terça-feira, agosto 08, 2006

A Viagem (1ª Parte)

Sinto uma dor lancinante no peito, uma lâmina fria penetrando a minha carne e desfazendo o fino tecido da ilusão que tem sido a minha vida. Ouço as palavras do meu amor, mas não as compreendo, soam-me difusas e estranhas como se fosse uma língua desconhecida. Deixo-me cair suavemente sobre a calçada quente, eu sei que devia sentir frio, muito frio, mas sinto precisamente o oposto, um calor delicioso que me abraça, que me afaga a pele e me faz sentir segura. Ouço, indiferente, o grito da Melissa e sinto os seus passos correndo na minha direcção, mas já não me interessa, já nada me interessa, apenas me deixo ficar deitada contemplando o céu vermelho do Submundo, como é belo, parece um quadro, cheio de luz e cor, tão vivo e tão... tão... Fecho os olhos e sinto o sangue escorrendo sobre o meu peito, sinto o calor desvanecendo-se do meu corpo, a minha força a esvair-se lentamente como a areia numa ampulheta.
Gritos acompanhados por espessas gotas de água que tocam no meu rosto forçam-me a abrir de novo os olhos. "Será chuva?", pergunto-me. Sou uma tola, uma parva, como disse o meu amor, é apenas Melissa que tenta desesperadamente salvar-me...
Uma dor lancinante atinge-me uma vez mais, é como se acabasse de ser apunhalada outra vez, mas agora com mais força e com mais violência. O céu vermelho vai escurecendo e os gritos da minha amiga vão-se desvanecendo, pela minha mente revejo toda a minha vida, a cabana, a minha avó, o meu jardim e o teu sorriso tão terno e tão doce, o perfume da tua pele e o doce sabor da tua boca. Sinto os meus olhos humedecerem-se de saudades, o meu coração apertando-se de tristeza, mas é tarde, os sons desapareceram e o tão belo céu vermelho é agora um manto preto, tão negro que me cega por completo. A minha respiração vai-se tornando cada vez mais difícil, mais pesada e o frio, ai, o frio gela os meus ossos e impede-me de pensar, de raciocinar, seria tudo mais fácil se eu simplesmente parasse de respirar, sim, é isso...

A escuridão desvanece-se e posso ver uma vez mais o céu vermelho, sinto-me leve, muito leve como uma pena que se agita ao sabor do vento. Abaixo de mim ouço o choro de alguém familiar, mas não me recordo de quem, por curiosidade viro o meu olhar na sua direcção e vejo uma mulher de cabelos ruivos chorando copiosamente enquanto segura nos braços uma outra que pela sua pele exangue e pela enorme mancha vermelha no peito acabara de falecer. Tenho pena, muita pena, gostava de a poder confortar, mas não sei quem seja e sinceramente não me interessa...
Afasto-me daquela cena triste e levito para longe, muito longe, o chão abaixo de mim move-se a uma velocidade estonteante, o Sol e a Lua aparecem várias vezes no céu como se os dias passassem por mim em apenas questões de segundos, finalmente páro, ou melhor, algo me faz parar, uma voz, um som melodioso, tão doce que me aquece a alma. Olho para todos os lados mas não consigo discernir donde ele vem, parece estar em todo o lado e ao mesmo tempo em lado nenhum. Finalmente vejo algo, uma silhueta lá longe no firmamento, não consigo saber quem é ou o que é, mas apenas sei que devo segui-la, que devo ouvi-la. Uma vez mais a noite transforma-se em dia e o dia transforma-se em noite, percorro milhares de quilómetros em escassos segundos e chego finalmente ao meu destino, meu coração bate apressadamente, sinto-me nervosa, receosa, não sei o que fazer, apenas sei que devo esperar...

Sem comentários: