sábado, setembro 09, 2006

Instantes Finais

O Cavaleiro encara a nova adversária com um olhar de puro espanto esquecendo-se por completo de Lilian que jaz à sua frente ainda inconsciente. Tela, aproveitando o impacto que provocou no espírito dele, avança temerariamente na sua direcção, completamente encharcada, devido à chuva que cai incessantemente lá fora, o seu aspecto em nada se assemelha a uma criatura deste mundo, o seu rosto outrora terno enfeitado com deliciosas sardas, encontra-se agora desfigurado pela pintura que se desfaz em contacto com as gotas de água, seus cabelos negros encaracolados, anteriormente bem arranjados, caiem agora pesadamente sobre os seus ombros e sobre o seu rosto e seus olhos castanhos, tão belos e puros que pareciam pulsar de vida, são agora frios e carregados de dor e ódio. Atrás dela entra uma segunda personagem que se mantém silenciosa e é praticamente ignorada por todos, excepto por Lara.
- Tudo termina hoje, meu caro! - diz Tela secamente - Garanto-te que desta vez acabarei contigo!
O Cavaleiro recompõe-se e sorri encantadoramente.
- Duvido, meu amor, da última vez não foste capaz, o que te leva a pensar que irás conseguir agora? Aceita o facto que ainda me amas! - ele cala-se fazendo uma pausa estratégica para observar a reacção da sua rival, esta estremece involuntariamente dando a conhecer que o golpe fora certeiro. - Ah, o amor, que sentimento chato esse. Sofremos tanto em nome dele, cometemos loucuras em nome dele e perdoamos tudo em nome dele. E o pior de tudo, é que por vezes a distância e a ausência ainda o tornam mais forte. Somos de facto criaturas patéticas...
Tela pára, esquecendo-se momentaneamente do que viera fazer e rende-se àquela voz tão cativante.
- Junta-te a mim, meu amor, juntos poderemos conquistar o Universo, reinar para sempre como amantes que nunca deixámos de ser e tomar o lugar que é nosso por direito, o Trono Celestial!
Ele aproxima-se dela tocando-lhe no rosto e afagando os seus cabelos, ante este toque quente e suave, sentindo o seu perfume, ela simplesmente fecha os olhos e sorri docemente como fez tantas vezes ao seu lado. Os seus lábios tocam-se trocando um beijo carregado de paixão e ternura, libertando toda a saudade genuína que os seus corações mantinham cativa. Mas desta vez é diferente, e Tela sabe-o, no meio do beijo uma pequena lágrima de dor escapa-se traindo-a e trazendo de volta as razões que a levaram até ele.
- Pára! - diz ela quebrando a magia daquele beijo. - Por favor, pára! Só os Deuses sabem o quanto eu te amo, fomos feitos um para o outro e mesmo nesta hora tão amarga para mim eu não consigo deixar de sentir outra coisa senão amor. Mas tu tens de pagar pelos teus crimes e por um cruel destino, serei eu que terei de os expiar. Eu lamento imenso, mas tenho que cumprir a minha missão! - O seu rosto estava transfigurado pela dor, as lágrimas corriam como uma cascata pela sua face ante a ironia deste destino tão cruel.
- Eu também lamento - diz ele limpando-lhe em vão as lágrimas. -, acabemos então com isto.

O combate travado por estas duas personagens é intenso, durante algumas horas nenhum dos dois parecia ter ganho vantagem, a sua destreza e habilidade na magia era inigualável, nem mesmo alguns dos mais poderosos e lendários feiticeiros do mundo conseguiria aguentar-se por tanto tempo lançando magias tão poderosas que abalavam as fundações do prédio e até da própria cidade. Um espectacular e alucinante efeito de cores, fumos e sons é expelido por toda a cidade até que por fim, tudo acaba tão depressa como começou. Tela, está de joelhos ofegante e o seu rival, embora exausto, sorri mostrando a sua superioridade.
- Meu amor, eu disse-te que n irias conseguir, mas de uma coisa eu estou realmente espantado, não te contiveste, desta vez quiseste mesmo acabar comigo.
- Eu... disse-te... isso... - diz Tela arfando e limpando as pesadas gotas de suor que lhe cobriam o rosto.
- Tenho muita pena, sinceramente, mas vou acabar contigo.
O Cavaleiro avança para ela soltando as garras dos seus punhos.
- Espera... antes de me matares, eu quero saber como é que aumentaste e dominaste tão rapidamente este poder.
- Foi a minha armadura, uma maravilha, feita de escamas de dragão, os verdadeiros mestres de magia.
- Como eu suspeitava. - Tela fixa o seu olhar no dele e sorri. - Ela, faz o que tens a fazer.
A figura silenciosa obedece imediatamente e colocando uma flecha no seu arco, aponta-a directamente ao peito do Cavaleiro.
- Uma flecha? Tela, sinceramente esperava mais de ti! As armaduras de dragão são as mais poderosas do mundo, nada as afecta, nada! - diz ele sorrindo.
- Errado! - diz Tela tão confiante que espalha a dúvida no seu adversário. - Existe algo que afecta uma armadura de dragão, uma flecha criada a partir de um dente deles.
A flecha parte imediatamente, certeira em direcção ao peito do Cavaleiro. Este mal tem tempo de reagir, apenas de ouvir o som da sua armadura quebrar-se e de sentir a sua ponta penetrar a sua carne. Sem ter plena consciência do que aconteceu ele recua uns passos e leva a mão à ferida que acabara de sofrer. As suas pernas ficam bambas e sem se poder aguentar por mais tempo em pé cai no chão sentindo o sangue quente escorrendo pelo seu corpo.
Satine que assistia a tudo deleitada, solta um grito de dor e corre na direcção do seu adorado amante, suas mãos nervosas arrancam a flecha do seu peito libertando ainda mais o fluxo da hemorragia.
- Cabra! - grita ela chorando copiosamente. - Vais pagar!
E sem pensar duas vezes atira-se a Tela com o intuito de acabar com a sua vida. Uma outra seta é disparada e crava-se no pescoço da vampira detendo o seu avanço e cortando-lhe a voz.
- Tenho pena de ti, criatura das trevas, pois tal como eu, és prisioneira do amor. - diz Tela levantando a mão e conjurando um feitiço. - Espero que encontres a paz no local para onde te vou mandar.
Uma luz azul é libertada da sua mão cobrindo por completo a vampira. O seu corpo contorce-se convulsivamente e depois desaparece deixando no seu lugar cinzas, a flecha e um pequeno anel.

Tela levanta-se e aproxima-se do corpo de Cavaleiro que ainda respira mas com dificuldade.
- Agora nós, meu amor. - diz ela beijando carinhosamente a fronte dele.
Colocando a mão por cima do peito dele, Tela invoca mais uma vez o seu poder, dos seus dedos uma luz lilás é expelida e cobre por completo tanto o seu corpo como o do Cavaleiro. Ele estremece e um vulto negro levita no ar olhando em volta tristemente.
- Aqui estás tu, meu amor. - diz Tela com amargura. - Como te prometi, irei cumprir a minha missão até ao fim.
Os seus lábios movem-se mas nenhuma palavra é expelida.
- Lilian - diz esta mulher poderosa virando-se para o anjo já desperto e assistindo a tudo isto fascinado. -, vou precisar da tua ajuda. Lembras-te do que te disse sobre as tuas asas? Pois bem, chegou a altura de o provares, o teu amado está neste momento entre a vida e a morte e não há feitiço no mundo capaz de o retirar do limbo, apenas tu o poderás salvar, mas para isso terás que abdicar da tua condição de anjo para o trazer de volta.
Lilian olha para ela receosa, desde que a deixara que temia aquela escolha.
- Eu... Eu não sei... - diz a anjo hesitante.
- O tempo urge, Lilian, tens que te decidir, vais abdicar ou não!
- Mas isto é tudo tão repentino, as minhas asas voltaram e agora tenho que as perder de novo?
- Sim ou não! - repete impacientemente Tela.
- NÂO! - responde Lilian nervosamente e libertando lágrimas de dor. - Não, não e não, eu amo-o, mas não sou capaz de me separar das minhas asas de novo, simplesmente não consigo.
E dizendo isto sai do salão e afasta-se daquela estalagem voando para parte incerta.
- E agora? - Pergunta Lara.
- Agora, querida demónio, o Cavaleiro está perdido.
- Mas não há nada que possamos fazer? - Pergunta Eleanora.
- Não, o anjo era a única opção, sem ele, o vosso amigo está perdido. Para o trazer de volta é preciso uma força bem poderosa.
- E eu? - Pergunta Lara aproximando-se e ajoelhando-se junto do Cavaleiro.
- Como assim?
- Eu e o Cav estamos ligados através de magia, eu sou a escrava dele e ele é o meu senhor, não poderá ser essa uma opção?
- Talvez... Não tinha pensado nisso, essas magias são bem poderosas e são capazes de unir duas pessoas para o resto da vida. - diz Tela pensativamente. - Estarás disposta a cortar o teu elo com ele? É a única forma...
A demónio estremece ao ouvir isto e fixa o seu olhar no rosto quase puro do seu amante.
- Sim...

Usando a ligação que une os dois, Tela consegue puxar de volta o espírito perdido do Cavaleiro. A magia que liga a demónio ao seu amante desfaz-se imediatamente e uma sensação estranha invade o corpo de Lara. É livre finalmente e deveria estar contente, mas então porque razão sente um profundo pesar e mágoa? Porque se sente como se um buraco acabara de se abrir no peito? Estas e outras perguntas e sensações são rapidamente afastadas quando o seu companheiro volta a respirar livremente e a sua ferida fecha-se como por magia.
- O meu trabalho está concluído. - diz Tela. - Ela, entrega isto ao Cavaleiro. Agora tenho de partir.
A elfo recebe um pergaminho muito velho e observa o desenlace do triste destino da sua amiga. Envolta ainda numa luz lilás, Tela termina a sua magia, o espírito do seu amor dissolve-se por completo libertando um medonho grito. Deixando cair a cabeça e abrindo as portas do seu coração, a feiticeira deixa-se consumir pela sua própria magia.
- Triste destino, o meu... - Diz ela antes de se suicidar.

2 comentários:

Joker disse...

Muito bonito...tens uma imaginação galopante...

Um beijinho para ti!!!!

Cavaleiro disse...

Obrigado :)

Bj terno