela já te conhece e confia em ti, serás o enviado perfeito. Aceitas?
- Sim, eu acei...
Antes de terminar a frase sinto uma tontura enorme e tudo à minha volta torna-se turvo antes de desaparecer por completo.
- Cavaleiro, estás bem? - pergunta uma voz doce e terna. Umas gotas de água fria escorrem pela minha testa refrescando-me e despertando-me daquilo que parecia um sonho. Abro os olhos e vejo-a de novo, sorrindo para mim com duas covinhas no rosto e com o seu olhar meigo preso no meu.
- Elianne!

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