segunda-feira, agosto 21, 2006

Asas

Deixo-me levar pela brisa quente da manhã, como é bom poder saborear uma vez mais esta sensação maravilhosa, esta liberdade magnífica que tão poucos podem experimentar. Sempre me convenci que nunca mais voltaria a senti-las, que ficaria para todo o sempre presa ao chão, incompleta e infeliz, mas, após acordar de novo para a vida, eu senti algo, algo que me foi retirado naquele dia fatídico, ao princípio pensei que se tratava da minha imaginação, apenas uma memória de um passado orgulhoso, mas depois, depois de me ver diante daquele espelho vi que não estava a sonhar, vi que a sensação era real e que uma vez mais estava completa. As minhas asas, as minhas belas, brancas e orgulhosas asas, voltaram.
Deixo que o vento de Leste me abrace e me envolva com o seu toque fresco e delicado, deixo que ele me guie e me leve para onde ele quiser, hoje não me pertenço, hoje não quero ser de ninguém, quero apenas apreciar o momento e... voar.

- Como assim, ela desapareceu!? - Pergunta Melissa entrando de rompante no quarto. - Ainda há pouco aqui estava, ia só demorar uns minutos para se vestir.
- Pode ser que aqui tenha estado ainda há pouco, mas agora já não está e, pela maneira como o quarto estava, deve ter saído à pressa. - Responde Lara calmamente.
- Saído? Cara Lara, pela porta da rua é que não foi, senão nós tê-la-iamos visto. Ela deve estar algures ainda na estalagem, vamos procurá-la.
- Vais perder o teu tempo, já procurei, ela desapareceu.
- Como? Evaporou-se, ou será que ganhou asas e voou pela janela? - Ironiza a sacerdotisa.
- É isso mesmo que eu acho. - Responde a demónio fitando intensamente Melissa com os seus olhos dourados. - Encontrei esta pena no quarto de banho e detectei um cheiro que já não sentia há muito tempo, um cheiro de anjo, cara Melissa, um cheiro de anjo misturado com o cheiro dela.
- Terá ela sido raptada?
- Ai, Deuses, ajudem-me, será que os humanos são assim tão idiotas? Melissa, tu lançaste um feitiço poderoso, será que tu não conheces as lendas antigas? As histórias dos antigos e poderosos feiticeiros que caminharam este mundo séculos antes de nós?
Melissa cora ante a sua ignorância.
- Não, não sei...
- Segundo a lenda, - interrompe Orfeu, indo em auxílio da sua amada - existia sempre um senão cada vez que poderosas magias eram libertadas. Por exemplo, segundo a lenda de Kilian, um sacerdote de Juba muito poderoso, quando ele tentou trazer de volta a sua mulher e os seus filhos, algo correu mal, ao princípio o feitiço funcionara, Kilian vencera a Morte e deu vida aos seus entes queridos, mas nos dias seguintes aconteceu algo que ele não estava à espera, as suas formas mudaram e eles voltaram a ser o que eram numa vida anterior. É como se a Morte tivesse sempre a última palavra, eles regressavam, é certo, mas não da forma como nós queríamos.
- Então, a Lilian vai transformar-se de novo em Serafim? - Pergunta Melissa deixando-se cair na cama.
- Não sei. Se bem te lembras, a Lilian não morreu quando era um anjo, os Deuses tiveram pena dela, do seu sofrimento e dor e tornaram-na humana. Eu não faço ideia do que poderá acontecer. - Responde Lara olhando para a janela aberta.
- Pobre Lilian, espero que nada de mal lhe aconteça ou eu nunca me perdoarei.
Orfeu senta-se ao lado de Melissa e abraça-a ternamente tentando confortá-la.
- Uma coisa é certa, - diz Lara debruçando-se sobre o parapeito - aquela rapariga é muito estúpida, imaginem, a voar como um anjo sobre uma cidade de demónios... Ou é muito corajosa ou é muito parva ao tentar a Morte desta maneira.

2 comentários:

Anónimo disse...

kero mais, mais...fico sempre em suspense.Bjnhos. Tuchamz

Cavaleiro disse...

É sp bom ler isso :)